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1.8 Da cultura das mídias à cultura digital – A visibilidade, o exclusivo e os

1.9.4 Antropofagia (impura), em que imagens devoram corpos

Sobre a antropofagia (impura), detectamos a necessidade cotidiana que os corpos encontram na pós-modernidade em se fazer visíveis. Segundo Baitello (2005, p. 97),

[...] Alimentar-se de imagens significa alimentar imagens, conferindo-lhes substância, emprestando-lhes corpos. Significa entrar dentro delas e transformar-se em personagem (recorde-se aqui a origem da palavra ‘persona’ como ‘máscara de teatro’). Ao contrário de uma apropriação, trata- se aqui de uma expropriação de si mesmo.

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Nesse sentido, o autor lembra do caso do fotógrafo Bill Biggart, morto sob os escombros das torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Na ocasião, o fotógrafo não resistiu à tentação suicida de entrar na imagem.

Porém, pensando no aspecto do corpo que sente a necessidade rotineira de ser emprestado para entrar na imagem e, dessa forma, se fazer visível, as comunidades virtuais ou sites de relacionamento parecem contribuir para o crescimento dessa antropofagia impura. Desde que foram criados, uma das mais fortes características desses sistemas é a possibilidade de se expor, ver e principalmente ser visto. Surge para o deleite da grande maioria dos internautas participantes a chance de reproduzir o modelo já conhecido há muitas décadas nas revistas femininas: a obrigatoriedade da felicidade. Nesses sites, não entram imagens de pessoas tristes. Quando muito, se há a tristeza autorretratada nas imagens, são tristezas pretenciosamente estetizadas, na tentativa de se aproximar de um editorial de moda ou um ensaio profissional para qualquer outra finalidade midiática, por exemplo. Autorretratar-se se tornou uma tendência, principalmente entre os mais jovens que frequentam essas redes, um boom de autoimagens que surgem e se pulverizam de forma altamente supérflua e transitória. Nessas imagens-corpos que insistem em serem vistos, o gestual tenta reproduzir o que há de mais belo em suas pessoas-modelos.

A realidade, nua e crua, interessa pouco e atrai menos ainda. Sorriso no espelho de casa, a melhor roupa, o corte de cabelo mais interessante, os melhores momentos da festa e dos encontros que só podem provar o quanto o sujeito é amável, querido e desejado por todos do seu meio. Trata-se da mimese da publicidade. Provar que o sonho que se sonha através do consumo ou de “ter” é não só possível, mas altamente benéfico para quem insiste na busca dos ideais mais aceitos esteticamentes, principalmente pela publicidade. Vale também o sacrifício do corpo surrado na academia, a aquisição de uma nova máquina fotográfica que seja capaz de corrigir certas imperfeições. Vale manipular a fotografia com cores ou sombras, vale aderir a uma nova comunidade que seja possível lhe colocar em destaque, mesmo que o corpo emprestado para a imagem seja apenas por alguns segundos a mais. Vale tudo para entrar na imagem e exercer o narcisismo. Nesse aspecto, analisa Lipovetsky (1988, p. 59-60):

[...] Não devemos omitir que em simultâneo com a função de personificação, o narcisismo realiza uma missão de normalização do corpo: o interesse febril que temos pelo corpo não é de modo algum espontâneo e “livre”, obedece a imperativos sociais [...].

O narcisismo joga e ganha em todos os tabuleiros, funcionando ao mesmo tempo como operador de desestandartização e estandartização, sem que esta última funcione jamais como tal, mas como sujeição às exigências mínimas dapersonalização: a normalização pós-moderna apresenta-se sempre como único meiodo indivíduo ser realmente ele próprio, jovem, esbelto, dinâmico.

O processo de se personificar na era pós-moderna apontado por Lipovetsky já não é mais uma conduta apenas da vida cotidiana “real”. As redes sociais encontraram também nas necessidades do sujeito solitário contemporâneo a razão para o investimento em novidades no setor, capazes supostamente de “suprir” essa carência, principalmente com a pretensa ideia de notoriedade através de uma crença na visibilidade.

CAPÍTULO SEGUNDO

A CULTURA DO OUVIRSENSIBILIZANDO A AUDIÇÃO NA PÓS- MODERNIDADE: UMA BRECHA PARA A EDUCAÇÃO

Vou lhe contar um segredo. Algo que notei vendo os músicos tocarem. Eles fecham os olhos. Sabe por quê? Para sentir a música mais intensamente. Pois a música se transforma, te torna maior, as notas ficam mais intensas. Como se a música fosse uma sensação física. Você tem cinco sentidos. Por que usar só um deles?

Trecho do filme Vermelho como o céu

Após a argumentação no primeiro capítulo desta pesquisa feita sobre a crise da visualidade em nossos dias, no presente capítulo buscamos propor a cultura do ouvir no ambiente escolar como uma brecha para a educação. Dessa forma, introduzimos essa parte do estudo abordando o filme italiano Vermelho como o céu, baseado em fatos verídicos. Nele, dois pontos são importantes: o protagonista – deficiente visual

encontra nos sons uma rica oportunidade de ler e representar o mundo em que se insere e; como as escolas mais tradicionais, em alguns casos, censuram os processos mais criativos.

Em seguida, falaremos sobre as questões do silêncio em nossos dias, o apelo ao silêncio, seu preenchimento nos mais diversos espaços e os excessos de ruído. Após isso, conceituamos a cultura do ouvir e atrelamos o emprego que se faz necessário dessa teoria à sala de aula. Dessa forma, a relação entre professores e alunos com foco no diálogo e na audição serão os motes deste trecho da pesquisa.

Como também acreditamos que o emprego da cultura do ouvir na escola pode ser mais eficaz se pensamos não apenas as relações interpessoais, mas (re)pensarmos também o espaço físico no qual ela se encontra, o capítulo terminará assinalando algumas importantes sugestões de investimento nesse processo.

2.1 Vermelho como o céu: uma fascinante e criativa leitura do mundo através do