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A Antigüidade clássica era contrária à perspectiva linear plana, pois considerava a configuração do campo visual como esférica. Para óticos, teóricos de arte e filósofos da Antiguidade “o reto é visto como curvo e o curvo como reto” (Panofsky, 1985: 15).

Os antigos partiam do pressuposto de que as dimensões visuais não são determinadas pela distância existente entre os objetos e o olho, e sim pela medida do ângulo visual. Esse era o princípio fundamental do procedimento perspectivo antigo. A arte antiga privilegiava a representação dos objetos em detrimento do espaço.

Panofsky acredita que os romanos clássicos possuíam, realmente, procedimentos geométricos perspectivos. Salienta que o arquiteto Marco Vitruvio (século I a.C.) apresenta a definição de scenographia como método de representação perspectiva de uma imagem tridimensional sobre o plano. Embora não haja um ponto de fuga único nas pinturas antigas (como na perspectiva plana introduzida no Renascimento), há a utilização de diversos pontos de convergência dos prolongamentos das linhas de profundidade, o chamado eixo de fuga. As ortogonais convergem, mas nunca a um horizonte unitário ou a um centro contínuo.

Scenographia é 1) o método do pintor que,

desejando reproduzir graficamente edifícios, o faz não segundo medidas reais, mas sim por medidas aparentes; 2) o método do arquiteto que não deve aplicar as proporções definidas como belas, do ponto de vista matemático, e sim perseguir a forma satisfatória sob o ponto de vista subjetivo e 3) o método do escultor que realiza obras de grande volume. A scenographia instrui o escultor acerca da impressão ótica futura de sua obra, a fim de que a impressão não seja meramente simétrica (Panofsky, 1985: 75).

O espaço é representado artisticamente mediante a superposição e sucessão de figuras (cf. figura 27). De maneira geral, as dimensões diminuem na direção do fundo com o objetivo de

representarem a profundidade, mas essa diminuição não é constante e o resultado é a representação de figuras fora de proporção.

Figura 27: História de Abraham, século VI (Mosaico da Igreja San Vital de Ravena – Ravena, Itália).

Fonte: http://www.xtec.es/sgfp/llicencies/200203/memories/ prodriguez/antiguotestamento/abrahamisaac.htm.

As teorias antigas do espaço nunca o definiram como um sistema de relações entre a altura, o comprimento e a profundidade. A perspectiva antiga é a expressão de uma determinada intuição de espaço, que difere da intuição moderna.

Platão condenava a construção perspectiva em seus primórdios por considerar que a perspectiva deformava a medida das coisas. Bem como as questões geométricas relativas aos sólidos, a teoria platônica do espaço também se encontra apresentada no Timeu. O espaço (chóra, tópos) é o lugar da matéria enquanto possibilidade do corpóreo (Panofsky, 1979 e 1985: 51-56; Campos, 1990: 46-8 e Brun, 1994: 128-33; ).

Platão o considera [espaço] a instância do devir (gênesis), uma espécie de recipiente (dechómenon) vazio onde a água, o ar, o fogo e a terra (...) mudariam ininterruptamente de estado. (...) Só podemos compreendê-lo adequadamente se o situamos dentro do projeto pitagórico- platônico de identificação progressiva do

mundo físico com o mundo das formas geométricas (Campos, 1990: 47).

A tendência de Platão em associar espaço à matéria predominou sobre o pensamento científico até o século XII, quando cedeu lugar para a influência de Aristóteles. A rigor, Aristóteles não utiliza o termo espaço (chóra), entretanto é freqüente o emprego de tópos, noção de lugar (Campos, 1990: 48-9 e Brun, 1994: 228-41).

O próprio “espaço” é concebido como a soma global dos lugares ocupados pelos corpos. Para Aristóteles, o lugar seria aquela parte do espaço cujos limites coincidem com os limites do corpo que o ocupa. (...) Cada coisa é um “ninho” de lugares contidos uns nos outros (Campos, 1990: 49).

Concluímos que a perspectiva plana não fazia parte da Kunstwollen (vontade de arte) antiga, portanto, seria inexato constatarmos, simplesmente, uma “incapacidade” dos antigos em relação à perspectiva, pois:

(...) se eles tivessem conhecido as leis da perspectiva linear, da forma como as estabeleceu a matemática mais recente, ainda assim não a teriam utilizado (...) os artistas antigos não poderiam aspirar à unidade espacial perspéctica, visto que esta não lhes teria proporcionado unidade artística nenhuma (Riegl apud Campos, 1990: 34).

Na realidade, seria mesmo um erro considerar a noção de perspectiva antiga como

equivocada, pois a ótica antiga considerava o mundo curvo.

De fato, a retina humana é uma superfície côncava e a física contemporânea prova que o universo é curvo. Nessa medida, os antigos estariam à frente de seu tempo, uma vez que a perspectiva renascentista, como veremos, parte de um campo visual plano. É na arte bizantina, entre a Antigüidade e a Renascença, que se revela o esforço em reduzir o espaço à superfície. Mas não se configurou uma ruptura absoluta da tradição antiga, nem se conseguiu alcançar o Renascimento. A arte romântica (século XV) sim, segundo Panofsky, marca a transformação do período antigo: a pintura romântica reduz de um mesmo modo os elementos e o espaço à superfície. Figuras e espaço permanecem unidos e se alteram sob mesma proporção (Panofsky, 1985: 33-4). “O período romântico ensejará o definitivo desaparecimento da representação, em moldes clássicos, do espaço pictórico. Nele, espaço e corpo não mais se distinguem após serem condensados por arquetípicos padrões” (Campos, 1990: 52). Figuras agrupam-se num único cenário espacial homogêneo (cf. figura 28).

Figura 28: Majestade, Giotto, 1310 (Galeria Uffizi – Florença, Itália).

Fonte:http://gallery.euroweb.hu/html/g/giotto/z_panel/2p anel/40maesta.html.

A novidade do Quattrocento será, então, a uniformidade, a visão globalizante do espaço: o olho extrapolará a simples visão panorâmica pelo poder unificador da perspectiva vista por um único ângulo.

3.2. Re+nascimento

Durante o Renascimento, os pintores descobriram a terceira dimensão. Os fundadores dessa nova concepção de espaço perspectivo foram Giotto (Giotto di Bondone, 1267-1337) e Duccio (Duccio di Buoninsegna, 1255-1319), durante o Trecento. Assim, começa a superação dos princípios anteriores de representação. A representação de um espaço interno fechado, concebido como um corpo vazio, significa uma revolução na valoração formal da superfície pictórica: o plano através do qual vemos um espaço que nos parece transparente, denominado plano figurativo (Panofsky, 1985: 37-8 e Kaku, 2000: 82-3).

(...) os termos “espaço” e “perspectiva”, aplicados à Renascença, têm um sentido bem definido e sobre o qual há uma concordância geral. A perspectiva designa um sistema de agenciamento da superfície plana da tela onde todos os elementos a representar são considerados a partir de um ponto de vista único e as dimensões relativas das partes deduzidas, matematicamente, do cálculo da distância dos objetos que aparecem numa relação com o olho sempre imóvel do hipotético espectador (Campos, 1990: 25).

O sistema do ponto de fuga (a base da perspectiva renascentista) surge, ainda durante o Trecento, com os irmãos Pietro (1280-1348) e

Ambrogio (1290-1348) Lorenzetti, que estiveram em contato com Giotto, por quem foram influenciados. O ponto de fuga (centro de convergência único das ortogonais, disposto na linha do horizonte) aparece, pela primeira vez, no quadro “Anunciação”, em 1344, de Ambrogio Lorenzetti (cf. figura 29).

Figura 29: Anunciação, Ambrogio Lorenzetti, 1344 (Pinacoteca Nacional – Siena, Itália).

Fonte: http://www.pitoresco.com.br/italiana/lorenzetti.htm.

Entretanto, as pinturas do Trecento não apresentavam correção matemática na construção perspectiva. Somente em torno de 1420 foi criada uma construção perspectiva matematicamente exata. Seu autor foi o arquiteto florentino Filippo Brunelleschi (1377- 1446) (Francastel, 1982: 215-49 e Panofsky, 1985: 45-49).

Esse espaço perspéctico foi descoberto em virtude das relações de Brunelleschi com matemáticos e teóricos, como seu amigo Giannozzo Manetti (1369-1459). Propuseram, então, o princípio da organização do espaço fundada na medida.

A partir do Renascimento, a perspectiva, enquanto técnica de representação gráfica, passou a ser considerada uma disciplina anexa à geometria. Brunelleschi aplicou, pela primeira vez, princípios de geometria e matemática no estabelecimento de leis de percepção visual na perspectiva. Decidiu, para tanto, realizar uma experiência na praça da Catedral de Florença: pintou sobre uma pequena prancha a visão urbana que teria um espectador que estivesse à porta da Catedral.

Pela utilização de um mecanismo de espelho e de um buraco, feito no centro do quadro, demonstrou sua visão em perspectiva, pois apesar dos tamanhos diferentes, conseguiu fazer coincidir o “desenho” com a realidade dos edifícios. Com esta demonstração, Brunelleschi apresentou o sistema de ponto de fuga, o ponto onde se encontram todas as linhas que desenham a profundidade. Esse tipo de abordagem designa-se projeção cônica (a projeção é realizada a partir de um ponto de onde partem as retas) e deu origem à perspectiva renascentista.

Se Brunelleschi descobriu a construção perspectiva plana, Leon Battista Alberti (1404- 1472) foi o responsável pelo método que facilitou sua utilização na prática. Alberti realizou o primeiro trabalho teórico sobre questões da perspectiva em seu tratado “Da Pintura” (1435). O sistema desenvolvido por ele consistia na construção perspéctica do quadrado de base quadriculado segundo o procedimento com pontos de distância: os intervalos de profundidade são proporcionados pela diagonal, cujo extremo I2 se obtém levando sobre o horizonte (DH) a distância até o ponto de vista I1, ou seja, o intervalo entre o olho e a superfície do quadro (cf. figura 30).

Figura 30: Método de Alberti para construção perspectiva de um quadriculado.

Fonte: http://www.cienciaviva.pt/projectos/inventions2003/ marrocos2.asp.

O Renascimento, assim, consegue racionalizar o plano matemático da imagem do espaço. Cada objeto é tomado, não individualmente, mas em função de suas relações métricas com os demais. Por meio de lei matematicamente fundamentada, passa a ser possível determinar as distâncias entre as figuras e a relação delas com o espaço para uma melhor representação do espaço tridimensional. A perspectiva no Renascimento transformou o espaço psicofisiológico em espaço matemático: a objetivação do subjetivismo (Panofsky, 1985: 29-49; Campos, 1990: 55-84 e Hildebrand, 2001: 31-42).

Já no século XVIII, deve-se ao matemático francês Gaspard Monge (1746-1818) a descoberta de um sistema geométrico de representação: a geometria descritiva. A partir dos métodos desenvolvidos pelos artistas renascentistas, formulou regras mais rigorosas para representação planificada. Introduziu dois planos de projeção perpendiculares entre si para descrição gráfica de objetos sólidos. Essas técnicas foram generalizadas num sistema de projeções ortogonais, em seu tratado “Geometria descritiva”, em 1795. É um sistema duplo de projeção designado por sistema diédrico ortogonal, um método que objetiva

representar, com exatidão, projeções bidimensionais que ilustram as formas tridimensionais dos objetos (cf. figura 31). A geometria descritiva permanece sendo a base do desenho técnico.

Figura 31: Sistema de projeções ortogonais da geometria descritiva.

Fonte:http://www.perdiamateria.eng.br/Nomes/Monge.htm.

3.3. 0D + 1D + 2D + 3D + 4D

As noções de dimensão (no espaço, o número de coordenadas necessárias à determinação unívoca de seus pontos) e de medida (tamanho, quantidade) desempenham um papel muito importante na definição das civilizações: implicam a procura de todas as fontes de uma determinada forma de vida, pensamento ou ação.

Nessa definição da dimensão mensurável de uma civilização se encontram de fato envolvidos os diferentes aspectos sob os quais pode ser precisado o valor documentário das artes em função das ambições legítimas da História. Potencialidade e extensão dos modelos antigos ou novos na vida corrente dos indivíduos ou dos grupos; coerência interna e limites de uma forma de cultura; encaminhamentos que permitiram ao modelo circular através de toda a terra no tempo como no espaço, as artes fornecem, sobre esses diversos pontos, uma enorme

quantidade de informações precisas, balizando as estradas da história e iluminando a complexidade dos tipos mentais. Seu estudo permite identificar transferências no domínio das técnicas como no das estruturas imaginárias. (...) As formas não são apenas produtos e testemunhos, elas são também causa de obras e de condutas (Francastel, 1982: 84- 5).

Quando o pensamento humano se exprime no espaço, toma uma forma plástica. A forma plástica em função da noção de espaço é variável no tempo. Assim, a plástica da arte, do design, da arquitetura etc, traduz a concepção que seu tempo tem do espaço. As concepções gerais do espaço, sobretudo as matemáticas, num movimento inversamente proporcional, informam-nos sobre as intenções de uma determinada época. Nessa medida, utilizaremo- nos da exemplificação das artes para abordarmos quatro dimensões de espaço - o ambiente genético desta pesquisa - e entendermos como nossa sensibilidade foi se moldando para a compreensão da tetradimensionalidade espacial. Ressaltamos que as questões aqui referidas acerca da dimensionalidade não se restringem a uma questão de escala. Trata-se da noção das primitivas geométricas não-dimensional, uni e bidimensional, além da tri e da tetradimensionalidade, respectivamente denominadas 0D, 1D, 2D, 3D e 4D, permeadas

ou não pela dimensão temporal (Gomes Filho, 2002: 39-47).

0D- a primitiva geométrica não-dimensional corresponde à noção de ponto. O ponto, per se, é o elemento mínimo da geometria, não tem

dimensão alguma. Por definição, é um ente geométrico infinitesimal. Não possui medida nem materialidade apreensível, pode constituir- se na mera virtualidade de sua indicação, como acontece na pintura de Michelangelo (1475- 1564) no teto da Capela Cistina (cf. figura 32), em que o “ponto” é a indicação sutil do toque entre dedos.

Figura 32: A criação do homem, Michelangelo, 1508-1512 (fragmento do teto da Capela Cistina – Vaticano, Itália). Fonte: http://www.ciadaescola.com.br/zoom/materia.asp?

materia=247.

O pontilhismo (movimento pictórico pós- impressionista surgido na França na década de 1880), como o próprio nome já indica, tem o ponto como entidade fundamental. Sua característica central é a decomposição tonal mediante minúsculas pinceladas nitidamente separadas, como perfeitos pontos. As bases do pontilhismo encontram-se nas idéias de vários físicos do final do século XIX, entre os quais Hermann von Helmholtz (1821-1894). Para os pontilhistas, entre as cores complementares deveria existir sempre uma relação exata, de modo que, a um tom de vermelho correspondesse outro de verde e existisse entre ambos uma seção infinitesimal de suporte. A justaposição das cores complementares, segundo um esquema matemático, emprestou ao pontilhismo um aspecto inconfundível, como conferimos na obra do seu maior expoente, Georges Seurat (1859-1891) (cf. figura 33).

Figura 33: Um domingo à tarde na ilha de Grande Jatte, Georges Seurat, 1884-1886 (Instituto de arte de Chicago –

Chicago, EUA).

Fonte: http://viagemaopontodefuga.blogspot.com/2003_12_ 01_viagemaopontodefuga_archive.html.

1D- a primitiva geométrica unidimensional é a linha: ente geométrico que pode ser especificado por dois pontos de coordenadas (x,y). A dimensão linear, a dimensão definida pela ligação entre dois pontos, é o comprimento. Uma linha configura um espaço direcional: dirige nossa atenção numa dada direção, como uma seta (cf. figura 34). Esse movimento visual se dá no espaço e no tempo.

Existem possibilidades de se modular o

movimento da linha. Podem-se, por

exemplo, produzir intervalos. Sugeri que abaixo da linha contínua se desenhasse outra linha, desta vez descontínua, composta de tracinhos horizontais. Em seguida, uma terceira linha toda pontilhada. Examinando as linhas, não havia dificuldade em observar que os intervalos entre os tracinhos interrompiam o contínuo fluir. E também que, quanto maiores fossem os intervalos em relação aos segmentos lineares, tanto mais lento se torna o percurso. Os intervalos funcionam como

pausas (Ostrower, 1996: 66).

Figura 34: Sem título, Gego, 1970 (Fundação Gego – Caracas, Venezuela).

Fonte: http://www.stmk.gv.at/verwaltung/lmj- ng/04/gego/bild15.html.

O esquema espacial unidimensional acrescido do tempo dá às linhas sua transparência, seu peso, sua imaterialidade peculiar. O tempo, nas configurações lineares, desenrola-se no interior de uma espacialidade mínima (1D). Essas qualificações do espaço constituem a expressividade da linha. Com relação à expressão, as linhas nascem de nosso poder de abstração: percebemos a linha do horizonte, percebemos linhas em figuras humanas, embora elas fisicamente não existam. As linhas nos propiciam movimentos psíquicos na forma de e-moção (e = direcional, lançado para fora; moção = movimento).

2D- a primitiva geométrica bidimensional é o plano: superfície de duas dimensões (comprimento e altura). O que caracteriza a bidimensionalidade é a noção de limite expressa em termos de sua projeção plana, ou planificação. A organização espacial da superfície integra, sobremaneira, as duas dimensões de tal modo que uma não pode ser vista sem a outra. As linhas (físicas ou imaginárias), que delimitam uma área bidimensional, acabam por prender uma dimensão à outra, diminuindo seu movimento

visual. A redução do movimento visual reduz o fluir do tempo.

(...) compensando-se mutuamente na estrutura da superfície, as duas dimensões estabilizam o espaço e o imobilizam. Se não forem introduzidos novos elementos dinâmicos, de movimento, o espaço aparece idealizado. Seria um espaço ideal, em termos de pura expansão sem indicações de tempo. Esse tipo de idealização de espaço é encontrado muitas vezes na arte, em várias épocas históricas, sempre em configurações espaciais diversas, por motivos diversos (culturais ou individuais) e com conteúdos expressivos diversos. Sempre a superfície recebe ampla elaboração formal na imagem, sendo a redução ou a eliminação do tempo justamente uma das características do espaço idealizado (Ostrower, 1996: 70-1).

Pelas imagens dispostas na seqüência, podemos observar o acréscimo gradual de movimento nessas obras essencialmente bidimensionais. A e-moção aumenta por meio da utilização de linhas individuais, intervalos, inclinações, supressão de linhas deliberadas de contorno, por exemplo. Partimos do francês Henri Émile Benoit Matisse (1869-1954) (cf. figura 35), o principal representante do fauvismo, reconhecido por uma vasta produção pictórica desprovida de perspectiva e “freqüentemente topológica” (Francastel, 1982: 131). Como fauvista, sua tendência era a exploração máxima da expressividade das cores pelo uso exacerbado das cores agressivas em representações planas. O neoplasticista holandês Piet Cornelis Mondrian (1872–1944) (figura 36), juntamente com os russos Kazimir

Malevich (1878–1935) (cf. figura 37) e Wassily Kandinsky (1866–1944) (cf. figura 38), foram os primeiros pintores abstratos da história. Vislumbravam um estado de harmonia, ao que correspondia uma imagem ideal de espaço. Em busca de uma objetividade na visão de espaço, combinavam superfícies geométricas regulares. Mondrian, diferentemente dos russos, optou pela exclusão do tempo através da supressão de linhas livres e da incorporação de linhas fortes de contorno. Essas linhas em torno de superfícies regulares desempenham, simultaneamente, as funções de forma de superfície e de forma de intervalo. Assim sendo, a imagem não pode ser percebida por meio de partes isoladas, figura ou fundo. A estrutura da imagem é vista como uma totalidade homogênea. Em Malevich e Kandinsky, percebemos a inclusão sutil de elementos mais livres e desconectados. Intervalos e exploração das linhas virtuais diagonais de organização do espaço trazem a dimensão temporal para a superfície das obras.

Figura 35: Retrato de LydiaDelectorskaya, Henri Matisse, 1947 (Museu Hermitage – São Petersburgo, Rússia).

Fonte: http://www.hermitagemuseum.org/fcgi- bin/db2www/quickSearchDL.mac/Lgallery?selLang=English&

Figura 36: Composição, Piet Mondrian, 1921 (Museu de arte moderna – New York, EUA).

Fonte: http://www.moma.org/collection/provenance/items/ 154.57.html.

Figura 37: Composição suprematista: avião voando, Kazimir Malevich, 1915 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte: http://www.moma.org/collection/provenance/items/

248.35.html.

Figura 38: Pressão suave, Wassily Kandinsky, 1931 (Museu de arte moderna – New York, EUA).

Fonte:http://www.moma.org/collection/provenance/items/103 2.83.html.

3D- René Descartes (1596-1650) define, em suas “Regras para a direção do espírito”, que o elemento de dimensão espacial é o comprimento: “pode-se partir do comprimento para reconstruir a realidade espacial como multiplicidade de três dimensões” (Francastel, 1982: 147).

O espaço tridimensional (comprimento, altura e profundidade) é, naturalmente, nosso espaço por excelência, o espaço das três dimensões abstratas geométricas no qual estamos imersos.

O espaço 3D extrapola a base do plano, tornando-se mais dinâmico. Mesmo quando restrito à representação bidimensional, o espaço torna-se profundo pela presença de linhas diagonais interligadas às horizontais e verticais. Quando vistas em conjunto com horizontais e verticais, as diagonais introduzem a dimensão da profundidade. A sensação de volume advém das qualidades espaciais de planos relacionados em diagonal, das superposições e do cheio versus o vazio (cf. figuras 39 e 40).

Em configurações de volumes sempre reencontramos os elementos linha e superfície. Mas os reencontramos sobretudo em seus aspectos dinâmicos, a diagonalidade (linha) e a superposição (superfície). Esses aspectos dinâmicos – até então opções que permitem aumentar a movimentação visual possível no desdobramento formal de linhas e superfícies – encontram-se agora incorporados como aspectos essenciais da estrutura de volumes. Quer seja geométrico ou não-geométrico, qualquer volume representa um conjunto de planos em superposições diagonais (Ostrower, 1996: 82).

Figura 39: Planos verticais e diagonais, František kupka, 1913 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte:http://www.moma.org/collection/provenance/items/103

6.83.html.

Essas obras apresentadas, do pintor abstrato checo František kupka (1871-1957) e do artista gráfico holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972), materializam a e-moção da representação tridimensional no suporte plano 2D. A magia da sensação de profundidade do real é manifestada no visual, virtual (Coxeter et ali, 1987 e Escher, 2002).

O espaço característico de volumes é a profundidade. Na representação do volume, a profundidade é inferida pela presença de diagonais junto a planos verticais e horizontais. Na experiência sensorial da profundidade real do espaço em nosso universo 3D, a interação das três dimensões nos absorve e nos permite vivenciar os sentidos, os sentimentos, as dimensões. Espaço em tempo, movimento. Imersão.

Nessa atmosfera insere-se a artista e