• Nenhum resultado encontrado

CAMPO EMPÍRICO E PROCEDIMENTOS DE COLETA

Como exposto, o objeto de estudo deste trabalho consiste em examinar o processo de construção da identidade das meninas negras no cotidiano escolar da educação básica.

Considera-se que esta pesquisa, a partir de suas reflexões sobre a identidade étnico- racial e de gênero, poderá trazer contribuições para as discussões sobre as estratégias à implementação das políticas públicas para a autoafirmação das meninas negras, inseridas nas escolas brasileiras, mediante a ressignificação das práticas pedagógicas na educação básica. Pesquisa recente (GOES, 2017) mostra que o currículo de escolas de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio ainda está longe de cumprir a modificação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) que prevê o estudo da história e da cultura da África e dos afro-brasileiros, a fim de reconhecer o patrimônio cultural, proporcionado pelos sequestrados da diáspora africana e seus descendentes no Brasil. Em outras palavras, as diretrizes da Lei nº 10.639/03, ainda hoje, não fazem parte da prática cotidiana das escolas. Este trabalho coloca- se, então, nessa direção de promover as discussões sobre a diversidade humana, por meio de conhecimentos e reflexões, quanto às relações sociais e raciais e, assim, contribuir para o desenvolvimento das identidades das crianças negras e brancas.

Adotamos a abordagem qualitativa neste estudo, e empregamos, como método de coleta de dados, a entrevista semiestruturada. Como não dispomos do intento de quantificar ou padronizar dados, já que nos baseamos em experiências e este campo é abstrato e subjetivo, optamos pela abordagem qualitativa, a fim de compreender as situações diversas que incidem no meio escolar em relação às identidades étnico-raciais e de gênero. Entendemos o método qualitativo de uma forma que “[...] implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais, que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível” (CHIZZOTTI, 200321, p. 221 apud SANTOS, 2016, p. 34).

Selecionamos como instrumento de coleta de dados a entrevista semiestruturada, por se

21 CHIZZOTTI, Antonio. A pesquisa qualitativa em Ciências Humanas e Sociais: Evoluções e Desafios. Revista

Portuguesa de Educação, v. 16, n. 2, p. 221-236, 2003. Disponível em:

tratar de uma ação discursiva, uma conversação pontuada em um certo assunto, e por ser uma técnica flexível, que possibilita uma maior coleta de informações. Por meio desta ação, obtém- se as opiniões, as narrativas livres e, ao mesmo tempo, as representações detalhadas das entrevistadas.

Além do material bibliográfico (teses, dissertações, artigos e livros), o universo empírico constituiu-se de um conjunto de entrevistas realizadas com cinco mulheres. O critério de escolha dos perfis das mulheres teve como propósito buscar uma amostragem socialmente heterogênea, considerando a formação escolar, a profissão e a idade. Assim, chegou-se ao seguinte perfil de entrevistadas: a) intelectual: professora, 44 anos, doutora em educação e pesquisadora que trabalha na Rede Municipal de Educação de São Paulo. Para fins de anonimato, a entrevistada identifica-se nesta pesquisa pelo pseudônimo22 de Dandara; b) militante: mulher de 57 anos, professora do ensino superior particular, renomeada pelo pseudônimo de Lélia Gonzalez; c) comum: mulher de 26 anos, inspetora de alunos em um Centro de Educação Infantil do município de Mairiporã, identificada pelo pseudônimo de Luisa Mahin; d) recém-graduada: mulher de 30 anos, graduada no ensino superior, designada com o pseudônimo de Carolina Maria de Jesus e d) maior idade: mulher de 71 anos com formação no ensino fundamental I, chamada nesta pesquisa por Tereza de Benguela.

Quatro entrevistadas residem na cidade de São Paulo e uma reside no município de Mairiporã. A elas foram expostos os procedimentos e os objetivos da pesquisa, combinando-se os espaços consensualmente, para realização das entrevistas em suas casas ou no trabalho, sempre mediadas pela pesquisadora. As entrevistas foram realizadas individualmente. Como

22 Com o propósito de garantir o anonimato, substituímos os nomes das entrevistadas por mulheres que

expressaram grande protagonismo na afirmação e na luta das causas negras. Dandara foi uma líder contra o sistema escravocrata do século XVII, uma mulher que caçava, lutava capoeira, empunhava armas, e liderava o exército palmarino. Através de relatos, entende-se que Dandara nasceu no Brasil e cresceu no Quilombo dos Palmares, onde casou-se com Zumbi, com quem teve três filhos. Lélia Gonzalez (1935-1994) foi uma professora acadêmica, historiadora, filósofa e pioneira do movimento do feminismo negro no Brasil. Em seu tempo, ela denunciava o racismo e o sexismo que estabelecia a inferiorização da mulher negra na sociedade. Luiza Mahin, nascida no início do século XIX, foi uma das líderes de uma das maiores revoltas escravas do Brasil – o Levante dos Malês – participou também de diversas outras revoltas em Salvador nos anos de 1830. Mahin é um referencial de luta, assim como foi mãe do poeta e abolicionista Luiz Gama, outra figura de grande importância para o Movimento Negro. Carolina Maria de Jesus nascida em Sacramento (MG), em 1914, mudou para a capital paulista em 1947, estudou muito pouco. Carolina foi cozinheira, empregada doméstica. Passou fome, foi moradora de uma das primeiras favelas de São Paulo na década de 1950, chefa de sua família, sustentada com o seu trabalho de coletora de material reciclável. Nas horas livres, registrava o cotidiano da comunidade, em forma de contos, poesias e romances, tornando-se uma grande escritora. Tereza de Benguela foi um símbolo para mulheres negras. Conhecida como “Rainha Tereza”, viveu no Vale do Guaporé, no Mato Grosso, onde passou a liderar o Quilombo do Quariterê após a morte de seu companheiro José Piolho, morto por soldados do governo. Conforme documentos datados daquela época, este Quilombo abrigava mais de 100 pessoas. O lugar resistiu de 1730 até o final do século. Tereza foi capturada e morta em 1770, também por soldados das tropas oficiais do estado.

exposto, com o intuito de manter o anonimato, as referidas mulheres, neste estudo, tiveram seus nomes preservados e alterados, sendo identificadas por nomes de mulheres negras importantes na história brasileira. A coleta destes dados ocorreu durante o primeiro semestre do ano de 2018, na cidade de São Paulo.

Combinou-se, entre as partes, que as entrevistas seriam realizadas por meio de questões enviadas antecipadamente, indicando-se que os diálogos seriam realizados em torno dos seguintes temas: a) autodeclaração étnica; b) empoderamento feminino; c) negritude feminina e escola; d) experiência identitária na escola; e) condição da mulher negra brasileira; f) traços étnicos; g) autoestima na escola; h) representações e representatividades negras na escola; i) silenciamento escolar; j) trajetória escolar; k) contribuição da escola na formação e l) intervenção contra o racismo.

As entrevistas foram gravadas por um dispositivo telefone celular. Variando-se o tempo de acordo com cada entrevistada, as seções tiveram durações entre 30 e 60 minutos. Posteriormente, preservando-se o anonimato, conforme explicado, as entrevistas foram transcritas pela própria pesquisadora. Os critérios desta escolha tiveram como intuito recolher informações, com olhares de perfis variados, sobre as práticas escolares que contribuíram ou obstaculizaram o processo de construção de suas identidades étnico-raciais, de suas condições de meninas e, posteriormente, de mulheres negras.

Vale ressaltar que, inicialmente, propusemo-nos a realizar esta pesquisa com meninas negras matriculadas em uma escola, considerando os anos iniciais do ensino fundamental. Mas, como não obtivemos autorização/aprovação junto à direção escolar, pais e responsáveis das crianças e do órgão responsável pelas unidades educacionais da cidade, a Secretaria Municipal de Educação (SME), optamos por realizar a coleta de informações com mulheres negras adultas, a partir de seus relatos e experiências de quando as mesmas eram meninas, no período de frequência escolar.

O propósito geral desta abordagem metodológica foi o de entender quais as implicações de ser uma menina negra dentro da escola, onde o fenótipo branco é predominante no currículo, nas práticas pedagógicas e nas relações que lá acontecem. Para tanto, considera-se que o problema do racismo estrutural e as interações sociais têm consequências diretas sobre a menina negra no ambiente escolar, razão pela qual, também, estes fenômenos foram contextualizados neste trabalho.