• Nenhum resultado encontrado

A RESPOSTA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS UMA PROPOSTA SISTEMÁTICA

1. O Altíssimo me revelou: uma vida evangélica

2.2 Antropologia Cristológica

A noção de «Homem» nos escritos do Santo de Assis é uma noção de forte pendor bíblico e neo-testamentário. Segundo escreve G. Iammarrone:

«… o homem franciscano tem uma orientação de existência bem precisa: deve olhar para Jesus Cristo para dar o justo sentido à sua existência e para concretizar os conte- údos de humanidade, os quais está chamado a viver e a testemunhar aos outros. (…) A referência a Jesus vai para além da sua vida terrena: a sua ressurreição constitui o fun- damento da esperança do homem (cf. OffPass), a sua vinda gloriosa representa a coro- ação da sua vida em sentido histórico (cf. Rnb 23, 4). Na sua referência à existência do homem a Jesus Cristo, Francisco afirma que Deus Pai criou o homem à imagem do seu Filho na alma e no corpo»105.

Quando Francisco fala do Homem, não fala em abstracto. Fala do Homem que ele próprio é e dos homens que ele conhece por convivência. Para Francisco, Homem é aquele que foi elevado à dignidade de filho de Deus, de «homo assumptus». O Poverello não parte

103

«Et quicumque hec observaverit, in celo repleatur benedictione altissimi Patris, et in terra repleatur benedictione dilecti Filii sui cum sanctissimo Spiritu Paraclito et omnibus virtutibus celorum et omnibus sancis». Test 40.

104

«Si a primera vista no afecta a la noción propria de creación ni al hecho de la misma (ciertamente el hecho de que todo ha sido creado por Dios, se considera como algo adquirido en el Nuevo Testamento), es con todo, de decisiva importancia para entender la significación universal de Jesús. El mensaje de los escritos del Nuevo Testamento en relación con el tema que nos afecta no es tanto que Dios ha creado todo, cuanto que este Dios creador es el Padre de nuestro Señor Jesucristo que todo lo ha hecho mediante su Hijo»: LA- DARIA, L. - Introduccion a la Antroplogia Teologica. 5ª ed. Estella (Navarra): Editorial Verbo Divino, 2007. 45.

105«… el hombre franciscano tiene una orientación de existencia bien precisa: debe mirar a Jesucristo para dar el justo sentido a su existencia y para concretizar los contenidos de humanidad, a lo que está llamado a vivir y a dar testimonio a los otros. (…) La referencia a Jesús va más allá de su vida terrena: su resurrección constituye el fundamento de la esperanza del hombre (cf. OffPass), su retorno glorioso representa la corona- ción de su vida en el seño de la historia (cf. Rnb 23, 4). En su referencia a la existencia del hombre a Jesucris- to, Francisco afirma que Dios Padre ha creado al hombre a imagen de su Hijo en el alma y en el cuerpo (cf.

Adm 5, 1) y ha hecho de Jesucristo el canal de todos sus beneficios en relación a la familia humana (cf. Rnb

23, 5)»: IAMMARRONE, G. - La visión del hombre en la Regla bulada de los Hermanos Menores. Integrada con textos de los Escritos de San Francisco. Seleccionnes de Franciscanismo, 121 (2012) 33-34.

155

de uma dimensão racional, nem dos princípios da cultura grega, para chegar à noção de Homem. Basta-lhe, para chegar ao Deus Vivo e Verdadeiro, unir-se a Jesus Cristo, que escolheu ser homem e se dá todo ao Homem, numa amorosa kenósis, desde a encarnação à paixão. É desta experiência de Cristo, Deus e Homem, que o Poverello parte na sua antro- pologia cristológica.

A teologia medieval e a teologia em geral, até então, distinguiam, por um lado, a ac- ção criadora de Deus como um acto realizado e concluído e, por outro lado, falavam tam- bém dos actos de Deus que mantêm a criação até à sua plena realização; assim, no Homem cruza-se a sua indigência, enquanto criatura, com a gratuidade de Deus, que o recria conti- nuamente. A criação tem, por isso, uma nítida orientação antropocêntrica, onde as criaturas são símbolos e dons de Deus para o homem. O Homem ocupa um lugar central nesta har- monia e a cristologia do Santo de Assis tem marcas antropológicas e cristológicas.

Cristo e o Homem têm para Francisco, no contexto da criação, um enorme significa- do. Porque o Homem recebeu um corpo à imagem de Cristo, o dilecto Filho de Deus. Lê-se na 5ª Adm: «ó homem, considera a quanta grandeza o Senhor te levantou, pois te criou, dando-te um corpo à imagem do seu Filho dilecto, e dando-te um espírito à [sua] própria semelhança (Gén 1, 26)».

Articulando o texto da 5ª Adm, com o texto da RegNB 23, 1, o padre Fernando Uribe ajuda-nos a esclarecer melhor a dimensão cristológica da antropologia franciscana, quando diz:

«Dada a importância que tem esta frase e as dificuldades que tiveram alguns estudio- sos para a interpretar, pois nem todos se manifestaram de acordo quanto à sua inter- pretação, parece necessário determo-nos nos diversos elementos que a compõem. (…) não é fácil imaginar Francisco a fazer distinções académicas entre “criar segundo a imagem” e “formar segundo a semelhança”. O que fica claro (…) é a referência a Cristo como modelo do ser humano em ordem à criação. Com efeito, a sua grandeza está em que foi criado por Deus à imagem e semelhança do seu Filho, não por mérito próprio, mas acção gratuita de Deus. Estas palavras de Francisco indicam-nos que, quando o homem era um projecto na mente de Deus, já o pensou redimido e glorifica- do em Cristo, seu modelo supremo tanto no corpo como no espírito. Trata-se, portan- to, de uma condição sublime, não só porque é do amor magnânimo de Deus, mas tam- bém porque projecta o homem até à máxima finalidade possível, a glorificação de Deus em Cristo»106.

106

«Dada la importancia que tiene esta frase y las dificultades que han tenido algunos estudiosos para interpretarla, pues no todos se han manifestado de acuerdo en su interpretación, nos parece necesario dete- nernos en los diversos elementos que la componen» URIBE, F. - La verdadera gloria del hombre. La Admo- nición V de San Francisco. Selecciones de Franciscanismo, 112 (2009) 24.

156

Olhando para a presença do Filho na criação, há quem, de alguma maneira, procure estabelecer uma certa relação entre o pensamento de Francisco de Assis e o de Santo Ire- neu de Lyon, sem se darem conta que Santo Ireneu de Lyon (130-202), apesar de ser data- do do século II, pode ser definido como o «grande ausente» do período medieval, como nos recorda o padre Pietro Messa107.

Na concepção franciscana, o Homem é querido por Deus na sua totalidade de corpo e alma. Criado à imagem e semelhança do Filho de Deus feito Homem e revestido da digni- dade de Cristo, cresce na dimensão cristológica por meio de uma vida de seguimento de Jesus e participa assim, também, da filiação divina108.

A história humana, com a proximidade de Cristo, o Salvador, manifesta-se como his- tória de Amor. Diz o Poverello: «… te rendemos graças… pela verdadeira e santa caridade com que nos amaste (cf. Jo 17, 26)»109. Noção que Francisco concretiza na Segunda Carta aos Fiéis. O próprio Amor, que é Deus, na pessoa do Seu dilecto Filho Jesus Cristo, vem encarnar e tomar a carne da nossa humana fragilidade no seio da Virgem Santa Maria, tor- nando-se para nós verdadeiramente Deus e verdadeiramente Homem110. Assim, segundo o Santo de Assis, o Homem, na sua indigência, se abre todo à abundância que é Deus Único.

O Filho de Deus é na encarnação verdadeiramente Deus e verdadeiramente ho- mem111. Pensamos que a condição da nossa fragilidade, no âmbito do pensamento dos es- critos do Santo de Assis, mostra mais a liberdade e a generosidade de Deus, que livre e amorosamente se fez Homem. Os aspectos negativos do homem são mencionados nos es- critos, não para denegrir o ser humano, antes, sim, para explicitar os frutos da graça divina

«Lo que queda claro en el primer segmento de nuestra Adm es la referencia a Cristo como modelo del ser humano en orden a la creación (…). Estas palabras de Francisco nos indican que, desde cuando el hombre era un proyecto en la mente de Dios, ya lo pensó redimido y glorificado en Cristo, su modelo supremo tanto en el cuerpo como en el espíritu. Se trata, por tanto, de una condición sublime, no sólo porque es fruto del amor magnánimo de Dios, sino también porque proyecta al hombre hacia la máxima finalidade posible, la glorificación de Dios en Cristo»: URIBE, F. - La verdadera gloria del hombre. La Admonición V de San Francisco. Selecciones de Franciscanismo, 112 (2009) 23-28. O texto da RegNB 23, 1-3, por considerarmos um texto fundante, tem sido citado amíude ao longo do trabalho, umas vezes só, outras de modo articulado com a Adm 5ª, 1

107

Cf. MESSA, P. - Le Fonti Patristiche negli scritti di Francesco di Assisi. Assisi: Edizioni Porziuncola, 2006. 8.

108

Cf. FREYER, J. - Homo Viator. L’uomo alla lucce della storia della salvezza. Un’antropologia

teológica in prospectiva francescana. Bologna: Edizioni Dehoniane Bologna, 2008. 162-163.

109

Cf. RegNB 23, 3. Veja-se Cap. II, pág. 114. 110

«Istud Verbum Patris, tam dignum, tam sanctum et gloriosum, nuntiavit altissimus Pater de celo per sanctum Gabrielem angelorum suum in uterum sancte ac gloriose Virginis Marie, ex cuius utero veram rece- pit carnem et fragilitatis nostre»: 2EpFid 4. Veja-se nota 76, pág. 146; veja-se nota 1, pág. 127 e veja-se Cap. II, pág. 75.

111

Cf. ZAVALLONI, R. - L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano. Assisi: Edizioni Porziun- cola, 1994. 119-121.

157

encarnada em Jesus Cristo e a nós oferecidos. Por isso, o homem que quer viver segundo o espírito do Senhor tem que estar sempre vigilante a tudo o que possa ser obstáculo à graça e à sua acção.

Estando nós a tratar, neste apartado, a antropologia cristológica, na sequência das in- tuições do Poverello, não podemos deixar de aludir, ao contributo que a Escola Francisca- na dá ao pensamento teológico da Igreja com a formulação da seguinte questão: «se Adão não tivesse pecado, o Filho teria encarnado»?112 Relativamente a esta questão, apresento algumas condiderações da autoria de um autor estranho à escola franciscana, diz W. Det- tloff:

«Porque a Igreja não tomou ainda nenhuma posição definitiva, continua a ser discutí- vel o problema de saber se o Filho de Deus se teria feito homem mesmo que Adão não tivesse pecado ou se a encarnação não teria outra finalidade além da redenção. (…) Hoje, pelo contrário, vai ganhando terreno a opinião, fundada em Duns Escoto, de que Cristo se teria feito homem mesmo que Adão não tivesse pecado (teoria cristocentri- ca). Autenticos precursores da teoria escotista são Mateo de Aquasparta y Guilherme de Ware. Duns Escoto (…) enumera vários motivos pelos quais o pecado não pode ser

conditio sine quanon para a encarnação; segundo ele, o motivo adquado da encarnação

consiste em que Deus queria ser amado em sumo grau (summe) por alguém destinto de si»113.

O homem recebeu um corpo à imagem do dilecto Filho de Deus114, por assim dizer, o Pai cria o Homem, à imagem do Filho. Cristo é o modelo para o Homem. Juntamos ao tex- to da Adm 5ª outro texto que complementa a mesma ideia, mas agora da RegNB: «E te ren- demos graças porque, como por teu Filho nos criaste, assim também pela verdadeira e san- ta caridade com que nos amaste, fizeste que Ele, o teu Filho, verdadeiro Deus e verdadeiro

112

Trata-se da pertinente questão levantada por Duns Escoto, onde vai «directamente al manantial del misterio de Cristo mismo, a su predestinación por parte de Dios (…), el Doctor Sutil en su reflexión sobre la predestinación absoluta de Cristo implícitamente considera a Cristo como causa final, ejemplar y eficiente instrumental de la creación, especialmente de la llamada del hombre al orden de la gracia»: IAMMARRONE, J. - Cristología. Manual de Teología Franciscana. In MERINO, J. A. e FRESNEDA, F. M. (ed.) - Manual de

Teología Franciscana. Madrid: BAC, 2004. 176-179.

113

«Puesto que la Iglesia no ha tomado todavía ninguna postura definitiva, sigue siendo discutible el problema de si el Hijo de Dios se habría hecho hombre aunque Adán no hubiera pecado o si la encarnación no tenía otra finalidad que la redención. (…) Hoy, en cambio, va ganando terreno la opinión, fundada en Duns Escoto, de que Cristo se habría hecho hombre aunque Adán no hubiese pecado (teoría cristocentrica). Auténticos precursores de la teoría escotista son Mateo de Aquasparta y Guillermo de Ware. Duns Escoto (…) enumera varios motivos por los que el pecado no puede ser una conditio sine qua non para la encarna- ción; según él, el motivo adecuado de la encarnación consiste en que Dios quería ser amado en grado sumo (summe) por alguien distinto de sí»: DETTLOFF, W. - Redención. In H. FRIES (ed.). - Conceptos Funda-

mentales de la Teología. 2 ª ed. Madrid: Ediciones Cristandad, 1979.Vol II, 497-499.

114

158

homem, nascesse da gloriosa sempre Virgem a beatíssima santa Maria, e pela sua cruz e sangue e morte quiseste resgatar-nos a nós que éramos cativos»115.