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2. RUI, UM ESTILO NO JORNAL

2.7 O desenho como grife

Quando uma grife torna-se uma palavra poderosa do ponto de vista econômico e simbólico, é porque passou por um processo de transubstanciação, como sugerido por Bourdieu. Acontece quando o “costureiro adota um procedimento semelhante ao do pintor que transforma um objeto qualquer em obra, pelo fato de marcá-lo com sua assinatura.” 218

No caso de Rui, que começou a carreira como chapeleiro e tornou-se costureiro – buscando seguir os moldes da alta-costura francesa, com a composição de uma linha

217 Idem. 218

BOURDIEU, Pierre. A Produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. In: Produção da crença, contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Trad. Maria da Graça Jacinto Setton. Porto Alegre: ed. Zouk, 2006, p.21.

prêt-à-porter e produtos licenciados –, seu nome enquanto marca jamais teve a

mesma abrangência que suas colunas escritas para o jornal. Isso aconteceu, entre outros motivos, pela grande circulação dos veículos de imprensa com os quais colaborou.

Nesse sentido, os desenhos de Rui podem ser compreendidos como uma extensão de sua grife. Foram capazes de fazê-lo reconhecido, reforçando seu poder carismático, ou seja, mobilizando uma energia de transmutação simbólica. Ao longo da trajetória, reforçaram seu nome como ilustre e, por isso, “digno de ser procurado, consagrado, sagrado, legítimo”. 219

Nos desenhos, em que segue as linhas gerais dos costureiros, demonstra sua capacidade mediadora, de articular a moda internacional à realidade local – o exercício inscreve a sua visão sobre o que está posto. Ainda nos anos de A Hora, Rui mencionava as elegantes locais em suas colunas, ilustrando os modelos que vestiam com desenhos. Nos anos 1950, seus croquis eram utilizados para dar conta de eventos sociais, apontando usuária, cores e tecidos. A intenção era promover o reconhecimento e reforçar um modelo, transformando-se em uma espécie de moda imaginada, ou seja, uma versão sua baseada naquilo que vivenciava, que era passível de ser transformado – apesar do compromisso em registrar o real. (Figura 31)

219

Figura 31 - Elegantes vistas em evento social, 1957.

Fonte: A Hora

A visão idealizada podia conter uma tentativa de valorizar este ou aquele detalhe. Os desenhos tampouco correspondiam aos corpos reais das mulheres que representavam. Ao transformá-las em croquis, Rui as incorporava a sua coleção de imagens, que iriam sofrer a ação da memória e passar a representar algo – que não sabemos como de fato foi. Fica apenas a reminiscência.

A vontade de construir um ideal o acompanha desde Novo Hamburgo, quando insistia para que as mulheres usassem chapéus e luvas. Também em Porto Alegre, quando se repete nas páginas de A Hora em suas muitas sugestões de modelos para bailes de gala ou vestidos com elaboradas saias balonês para jantares e cinema – pareciam funcionar mais nas páginas das revistas do que no mundo real. (Figura 32)

Figura 32 - Sugestões de Rui para jantar ou teatro, 1957.

Fonte: A Hora.

Em sua coluna no Correio do Povo, a imaginação viraria estratégia de marketing: os modelos veiculados eram criações suas, sendo ora modelos exclusivos feitos para eventos (como casamentos e bailes de debutantes), ora modelos em consonância com o prêt-à-porter vendido em loja. (Figura 33)

Figura 33 - Desenhos de Rui para o Correio do Povo, 1998.

Fonte: Correio do Povo.

De certa forma, os croquis perdem o caráter pedagógico: em tempos de pouca exclusividade – apesar das roupas grifadas –,representam o luxo de uma roupa feita especialmente para si. Ao nominar suas usuárias, Rui demonstra quem era, à época, capaz de bancar tal luxo.

2. 8 Dois tempos, novas visões de elegância

Os escritos de Rui nos anos de 1950, voltados ao público feminino, versavam sobre os eventos da sociedade e sobre elegânicia, incluindo conselhos e regras sobre o

(bom) comportamento social. É possível, dessa forma, associá-los a um discurso de civilidade, conectado ainda aos primeiros movimentos de valorização da moda feita no Brasil – como será visto no próximo capítulo.

Em Novo Hamburgo, as páginas do jornal local serviram como um espaço de afirmação e reconhecimento; ao instruir o público feminino local sobre o vestir para situações requintadas- como banquetes e bailes de gala–fazendo uso adequado de bolsas e chapéus, demarca também seu desejo–e capacidade–de trabalhar com moda. O primeiro desfile, e a suarepercussão positiva, foram o primeiro passo na profissão, que também abriu caminho para a consagração do nome Rui.

No breve período em que trabalhou em A Hora atuou ora como “cronista de moda”, ora como colunista social, mas mantendo certo tom impositivo, de árbitro, de “quem sabe” sobre a moda. Suas visões estavam sempre de acordo com um ideal de elegância socialmente aceito, que prezava ainda um modelo feminino relacionado aos papéis de mãe e esposa.

O espaço deu visibilidade a sua atuação como chapeleiro e, posteriormente costureiro, e foi marcado por seus desenhos, tornando-se uma forma de divulgar suas propostas- e também seu talento e capacidade inventiva.

Porém, em seu retorno ao jornal na segunda metade da década de 1990– periodo em que vive seu apogeu profissional–a preocupação com as regras de etiqueta e a busca pela “melhor apresentação possível”(que se trata de um discurso de civilidade) passaram de forma definitiva a dialogar com a moda, visando reforçar um estilo. Se, no jornal A Hora, Rui buscou apresentar-se à sociedade local com suas preferências e gostos pautados pela moda francesa, nas páginas do Correio assumiu o posto de referência. Seus textos não versavam apenas sobre moda, mas sobre os acontecimentos da cidade e eventos sociais, sempre tendo como ponto de partida seu ponto de vista e preferências- como um formador de opinião.

O estilo pessoal entra em pauta ao gosto de Rui, para reforçar o seu estilo – e a sua marca–no momento em que a subjetividade impera e, novamente, a moda brasileira se transforma. Dessa forma, as colunas abordadas acabam por apontar como seus discursos, alinhados a um padrão vigente, marcam um posicionamento no campo em que atua, assim como revela a composição de seu capital simbólico