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CARACTERIZAÇÃO DAS PROTAGONISTAS DA PESQUISA

Ao serem convidadas para participar desta pesquisa, com exceção da entrevistada Dandara, todas as mulheres ficaram surpresas com a temática do estudo e também com o convite. A princípio, ficaram receosas se suas histórias poderiam ajudar, se suas experiências trariam significados ao trabalho.

Ao iniciarmos as entrevistas semiestruturadas, quatro entrevistadas se mostraram bastante desconfiadas. Dandara, porém, estava tranquila e bem confiante. Ao longo dos depoimentos, os diálogos tornaram-se mais tranquilos e fluindo em torno de suas histórias, relatos e experiências dessa fase de suas vidas.

Tanto a pesquisadora quanto as próprias mulheres entrevistadas puderam perceber a relação dolorida e ainda tão viva de suas memórias com a escola. Um exemplo disso pode ser visto no depoimento de Dandara, quando expõe a crueldade de ser uma menina negra numa escola privada: “É um ambiente de vida ou morte, literalmente, porque ou ela faz muito bem para você, ou ela mata qualquer desejo seu de continuar lá”. Também é o caso de Luisa Mahin, que relata a sua experiência escolar na rede pública:

Na escola, eu não tive ajuda nenhuma, muito pelo contrário, na escola o preconceito, na época que eu estudei, ele era explícito e ninguém fazia nada a respeito, porque as falas eram: “Ah, era brincadeira”, “Ah, ele não entende”, “Ah, não, preconceito, claro que não, é uma criança, ele nem sabe o que é”. Mas a gente percebia que o preconceito já vinha dentro dos lares, dos pais, e cada um aprendia de uma maneira e na escola eles expressavam o que eles estavam aprendendo em casa.

Por essa relação tão dolorosa com a escola e os demais alunos e alunas que lá frequentavam, percebe-se que a maioria das entrevistadas desenvolveram uma identidade artificial ou sublimada, por conta da opressão sofrida, dentro deste ambiente tão violento, em certo ponto, fazendo “[...] perpetuarmos na escola a desumana distinção entre quem merece brincar e sonhar e quem nasceu para assegurar o círculo infernal de exclusão e miséria” (MAFRA; SANTOS; SANTOS, 2017, p. 150). Como relata a entrevistada Carolina Maria de Jesus,

E na escola, [...] eu nunca tive nenhum exemplo, nunca tive nada, nenhum conteúdo relacionado a esse tema, a você se aceitar do jeito que você é, se aceitar do jeito que você nasceu, a cor da sua pele, ou o tipo do seu cabelo, todas essas diferenças que existem, eu nunca vivi na escola, e não foi falado assim para gente “Olha, isso é assim, tem pessoas que são diferentes”. Quando questionada se houve dificuldades durante a educação básica, por ser uma

menina negra, Lélia Gonzalez disse: “Olha, mais tarde sim, antes da universidade não”. No depoimento, esta entrevistada afirma que não sofreu influência negativa na escola, em razão de um contexto específico:

Porque na educação básica eu estudei em uma escola que trabalhavam minha mãe, minhas tias, as amigas da minha mãe – que eu chamava de tia – eram mulheres negras [...]. Então tudo fez com que a minha adaptação no mundo escolar fosse muito facilitada, por essa presença da família no mundo escolar. [...] Eu me reconhecia [...]. Então viver essas questões da escolaridade de criança e de menina eu nunca tive problema, porque vivi nesta situação. (LÉLIA GONZALEZ).

Assim, Tereza de Benguela, ao ser questionada desde quando se sente empoderada, responde: “Toda a minha vida, sempre. Porque eu fui criada assim, e eu entendo quem eu sou, como eu sou, e não deixo que isso faça diferença entre mim, e as outras pessoas”.

Mais uma vez a rede de apoio/proteção vem demonstrando mais uma de suas funcionalidades. Assim como tornar-se negro é um ato ideológico, entender a relevância dos marcadores sociais como um processo de luta política é fundamental, já que a escola comumente ignora o direito de alguns e algumas em detrimento dos direitos de outros e outras.

A escola continua sendo o maior aparelho reprodutor da sociedade, garantindo as relações de poder e o status quo, instituindo as diferenças e fazendo-as tornarem-se desigualdades. Uma vez que “[...] a conscientização põe em discussão este status quo, ameaça, então, a liberdade” (FREIRE, 2018b, p. 33, grifo do autor). Ao prestar tamanho desserviço, permite-se a doutrinação de nossos corpos e mentes. Sobre isso, quando indagada se a vida escolar como menina negra foi difícil, a participante intitulada com o pseudônimo Luisa Mahin afirma que foi difícil sim e complementa:

[...] ser negra em si não era considerado bonito. E por conta disso, eu não me considerava uma pessoa bonita, porque eu sempre achava que eu poderia ficar “mais” bonita se eu tivesse um cabelo liso e comprido. Eu seria mais bonita, se eu não fosse tão negra, porque eu sou negra com a pele mais escura, porque tem negras com a pele mais clara.

A noção de empoderamento mostra que se ela tivesse tido representatividade positiva neste meio, como a nossa outra participante, Lélia Gonzalez, este ciclo teria sido mais ameno para Luisa Mahin e também para Carolina Maria de Jesus, quando ela diz: “[...] eu acho que se eu tivesse tido essas informações naquela época, com certeza eu teria me expressado diferente, vivido diferente, teria sido tudo diferente”. Certamente mais proveitoso, contribuindo positivamente na sua formação não só conteudista, mas também identitária. O racismo marca os corpos negros, fazendo com que a discriminação racial seja constante e frequente. Na escola,

pelo menos nesse período das entrevistadas, parece que isso acontece indiscriminadamente. Assim revela Luisa Mahin:

[...] eu tive uma vida difícil na escola, só que era tudo muito por dentro de mim [...] eu tinha que me manter firme, me posicionar firme, para que as pessoas não tivessem mais preconceito do que elas já tinham. Então tinham apelidos sim, e chamavam a gente de macaca, e falavam do cabelo [...]. Ao afirmar “era tudo muito por dentro de mim”, Luisa Mahin revela que essa forma de opressão produz um silenciamento que impacta a vida inteira destas pessoas que sofreram com a discriminação dentro das escolas. O grande desafio da vida será, então, livrar-se da dinâmica opressora do discurso admitido e do discurso oculto. Partir de concepções e práticas que considerem o meio escolar plural, sem deixar qualquer aluna ou aluno de fora, pode transformar a realidade dos(as) educandos(as), por meio do diálogo e da escuta, proporcionar a voz para aqueles e aquelas que foram silenciados(as). É o que mostra Dandara neste depoimento:

[...] todos os dias eu pedia para não ter que voltar. E quando eu fui para o ensino médio, o magistério, e aí que eu passei a fazer uma outra leitura [...] e eu tive uma professora que me viu, no meio daquela população toda. Porque era magistério, escola pública, você tinha uma certa liberdade. Eu acho que a escola pública por mais louca que seja, e ela é, muito pirada, vida louca total, ela tinha outra vibe. E aquela professora me viu no meio daquele povo todo ali, e ela me incentivava, lia meus textos, professora de literatura né, compartilhava os momentos comigo, ela me elogiava. Eu nunca tinha tido isso.

Freire (2018a, p. 43) alerta para a relevância dos pequenos atos educativos ou deseducativos do cotidiano escolar: “Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à assunção do educando por si mesmo”.

Na visão de Louro (1997, p. 115), para uma educação progressista, é preciso que se “[...] inscrevam as pedagogias feministas na perspectiva das pedagogias emancipatórias, que pretendem a ‘conscientização’, a ‘libertação’, ou a ‘transformação’ dos sujeitos e da sociedade”.