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LUTA ANTIRRACISTA E FEMINISTA NA ESCOLA

Conforme expusemos, ainda que a diversidade esteja em evidência, em especial, na educação, ainda estamos muito distantes de proporcionarmos uma educação inclusiva, e não mais oferecer uma prática social negativa, reconhecendo, como afirma bell hooks (2017, p. 58), “[...] o valor de cada voz individual”. Os discursos impregnados com os resquícios da educação tradicional, que influenciou várias gerações e ainda influencia, precisa mudar, já que a educação tradicional tem como um dos seus objetivos a defesa da manutenção de privilégios de determinados grupos em detrimento de outros. De acordo com Gomes (2001), faz-se necessário atentar-se para os saberes privilegiados desde os primórdios do tempo e expor os outros saberes àqueles e àquelas que, ao longo dos séculos, foram excluídos e negados.

Ao longo da nossa formação histórica, marcada pela colonização, pela escravidão e pelo autoritarismo, o imaginário social construído sobre os

negros não foi o mais positivo. Esse imaginário possibilitou a incorporação de teorias raciais repletas de um suposto cientificismo que por muito tempo atestaram a inferioridade das pessoas negras, a degenerescência do mestiço, o ideal do branqueamento, a primitividade da cultura negra e a democracia racial. [...] Esses argumentos e essas concepções racialistas ainda estão presentes na atualidade e continuam exercendo força ideológica não apenas entre a comunidade branca, mas entre parcelas significativas da comunidade negra. Elas não surgiram espontaneamente nem são frutos de meras transposições de pensamento externo. Elas se alimentam e terminam por legitimar o racismo. A superação de tais teorias, hoje, na sociedade brasileira deve, e muito, à luta da comunidade negra no seu cotidiano e nas diferentes formas de organização política. (GOMES, 2001, p. 88).

Possibilitar uma educação multicultural é o sopro de vida que a escola precisa para se tornar mais significativa e amigavél para os alunos e alunas. Para hooks (2017, p. 57), “[...] os alunos estão muito mais dispostos que os professores a abrir mão de sua dependência em relação à educação bancária. Também estão muito mais dispostos a enfrentar o desafio do multiculturalismo”. Atentar-se a essas questões não para atender tão somente as solicitações desses sujeitos, mas também para tornar toda a sociedade cidadã e garantir os direitos de todas(os). A educação multicultural se mostra mais preocupada com a garantia dos direitos à diferença, se comparada com a educação tradicionalista.

Não é preciso esperar que as crianças e os adolescentes estejam totalmente prontos para a mudança, mas, quando se observa a evasão escolar, verifica-se que, dentre outros motivos, ela acontece porque a educação parece não ser significativa para eles. Na verdade, todos “[...] querem um conhecimento significativo” (HOOKS, 2017, p. 33). Silva (2001, p. 66) enfatiza que “[...] é preciso compreeender que a exclusão escolar é o início da exclusão social das crianças negras”. Para bell hooks (2017, p. 36),

Transformar o currículo de tal modo que ele não reforce os sistemas de dominação nem reflita mais nenhuma parcialidade são, em geral, os indivíduos mais dispostos a correr os riscos acarretados pela pedagogia engajada e a fazer de sua prática de ensino um foco de resistência..

Com tais considerações, observa-se que não adianta preparar um currículo escolar contendo conteúdos igualitários, sem também refletir sobre a atuação dos(as) professores(as), sua formação intelectual e “espiritual20” para tratar de questões da educação relacionadas à cidadania de todos(as) os(as) alunos(as). Educadoras e educadores precisam desprender-se principalmente do medo e se propor a falar, ler, estudar, lecionar e vivenciar o diferente em meio às suas práticas. Conforme hooks (2017, p. 52), “[...] é preciso instituir locais de formação

20 O sentido de “espiritual”, empregado aqui, diz respeito a valores, sendo esses muito mais relativos ao campo

onde os professores tenham a oportunidade de expressar seus temores e ao mesmo tempo aprender a criar estratégias para abordar a sala de aula e o currículo multiculturais”. Esse é um processo em que “O corpo docente precisava desaprender o racismo para aprender sobre a colonização e a descolonização e compreender plenamente a necessidade de criar uma experiência democrática de aprendizado das artes liberais” (HOOKS, 2017, p. 55).

A pedagogia crítica ensina que os formadores não podem deixar de continuar a formar a própria consciência crítica, já que é esta consciência que os ajuda a se posicionarem em suas ações, conscientes de que, mesmo quando não se posicionam, provoca-se algum efeito, geralmente negativo, tendo em vista que “[...] nenhuma educação é politicamente neutra” (HOOKS, 2017, p. 53). Ela mostra também que a neutralidade da escola e dos(as) professores(as) gera o silenciamento, negando a existência do racismo e do sexismo. É, portanto, preciso reconhecer francamente as consequências destes fenômenos e trabalhar em prol disto. Como propõem os PCNs, “[...] cidadania se aprende, se ensina e se vive”. Conforme alerta Santos (2001, p. 106), “[...] a escola deve favorecer esta vivência e promover situações de discussão, de diálogo, de questionamento”.

A chamada “Pedagogia crítica feminista”, apresentada, dentre outras, pela autora bell hooks (2017, p. 59-61), propõe o exercício da reflexão pedagógica que considera raça, sexo e classe social em suas análises, mostrando, aos alunos e alunas, a necessidasde de uma visão de totalidade como forma de reconhecer e combater o racismo e o sexismo em todas as suas expressões. Isso significa refletir sobre os hábitos dessa sociedade, uma vez que “Praticamos não só o questionamento das ideias como também o dos hábitos de ser. Por meio desse processo, construímos uma comunidade” (HOOKS, 2017, p. 61).

Para a formulação desta nova comunidade livre de péssimos hábitos de ser, por assim dizer, a desconstrução da categoria “mulher” é essencial, para assim reconstruí-la a partir do viés da inclusão da mulher negra.

De acordo com hooks, a escola precisa deixar o teor de que sua função é apenas compartilhar informações e conhecimentos, mas sim incorporar em sua prática a importância do crescimento espiritual “[...] buscando não somente o conhecimento que está nos livros, mas também o conhecimento acerca de como viver no mundo” (HOOKS, 2017, p. 27). Uma educação sem a pluralidade cultural “[...] limita a formação de pessoas críticas e reflexivas, que respeitem e explorem a riqueza das diferenças, recusando-se a transformá-las em desigualdades” (SILVA, 2001, p. 67). Em uma proposta de educação inclusiva, reconhecer e valorizar as diferenças é também relevante quanto reconhecer as desigualdades que potencializam os privilégios de uns e umas em detrimento dos direitos de outras(os).

3 MENINAS NEGRAS SOB OS OLHARES DE MULHERES NEGRAS

[...] se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. (FREIRE, 2018a, p. 110).