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Aventuras do diagrama no país dos ícones

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Capítulo 4. Aventuras do diagrama no país dos signos

4.1. Aventuras do diagrama no país dos ícones

A semiótica peirceana, ou lógica das linguagens, nasce no interior da filosofia de Peirce, mais especificamente como uma das Ciências Normativas, na seqüência da Estética e da Ética. Como alicerce da filosofia e, por conseguinte, da semiótica, Peirce nos apresenta sua fenomenologia, que busca determinar os elementos universais daquilo que aparece à mente, ou seja, do fenômeno. Para diferenciar os tipos de elementos presentes nos fenômenos e agrupá-los em classes ou categorias, as mais universais possíveis, Peirce desenvolveu três

categorias. São elas: primeiridade, segundidade e terceiridade. Partindo da idéia de primeiro, original, gera-se o entendimento de que a primeiridade aplica-se aos fenômenos que são o que são, são livres, ou seja, não condicionados. É uma consciência una que não envolve qualquer comparação, é um sentimento, ou nas palavras de Peirce, uma qualidade de sentimento (Peirce, 1974: 23). A segundidade traz a idéia de segundo em relação ao primeiro, independentemente de qualquer terceiro. Ser segundo é ser outra coisa que não o primeiro. Insere-se aí a noção de alteridade, aquele que é outro, que se contrapõe, que reage. Terceiridade constitui-se de um pensamento mediador entre primeiridade e segundidade. O pensamento só é possível se houver regularidade, semelhança. A terceiridade pressupõe algum tipo de ordem, de continuidade, de permanência. A terceiridade, com sua característica de mediação por meio da representação, contém, necessariamente, a primeiridade e a segundidade.

O primeiro está aliado às idéias de acaso, indeterminação, frescor, originalidade, espontaneidade, potencialidade, qualidade, presentidade, imediaticidade, mônada... O segundo às idéias de força bruta, ação- reação, conflito, (...) esforço e resistência, díada... O terceiro está ligado às idéias de generalidade, continuidade, crescimento, representação, mediação, tríada... (Santaella, 1995: 18).

As ciências normativas objetivam atingir normas ou ideais, dedicando-se ao estudo do fenômeno. Estética, ética e lógica (semiótica) imbricam-se uma nas outras: a estética tem

como função estabelecer o que é possível ser admirável em si mesmo. À lógica, enquanto ciência do raciocínio, cabem os meios para se agir razoavelmente na direção do fim último - ideal estético - a ser alcançado. A ética, por sua vez, propõe e analisa os propósitos razoáveis dos fins a serem perseguidos. A finalidade da semiótica é a formação de pensamentos lógicos, signos em comunhão com a ética e com a estética. O signo é “algo de natureza aberta, quer dizer, é qualquer coisa de qualquer espécie que seja - um pensamento, ação, sentimento, imagem, palavra, biblioteca, (...), os objetos que nos cercam no mundo cotidiano, enfim, qualquer coisa pode funcionar como signo” (Santaella, 2000: 145). É necessário que o signo seja um primeiro que esteja em real relação de substituição com um segundo, seu objeto, por meio da geração de um terceiro, seu interpretante. Quando operamos em nossa mente esta substituição, damos origem ao interpretante. O signo, ao representar seu objeto, liga-se a ele em alguns aspectos, nunca em sua totalidade, pois se isso acontecesse, o signo seria o próprio objeto. Peirce identificou dois tipos distintos de objetos, sendo: objeto imediato - interno ao signo, parcial, um recorte do objeto dinâmico, é o modo como o objeto dinâmico se representa no signo e objeto dinâmico - externo ao signo. Segundo Peirce, é impossível o acesso direto ao objeto dinâmico, pois ele é inevitavelmente mediado pelo objeto imediato. A correspondência entre signo e objeto dinâmico é dada pelo objeto imediato. Portanto, quando nos referimos ao objeto do signo, trata-se do objeto tal qual o signo a ele está conectado e depende da natureza do signo. O interpretante é o efeito gerado pela tradução dos signos, enquanto o intérprete é aquele que

permite essa tradução. O interpretante é o terceiro elemento da tríade, é o mediador do primeiro (signo) e do segundo (objeto), aquele que gera significação. Os interpretantes são gerados em variados níveis ou graus: 1) interpretante imediato = “interno ao signo, propriedade interna do signo, possibilidade de interpretação ainda em abstrato, ainda não- realizada: aquilo que o signo está apto a produzir como efeito numa mente interpretadora qualquer” (Santaella, 1995: 97); 2) interpretante dinâmico = efeito real produzido na mente interpretadora e 3) interpretante final = a palavra “final” denota um limite ideal, porém inatingível na medida em que “o interpretante final é um interpretante in abstracto, fronteira ideal para a qual os interpretantes dinâmicos (interpretantes

in concreto) tendem a caminhar, no longo curso

do tempo” (Santaella, 1995: 100).

O interpretante, “que o signo como tipo geral está destinado a gerar, é também ele um outro signo. Portanto ele também é um tipo geral para o qual é transferido o facho de representação. Sendo um outro signo, o interpretante necessariamente irá gerar um outro signo que funcionará como seu interpretante, e assim ad

infinitum” (Santaella, 1995: 86-7).

Os signos se subdividem em tricotomias segundo suas características. Uma das mais importantes é aquela que classifica os signos conforme sua relação com o objeto; este pode ser: ícone, índice, símbolo. O ícone é um signo de semelhança com o objeto, mas que não depende da sua existência para significar. Mantém uma analogia com o objeto por meio da apropriação de alguma qualidade essencial dele. “Em precisão de discurso, ícones não podem representar nada além de Formas e Sentimentos” (CP 4.544). O índice é o signo que

depende da existência do objeto para significar. Mantém com o objeto uma relação direta, portanto é de fácil interpretação. “Há um relacionamento de causa e efeito, ou uma temporal, local ou física ligação entre o signo e seu objeto” (Nöth, 2000: 18). È um signo que consiste em ser segundo com uma relação muito próxima ao objeto. Assim como na fenomenologia a segundidade implica na primeiridade, um signo indicial pressupõe um icônico. O símbolo é um signo que depende de uma convenção para significar. Seu caráter consiste em ser uma regra que determinará seu interpretante. É uma lei, uma regularidade. Um símbolo só surge a partir de outros símbolos. Seu significado está ligado a um hábito natural ou convencional. É um signo que ao substituir o objeto gera um interpretante tacitamente aceito por um consentimento geral.

O Ícone não tem conexão dinâmica alguma com o objeto que representa; simplesmente acontece que suas qualidades se assemelham às do objeto e excitam sensações análogas na mente para a qual é uma semelhança. Mas, na verdade, não mantém conexão com elas. O índice está fisicamente conectado com seu objeto; formam, ambos, um par orgânico, porém a mente interpretante nada tem a ver com essa conexão, exceto o fato de registrá-la, depois de ser estabelecida. O símbolo está conectado a seu objeto por força da idéia da mente-que-usa-o-símbolo, sem a qual essa conexão não existiria (Peirce, 1999: 73).

Dando seqüência à sua estrutura triádica, Peirce apresenta três níveis distintos de iconicidade: ícone puro, ícone atual, signo

icônico ou hipoícone. Em breve panorama, conforme Santaella (1995: 144-57) e Santaella e Nöth (1997: 59-63), temos que os ícones puros dizem respeito ao ícone como mônada indivisível, meramente possível e mental, “ainda não relativa a nenhum objeto e, conseqüentemente, anterior à geração de qualquer interpretante” (Santaella, 1995: 145).

O ícone atual é relativo ao aspecto diádico do ícone e refere-se às funções que ele adquire frente ao processo perceptivo em dois subníveis: 1) passivo - qualidade de sentimento e revelação perceptiva e 2) ativo - conjunto de qualidades que se juntam como uma só para a percepção; qualidade individual entendida como objeto de outra qualidade individual e hipótese adotada como regra geral (Santaella e Nöth, 1997: 61).

Os signos icônicos ou hipoícones “agem propriamente como signos porque representam algo, sendo, portanto, intrinsecamente triádicos, quer dizer, embora a tríade não seja genuína, pois é governada pela similaridade e relações de comparação” (Santaella e Nöth, 1997: 62). Peirce classificou os hipoícones em três tipos: imagens, diagramas e metáforas.

Hipoícones podem ser, simplificadamente, divididos conforme o modo de Primeiridade do qual partilhem. Aqueles que partilham simples qualidades, ou Primeira Primeiridade, são imagens; aqueles que representam as relações (...) das partes de uma coisa por relações análogas às suas próprias partes, são diagramas; aqueles que representam o caráter representativo de um representamen pela representação de um

paralelismo com alguma outra coisa, são

metáforas (CP 2.277).

O diagrama é caracterizado pela sua similaridade com o objeto, mas enquanto a imagem representa seu objeto por simples qualidades e a metáfora o representa por uma similaridade fundada em alguma outra coisa, o diagrama o representa por um desenho de relações (Stjernfelt, 2000: 358).

O ícone é o único caminho para a expressão de novas idéias (CP 3.433). E o diagrama, enquanto um tipo específico de ícone dedicado a trazer à tona esse potencial criativo, explora o inesperado no interior do código.

No País das Maravilhas, signos icônicos são, às vezes, auxiliares semióticos em meio à desorientação, mas outras vezes funcionam também como surpresa, revelando um potencial até então desconhecido de criatividade. Essa criatividade é explorada com ícones da categoria imagem e da categoria dos diagramas (Nöth, 1995b: 120).

Vejamos algumas definições de diagrama em Peirce:

Ícones são especialmente requisitados para o raciocínio. Um diagrama é, principalmente, um ícone, e um ícone de relações inteligíveis (CP 4.531).

Um diagrama deve ser tão icônico quanto possível; isto é, deve representar relações por meio de relações visíveis análogas a elas (CP 4.433).

Voltando-nos agora para a evidência retórica, é fato comum a existência de representações tais como os ícones. Toda imagem (por mais convencional que seja seu método) é essencialmente uma representação dessa espécie. Também o é todo diagrama, ainda que não haja semelhança sensível alguma entre ele e seu objeto, mas apenas uma analogia entre as relações das partes de cada um (CP 2.279).

Muitos diagramas não se assemelham, de modo algum, com seus objetos quanto à aparência; a semelhança entre eles consiste apenas quanto à relação entre suas partes (CP 2.282).

Um diagrama geométrico ou arranjo de símbolos algébricos é construído de acordo com um preceito abstratamente dado, e entre as partes de cada diagrama ou arranjo certas relações são observadas para obter outras além daquelas que foram expressadas no preceito (CP 2.216).

Eu chamo o signo que representa alguma coisa meramente porque se assemelha a ela, um ícone. Ícones são completamente substituídos por seus objetos tão dificilmente quanto são distinguidos deles. Assim são os diagramas da geometria. Um diagrama, certamente, não obstante tenha uma significação geral, não é um ícone puro; mas no meio do nosso raciocínio nós esquecemos essa abstração em grande parte, e o diagrama é para nós a coisa. Contemplando uma pintura, existe um

momento quando nós perdemos a consciência de que a pintura não é a coisa, a distinção do real e da cópia desaparece, e isso é para o momento um puro sonho - nenhuma existência particular, e ainda nenhuma geral. Nesse momento nós estamos contemplando um ícone (CP 3.362).

Em torno de 1870, Peirce interessou-se pelo pensamento diagramático e seus diagramas lógicos decorrentes. Seus primeiros esforços nesse sentido resultaram no desenvolvimento de um sistema de Grafos Entitativos (entitative

graphs - CP 4.434), semelhantes aos diagramas

químicos - Peirce era também químico (CP 4.419 e Mitauy, 2003: 94-102). O aperfeiçoamento, em 1896, desse sistema (tornado mais icônico) culminou nos chamados Grafos Existenciais (CP 4.359): sistema de diagramas lógicos para “análise do pensamento matemático” (Moraes, 1999: 11). Eis a definição de grafo para Peirce:

Por grafo (uma palavra recentemente elaborada) entendo, em geral, de minha parte, seguindo meus amigos Clifford e Sylvester, os introdutores desse termo, um diagrama composto principalmente por pontos e linhas que ligam alguns dos pontos (CP 4.535).

Os grafos existenciais podem ser subdivididos na seguinte tricotomia: 1) grafos α (correspondem ao cálculo sentencial clássico); 2) grafos β (cálculo de predicados de primeira ordem e 3) grafos γ (sistema de lógica modal) (Moraes, 1999: 12). Atendo-nos aos interesses específicos desta pesquisa, não abordaremos

minuciosamente os grafos existenciais de Peirce.

Diagramas, enquanto signos não-verbais, têm a particularidade de representarem seu objeto analogicamente, por meio de similaridades. A similaridade, qualidade representativa ligada à primeira categoria fenomênica de Peirce, é um raciocínio mais elevado, é um processo consciente no qual as idéias se aproximam por alguma igualdade (variação auto-gerativa), semelhança (variação na diversidade) ou analogia (Jorge, 2004: 126- 30). O signo icônico tenta manter uma analogia com o objeto e para isso pode se apropriar de alguma qualidade essencial dele.

Ao definir o ícone como um signo que se refere ao seu objeto em virtude da similaridade, Stjernfelt nos alerta para os possíveis perigos advindos do conceito de similaridade, quais sejam: a trivial referência à identidade; o psicologismo referindo-se a sentimentos subjetivos de semelhança e a falta de critério para julgar fenômenos como sendo similares (Stjernfelt, 2000: 358).

A similaridade “coloca em realce aquele aspecto criativo, visto que não é a semelhança entre idéias ou fatos que permite a associação, mas é ela, a associação, como controle do raciocínio que produz a semelhança” (Ferrara, 1993: 172). A similaridade pode se dar por semelhança de “qualidade, por justaposição ou por mediação. A primeira delas ocorre quando existe identidade de caracteres qualitativos entre as partes do signo, ou seja, quando as partes, na sua materialidade física e sensível, apresentam qualidades; os paramorfismos, as simetrias e reversibilidades são exemplos característicos deste tipo de associação. Em segundo lugar, apresenta-se a semelhança por

justaposição. Neste caso, apesar dos elementos serem diferentes é a proximidade entre eles que origina a semelhança. O ideograma é um exemplo deste tipo de associação. O terceiro modo - caracterizado pela relação de semelhança por mediação - ocorre quando se produz na mente um terceiro termo que serve para unir os dois estados de consciência. Como exemplos, citam-se as metáforas, tanto verbais quanto visuais” (Plaza e Tavares, 1998: 102).

(...) a distinção que Peirce estabelece entre hipoícones imagéticos e hipoícones diagramáticos é oportuna. Enquanto a imagem está baseada em similaridades aparentes, tais como contornos e formas, a similaridade dos diagramas está baseada em relações abstratas, em processos internos não imediatamente visíveis (Santaella, 2001: 239).

O termo associativo similaridade foi desenvolvido por David Hume (1711-1776) no século XVIII, mas foi Peirce quem identificou a similaridade como uma forma especial de produção de idéias, pela natureza do processo criativo que origina. Não há acidente na reunião de idéias, há uma tendência harmônica, uma afinidade (affection para Peirce - CP 5.287) que se encarrega das associações criativas. Um diagrama é um vir-a-ser, mera possibilidade! “(...) é locus do pensamento e registro de seu próprio acontecimento; ao participar do raciocínio criativo instaura novas relações, ao participar de sua representação estabelece comunicação. O diagrama se notabiliza por ser um sistema de representação flexível, fato resultante do caráter múltiplo do signo diagramático” (Sperling, 2003: 105).

O diagrama é um hipoícone de relações entre suas partes constituintes, relações, essas, que não necessariamente estavam visíveis antes da construção do diagrama. Essa característica encerra o potencial abdutivo desse tipo particular de signo.

O geômetra desenha um diagrama que, se não é exatamente uma ficção é, no mínimo, uma criação e, pela observação desse diagrama, ele está apto a sintetizar e mostrar relações entre elementos que antes pareciam não ter relação necessária. A realidade nos compele a colocar algumas coisas numa relação muito próxima e outras menos, num sentido altamente complexo e de uma maneira ininteligível; mas isso é a genialidade da mente, que pega todos esses sinais de sentido, acrescenta imensamente a eles, os torna precisos e os mostra de uma forma inteligível nas intuições de espaço e tempo (CP 1.383).

O caráter icônico dos diagramas tem, justamente, a função de permitir a revelação de verdades inesperadas, mesmo que não sejam observadas semelhanças explícitas entre o diagrama e seu objeto. Um diagrama nasce de associações, relaciona e integra idéias que já existiam previamente, mas que não eram percebidas, não estavam conectadas, desveladas. Permite visualizar as relações entre as idéias, representando-as em integração, de modo que explicite o que anteriormente não era percebido (Gambarato, 2002a: 173-98 e 2002b: 71-9). “Do caráter de iconicidade de um diagrama depende seu funcionamento, pois ao promover relações análogas ao objeto representado, torna-se (...) meio para o próprio

pensamento” (Sperling, 2003: 195). Peirce resgata Kant (1724-1804) e se inspira em sua doutrina do esquematismo (cf. Stjernfelt, 2000: 362-72) para esclarecer que novas descobertas decorrem de um diagrama, ainda que não tenham sido previstas:

Kant está inteiramente correto ao dizer que (...) o matemático utiliza o que, em geometria, é chamada uma “construção”, ou um diagrama geral, ou um arranjo visual de caracteres ou linhas. Tal construção é formada de acordo com um preceito fornecido pela hipótese. Uma vez formada, a construção é submetida ao escrutínio da observação, e novas relações são descobertas entre as partes não apresentadas no preceito pelo qual ela foi formada (CP 3.560).

A partir daqui ficam evidentes 1) o caráter tácito de todo diagrama; 2) o caráter abdutivo de todo diagrama e 3) o caráter dedutivo de todo diagrama. Parte do nosso conhecimento não pode ser expresso por palavras. Conhecemos e reconhecemos signos muito além do que conseguimos verbalizar, afinal “nós podemos saber mais do que nós podemos dizer” (Polanyi, 1967: 04). A estrutura básica do conhecimento tácito envolve sempre dois termos. Associamos um termo ao outro sem saber exatamente como, mas essa relação entre eles é lógica. Conhecemos o primeiro termo apenas pela correspondência ao segundo em função de nossa consciência.

Todo raciocínio necessário [dedução] é, sem exceção, diagramático. Isto é, nós construímos um ícone a partir do nosso

preceito hipotético [abdução] das coisas e prosseguimos observando-o. Essa observação nos permite suspeitar que alguma coisa é verdadeira, que nós estamos ou não aptos a formular com precisão [conhecimento tácito] e nós prosseguimos questionando se isso é verdadeiro ou não (CP 5.162).

Por se tratar de uma representação visual, os diagramas trazem aos nossos olhos a possibilidade de observar as relações neles contidas. Disso decorre que o diagrama comporta tanto a abdução quanto a dedução. A filosofia peirceana dedica uma porção específica de sua lógica ou semiótica aos estudos desses tipos de raciocínio. A Lógica Crítica se vale dos estudos fornecidos pela Gramática Especulativa de Peirce para investigar as condições mediante as quais os signos são conformados, as relações entre os vários tipos de raciocínio. Ressaltamos que a abdução é uma possibilidade lógica que pode, ou não, ser verdadeira. É o processo de formulação de hipóteses, de novas teorias, sem a estrita preocupação de confirmá-las. Essa confirmação somente será alcançada com a aplicação da etapa dedutiva do raciocínio científico. O argumento dedutivo é aquele necessário. Ibri (1994) destaca o fato de:

(...) o diagrama, como ícone, trazer o objeto representado em uma forma que lhe é

estruturalmente análoga. Exclui-se, para

esta mente observadora, a necessidade recursiva a operações mnemônicas; a presentidade do diagrama permite-lhe uma

contemplação livre de quaisquer

constrições: é este o estado da idealidade

criadora, que irá descobrir novas relações

em que o olho para a exterioridade do diagrama e o olho para a interioridade do imaginário juntam-se na unidade de uma consciência heuristicamente perceptiva. É deste modo que um diagrama dedutivo causa “surpresas” (Ibri, 1994: 128-9).

O caráter abdutivo concernente a esse tipo de representação diagramática é responsável pelo potencial de descoberta e de inovação disponíveis na criação de ícones de relações. No entanto, o potencial heurístico não é restrito apenas à abdução, na medida em que a “dedução extrai conseqüências necessárias da hipótese” (Ibri, 1994: 130). A descoberta decifra, desvenda algo previamente existente.

“Dedução (...) requer uma atuação criativa da mente sobre seus diagramas como modo de desvelamento do que de mundo já estava contido geneticamente na abdução” (Ibri, 1994: 130-1). A dedução é reveladora da abdução.

(...) dedução consiste em construir um ícone ou diagrama de relações cujas partes apresentarão uma completa analogia com aquelas partes do objeto de raciocínio, experimentando sobre essa imagem na imaginação e observando o resultado para descobrir relações não notadas e escondidas entre as partes (CP 3.363).

Stjernfelt ressalta, ademais, as relações de diagramas com símbolos: o diagrama in actu, ou seja, aquele que se torna parte de um processo de inferência, envolve um símbolo do qual ele é um interpretante – o diagrama como o interpretante de um símbolo (Stjernfelt, 2000: 367).

Esse é o ponto crucial para se entender a dupla determinação do diagrama – icônica e simbólica, perceptiva e geral – em Peirce. O diagrama é um ícone, mas um ícone especial na medida em que é governado por um símbolo (Stjernfelt, 2000: 367).

Quanto ao processo de raciocínio diagramático gerador de interpretantes, o autor pondera que diagramas são construídos com uma intenção e essa intenção diagramática inicial é ela mesma um interpretante de um símbolo. “Assim, o processo de raciocínio se inicia com o desenho de um diagrama para exibir a antecedente condição de seu objeto, determinando um ‘interpretante simbólico inicial’” (Stjernfelt, 2000: 371). Um ícone especialmente governado por um símbolo significa um signo explicitando seu interpretante, sua interpretação.

Ainda em Peirce, temos que um diagrama “pode constituir um sistema de representação