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Jean Baudrillard (1929 – 2007) também coloca no cerne dos seus debates a questão do estético, mas o recorte que é feito envolve os signos, teoria que ganha força e corpo teórico com o ápice das culturas de massa. O sociólogo e filósofo francês sugere uma substituição que é irreversível em nosso tempo.

Esse pensador se aproxima dos argumentos centrais desta pesquisa no que tange à pós- modernidade e introduz o que parece ser a principal matriz do seu pensamento para esse período no livro Simulacros e Simulações, escrito em 1981 e traduzido para o português em 1991.

Para Baudrillard (1991, p. 8-9) o sujeito pós-moderno lida mais com signos do que com o real. Vem daí a teoria do hiper-real, que “[...] é agora o mapa que precede o território. [...] Trata-se de uma substituição no real dos signos do real, isto é, de uma operação de dissuasão de todo o processo real pelo seu duplo operatório [...] O real nunca mais terá oportunidade de se produzir”.

Krishan Kumar (2006, p. 161), ao analisar o pensamento de Baudrillard, nesse sentido, argumenta:

[...] Na situação que Jean Baudrillard chama de ‘êxtase da comunicação’, o mundo, nosso mundo, torna-se puramente um mundo de ‘simulação’, ‘a geração, através de modelos, de um real sem origem ou realidade: um hiper- real’. Na hiper-realidade não é mais possível distinguir o imaginário do real, nem o signo do seu referente, e ainda menos o falso. O mundo da simulação é um mundo de simulacros, de imagens. Mas, ao contrário das imagens convencionais, os simulacros são cópias que não têm originais ou de originais que foram perdidos. São imagens ‘assassinas do real’, assassinas de seu próprio modelo.

Nesse sentido, e em se tratando de se fabricar o falso absoluto, Las Vegas25 é possivelmente o lugar mais emblemático para a compreensão da teoria de Baudrillard. Essa metrópole está situada no deserto de Mohave, próxima ao sul do Estado de Nevada, nos EUA. A cidade é famosa pelos seus cassinos e hotéis luxuosos, além de ser conhecida como a metrópole do entretenimento no mundo. Astronautas já fotografaram a noite de Las Vegas vista do espaço, onde se vê um contraste do deserto com a concentração de luzes dos hotéis, cassinos e casas de shows, entre outros entretenimentos da cidade.

O que chama a atenção em Las Vegas são as simulações que, no início da construção da cidade, consistiam apenas em provocação e crítica à austeridade modernista. A réplica de uma pirâmide convive num caos harmônico26 com outras réplicas como, os edifícios de Nova York, uma montanha russa em meio aos prédios e a torre Eiffel, por exemplo.

Para Kumar, (ibidem, p. 162) trata-se de uma bricolage de estilos e objetos tirados de todos os países e de todas as histórias. É espetáculo, pastiche e fascinação. Só poderia haver estranhamento em visitantes mais velhos, que assumissem uma atitude crítica em meio ao entretenimento, situação nem sempre provável de ocorrer. Ao contrário, supomos que os jovens podem sentir o gozo efêmero do olhar, do diferente, dos inputs de cores e sensações.

25 Umberto Eco também considera a Disneylândia como um modelo do hiper-real, sendo mencionada na

bibliografia de Kumar.

26 Para o antropólogo da comunicação, Massimo Canevacci (2001,

p. 90), “a comunicação visual não se apresenta linear, mas como artifício composto por misturas contínuas, trocas e interfaces de visões, associações e abstrações [...] Porém, sua ordem é caótica”.

No entanto, não é necessário estar em Las Vegas para se tomar contato com o hiper-real. Ele está nas capas de revistas femininas que proclamam a obrigatoriedade da felicidade através do corpo, da maquiagem, do astral, da moda, tudo perfeito e mais interessante que o real. Também as capas das revistas masculinas suscitam um mundo irreal nas mulheres e nos homens.

Os modelos femininos que estampam a capa das revistas raramente se aproximam do real da mulher contemporânea. Em outras palavras, desaparecem as estrias e celulites, quadris e seios são ressaltados e iluminados. Só por vezes, equivocadamente, por erro ou “defeito” de edição, um detalhe do corpo esteticamente indesejável pode aparecer. A mulher27 é representada de forma a atender certos padrões de consumo. A televisão, as revistas femininas e a publicidade insistem em manter a mesma linha: a mulher muito produzida e altamente sexy, que não é a mulher de verdade que está trabalhando e estudando no dia a dia.

Nas calçadas ou nas praças de alimentação de shoppings centers, os cartazes que convidam para refeições oferecem um cardápio visual hiper-real. Não são apenas lanches ou pratos maiores, mas trata-se quase sempre de objetos ou pratos fotografados em estúdios e que passam por um rigoroso sistema de edição fotográfica, fazendo o pão mais atrativo, o verde interno tornar a verdura hiper-real e os molhos tentadores. Para Baudrillard, trata-se de publicidade absoluta (1991, p. 113):

[...] O que estamos a viver é a absorção de todos os modos de expressão virtuais no da publicidade. Todas as formas culturais originais, todas as linguagens determinadas absorvem-se neste porque não tem profundidade, é instantâneo e instantaneamente esquecido. [...] Todas as formas atuais de atividade tendem para a publicidade, e na sua maior parte esgotam-se aí.

A mesma publicidade que invade as ruas, nesse aspecto é também lembrada por Baudrillard (ibidem, p. 119) em relação à Las Vegas:

27 BUITONI, Dulcília Schroeder. Mulher de papel: a representação da mulher pela imprensa feminina

[...] Basta ver Las Vegas, a cidade publicitária absoluta [...] Quando se vê Las Vegas surgir toda ela do deserto pela radiação publicitária ao cair da noite, e regressar ao deserto quando o dia nasce, vê-se que a publicidade não é o que alegra ou decora as paredes, ela é o que apaga as paredes, apaga as ruas, as fachadas e toda a arquitetura, apaga todo o suporte e toda a profundidade, e que é esta liquidação, esta reabsorção de tudo à superfície (pouco importam os signos que aí circulam) que nos mergulha nesta euforia estupefata, hiper- real, que já não trocaríamos por nenhuma outra coisa, e que é a forma vazia e sem apelo da sedução.

Em outras palavras, as linguagens e as estratégias da publicidade não dispõem mais de um território único. Ao contrário, elas preenchem o cotidiano hiper-realizado, sem nos darmos conta dos crescentes espaços nos quais ela – é nós – circulamos sob seus mais variados signos, bombardeados de estímulos visuais.