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O mote central do documentário é a guerra do Timor Leste, país que em 7 de dezembro de 1975 foi invadido pela Indonésia, pela qual foi ocupado durante os 24 anos seguintes. Ao comentar sobre a sociedade histórica, Morin (2007, p. 203) entende que o destino histórico não era inerente à humanidade, mas essa viveu dezenas de milênios sem história. Para ele, “a história entra em movimento com o desenvolvimento dos Estados, avalancha de violências e de guerras que provocam a edificação, a grandeza e o desabamento das cidades e dos impérios. A história é, primeiro, o crescimento, a multiplicação e a luta de morte entre os Estados.”

Nossa intenção era saber qual a consciência, noção ou conhecimento sobre a guerra tinham esses alunos:

Edu - O que vocês pensam sobre a guerra? Márcia– Destruição.

Edu – Destruição?

Gustavo – Cada um defendendo o seu lado. Alice – Ganância.

Professora – Poder. Edu – Poder?

Sala – (Afirma com a cabeça) Henrique – Dominação. Edu – E a guerra é necessária?

Embora Edgar Morin não nos fale em “necessidade de guerra”, ele nos mostra as faces contraditórias a partir da história:

[...] O degelo histórico libera as potencialidades destrutivas do homo sapiens-

demens. A partir daí, a história opõe e liga, sem interrupção, duas faces

contrárias: civilização e barbárie, construções e devastações, gênese e aniquilamentos. [...] A história nasce da guerra e alimenta a guerra. Esta, como mostrou Gaston Bouthoul, é endêmica. Num mundo em que tudo se

decide pela guerra, as necessidades de defesa e de sobrevivência lavam à guerra. (ibidem, p.203-4) [grifos meus]

As respostas dos alunos parecem convergir com o que nos diz Morin, especialmente as respostas da aluna Mara e do aluno Henrique:

Edu – Alguém acha que a guerra é necessária?

Mara – Às vezes sim, porque se um país vem querer fazer guerra com outro

e outro vai ter que fazer guerra também. É lógico, às vezes um (país) tá certo

e outro tá errado. Por isso que é sim e não.

Edu – Vocês se imaginam numa guerra igual ao do Timor? Sala – (Alguns dizem sim e outros dizem não).

Renan – Só quando eu jogo videogame.

Gustavo – Seria emocionante a minha vida.. Um mercenário correndo atrás de mim com uma “catana” na mão. Não seria muito bom.

Edu – No videogame isso é legal? Gustavo e outros – Não. Isso não é legal.

Henrique – Eu sei que no videogame eu não vou morrer, mas eu me imagino numa guerra, sim. Gosto não só de guerra, mas de exército.

Edu – E ela é necessária?

Henrique – Depende de com quem você está lidando. Se você faz parceria

com algum país você não precisa da guerra, mas se o país não aceita, você precisa da guerra.

Matheus – Carregando uma “Falcon” na mão até pode ser. Edu – O que é uma “Falcon”?

Matheus – É um fuzil das forças armadas. Henrique – Pra sair atirando em todo mundo.

A arma “Falcon”, comentada por Matheus e “sair atirando em todo mundo”, revelado na fala do aluno Henrique, refletem também um imaginário de necessidades de defesa e em sobrevivência.

Quando perguntamos se esses alunos conseguiam se imaginar em uma guerra, implicitamente falamos de um acontecimento que é imprevisto e muitas vezes inesperado por todos nós. Cabe-nos, no entanto, como educadores, proporcionar uma reflexão sobre as incertezas, mesmo que seja provocando as falas desses alunos e ouvindo suas opiniões. Quem imaginou em mais de duas décadas a dimensão da guerra no Timor Leste? Quem pensaria na guerra do Golfo em 1989? Quem pensaria nos ataques aéreos de março de 1999 sobre a Sérvia? Quem pensaria no ataque às torres gêmeas na cidade de Nova York em 11 de setembro de 2001? Nesse aspecto Morin comenta (ibidem, p. 206):

O acontecimento é inesperado, imprevisto, novo [...] Acontecimentos de todas as ordens explodem dentro dos Estados, como os complôs que derrubam poderes, os assassinatos de reis, as rebeliões militares ou civis, as revoluções; os acontecimentos multiplicam-se nas relações entre os Estados, que oscilam entre alianças, rupturas e conflitos; as guerras são as consequênciasde acontecimentos maiores, férteis em surpresas, acasos, golpes de gênio, golpes da sorte. O acontecimento é improvável [...]

Morin sugere que devemos ensinar a enfrentar as incertezas. No entanto, no espaço de aproximadamente três horas que estivemos com esses alunos, nos ativemos a ouvi-los e fazer com que as ideias que saíssem dessa audição pudessem coletivamente contribuir para o conhecimento dos pontos de vista diversos dos próprios presentes. Como já afirmamos, são vários os benefícios da audição. Cremos, porém, que a participação de mais professores nesse dia contribuiria em trazer aos alunos uma nova consciência acerca dos temas que estávamos tratando. Nesse caso, porém, a audição voltaria a ser

dos alunos, com o fala do professor que pontuaria sobre as incertezas. Segundo Morin em Os Sete Saberes para a Educação do Futuro (2002, p. 90):

Uma nova consciência começa a emergir: o homem, confrontado por todos os lados pelas incertezas, é arrastado para uma nova aventura. É necessário aprender a enfrentar a incerteza, porque vivemos uma época em modificação onde os valores são ambivalentes, onde tudo está ligado. É por isso que a educação do futuro deve voltar às incertezas ligadas ao conhecimento [...]

É em razão do que nos fala Morin, que vemos a necessidade de tentar situar os alunos frente ao desconhecido, processo esse que decorre de fatores altamente complexos, porém ainda sem respostas:

[...] Tantos problemas dramaticamente ligados fazem pensar que o mundo não está apenas em crise, está neste estado violento onde se enfrentam as forças de morte e as forças de vida, que se pode chamar de agonia. Se bem que solidários, os humanos continuam inimigos uns dos outros, e a explosão de ódios de raça, religião, ideologia, arrasta sempre guerras, massacres, torturas, ódios, desprezo. [...] Não sabemos ainda se apenas se trata da agonia de um mundo velho, que anuncia um novo nascimento, ou de uma agonia mortal. Uma nova consciência começa a emergir: a humanidade é levada para uma aventura desconhecida. (idem, 2009, p. 91)

Muito embora esses jovens não tenham vivenciado uma guerra como a do Timor Leste, sabe-se que o Brasil há muito vem sofrendo cotidianamente o processo de uma violência desenfreada. Em seus mais diversos contornos, a violência é também um fenômeno histórico na constituição da sociedade brasileira. A escravidão, tanto dos índios quanto da mão de obra africana, as colonizações mercantilistas e o autoritarismo burocrático contribuíram enormemente para seu aumento através da história de nosso país. Além desses, outros fatores sociais como a urbanização acelerada, que trouxe um grande fluxo de pessoas para as áreas urbanas, também colaboram para uma violência com fortes aspirações para o consumo, ausência de trabalho e exclusão.

Diariamente, os meios de comunicação veiculam e vivem de vender notícias que recursivamente geram a própria violência desregrada. O Estado, por sua vez, vem mostrando incapacidade de enfrentar essa calamidade que atinge a todos: crianças, idosos, homens, mulheres e famílias que não escapam dessa agonia que se instalou. Mesmo não vivenciando uma guerra nos moldes ocorridos no Timor Leste, as sensações de insegurança, medo e fragilidade são algumas das conhecidas por esses alunos que, além de assistirem a todas essas atrocidades pela mídia, muitas vezes são reféns ou parentes dessas vítimas. É o que nos declarou a aluna Alessandra, que presenciou o assassinato de seu pai. O relato dessa aluna, no entanto, será visto posteriormente em nosso estudo, quando tratarmos sobre a ética do perdão em relação à guerra.

4.6 As falas sobre a morte na percepção dos alunos ouvintes do documentário