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ao Mercado Popular: O Caso da Indústria Têxtil

Vimos acima a conclusão extremamente interessante do enviado comercial americano L. S. Garry relativamente às possibilidades de desenvolvimento da indústria têxtil no Brasil nos anos 1920, época em que as companhias americanas já realizavam investimentos diretos visando o mercado de luxo: "A manufatura brasileira do algodão tinha somente duas alternativas : exportar ou concentrar- se na produção de bens de alta qualidade até então importados. No entanto, os bens brasileiros eram de preço demasiado elevado para competir com tecidos de algodão europeus ou

às economias do centro e as regiões dominadas às regiões dominantes através de uma divisão capitalista do trabalho desequilibrante.

161 Albert O. Hirschman,The Political Economy of Import Substituting Industrialization, p. 32. 162 Pensamos poder avançar no raciocínio desenvolvido no excelente trabalho de Ben Haddou

 Boulghassoul, que estuda como o modo de produção capitalista se estendeu ao Maghreb, “articulando-se de um modo particular aos modos de produção anteriores e dando lugar a um modo de produção capitalista periférico” (p. 228). O autor conclui que “a troca comercial no quadro da divisão internacional capitalista do trabalho... não permitiu passar progressivamente de uma estrutura de produção primária a uma estrutura de produção industrial” (p. 244). Vemos agora, no caso do Brasil, que, onde esta estrutura de produção industrial era possível, seria orientada num sentido que não resolve o problema do subdesenvolvimento. Ben Haddou  Boulghassoul, Transition au capitalisme periphérique et l'evolution socio-économique du

Maghreb(tese de doutoramento ), SGPIS, Varsóvia, 1975.

163 A indústria têxtil representa sem dúvida o setor mais potente e mais bem organizado da indústria ligada às necessidades populares. Trata-se também do setor que ocupa mais mão-de-obra industrial. Apoiamo-nos numa excelente monografia que não recebeu no Brasil a atenção que merece, o trabalho já citado de Stanley Stein,The Brazilian Cotton Manufacture, Harvard, 1957.

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americanos nos mercados externos e isto deixava à manufatura apenas uma alternativa: produção de bens mais finos".164

Claramente discutido já nesta época, o problema da orientação da produção têxtil iria levar a medidas concretas ainda antes da crise de 1929: "Enfrentando um mercado de bens de qualidade inferior saturado, algumas empresas, sob a direção dos 'elementos mais empreendedores', começaram a orientar-se para a produção de bens de melhor qualidade''.165  Mecanismo típico de adaptação da produção à estrutura da renda, as empresas, presas entre a fraqueza do mercado popular e a dominação do mercado sofisticado pelos produtos estrangeiros, buscavam uma saída. 166 Notando esta evolução, jornais da época felicitavam-se da melhoria no gosto do consumidor brasileiro, quando se tratava de uma modificação do perfil da produção e, em conseqüência, de outros consumidores. Em 1928, a associacão das manufaturas têxteis criou uma escola para elevar o nível de conhecimentos técnicos dos trabalhadores, a fim de responder aos novos problemas técnicos colocados pela produção de tecidos de qualidade superior.

Com a chegada de Vargas ao poder em 1930, os industriais conseguiram ocupar dois postos-chave: o Banco do Brasil era confiado a Manuel Guilherme da Silveira e o departamento da indústria do Ministério do Trabalho era confiado a Jorge Street, ambos do setor têxtil da indústria; a partir daí os capitalistas do setor puderam contar com outro tipo de proteção.

Por um lado, os fabricantes obtinham a proibição da importação de novas máquinas entre 1931 e 1937, facilitando assim o controle do parque industrial. Esta medida provocou longos debates, já que os produtores invocavam como justificação os limites do mercado interno e apresentavam a medida como um instrumento de luta contra a superprodução, quando a necessidade de tecidos ao nível nacional estava longe de ser satisfeita. Na realidade, os fabricantes conseguiram manter o parque de maquinaria e a capacidade de produção aquém mesmo das exigências da procura solvável e trabalhavam freqüentemente em três turnos, aproveitando o efeito monopolístico. Por outro lado, fato insuficientemente sublinhado, os produtores pressionaram efetivamente Vargas, a partir de um determinado período, para obter o estabelecimento do salário mínimo, uma das soluções que viam para reforçar o mercado popular, para o qual produziam ainda em grande parte. É evidente que tais pedidos não iam sem oposição dentro dos organismos patronais. No entanto, o fato é que os produtores mais potentes conseguiram concretizar o seu pedido.167

A limitação do parque de maquinaria e a expansão "horizontal" da procura solvável constituíam medidas complementares. No decorrer dos anos 30 a limitação das importações de

164 Stanley Stein, op. cit., p. 108, citando o relatório de L.S. Garry, Textile Markets in Brazil, Washington, 1920.

165Stanley Stein,op. cit. , p. 117.

166 Lembremos que é a lógica do lucro que determina o comportamento dos diversos setores, e não a sua nacionalidade. Uma proporção crescente de capitalistas brasileiros agarrava-se ao setor moderno montando produtos estrangeiros ou produzindo para as empresas estrangeiras instaladas no Brasil no quadro da subcontratação. O resultado é a extensão no Brasil de uma classe de capitalistas industriais cuja sobrevivência econômica depende da integração da economia na nova divisão internacional capitalista do trabalho. Reencontramos aqui, num escalão superior, o caráter principal da dependência neocolonial.

167  “De todas as panacéias contra a superprodução que a associação dos produtores téxteis sustentou desde meados de 1936 até meados de 1940, o regime de Vargas transformou apenas uma em decreto. No dia 15 de maio de 1940, uma escala de salário mínimo, variando segundo as regiões e limitada aos trabalhadores industriais, tornou-se lei” (Stein, op. cit., p. 163). Uma série de outros fatores entrou na instituição do salário mínimo; o que nos interessa aqui é o fato de os produtores terem participado no movimento, dando como justificação a necessidade de expandir o mercado interno.

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têxteis estrangeiros tinha facilitado as incursões na esfera do mercado sofisticado onde uma demanda preexistente permanecia insatisfeita e constituía um sursispara a indústria nacional.

Com a guerra, um novo sursis para esta indústria aparecerá na possibilidade de exportar:168

BRASIL — EXPORTAÇÃO DE TECIDOS DE ALGODÃO

 Anos Exportações (em quilos)

1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950 247 239 1 981 734 3 958 371 9 237 932 25 168 682 26 045 818 20 069 808 24 246 510 14 102 848 16 678 215 5 637 644 4 010 567 1 361 359

A redução da capacidade de produção das economias dominantes no setor em conseqüência da guerra acelerou aparentemente a reconversão da indústria têxtil, que deixava progressivamente de produzir para o mercado popular. Vargas, preocupado com a sua popularidade e os efeitos da redução relativa da produção para o mercado popular, instituiu então os "tecidos populares", obrigando os produtores a assegurar 100 milhões de metros de tecidos de qualidade inferior a preços fixos (Convenção Têxtil de 1943). Em 1946 a CETEX, organismo do governo para os assuntos da indústria têxtil, suspende as exportações, mas não obtém uma volta à produção para o mercado popular: "No decorrer dos meses que se seguiram à proibição de exportar decidida pela CETEX, os fabricantes e os comerciantes por atacado armazenavam os bens fora do mercado na esperança de vender no exterior quando os preços fossem mais elevados e a proibição tivesse expirado; reduziram a quantidade de tecidos de qualidade inferior distribuidos pelos produtores e vendedores. No início de 1947, os fabricantes já não se viam ligados pela Convenção Têxtil, pois a mobilização do tempo de guerra havia expirado. Terminou assim, oficialmente, o período dos tecidos 'populares'. A crise estava ultrapassada num sentido técnico, mas certamente não do ponto de vista das classes média e inferior de consumidores, que viam os preços dos produtos têxteis e outros subir com a espiral inflacionista no Brasil". 169

A política econômica de Vargas tinha sido definida por ele nestes termos: "Quanto à questão econômica, ela pode ser resumida numa palavra: produzir, produzir muito e produzir barato". Depois da guerra, com a recuperação das indústrias das economias dominantes, os produtos brasileiros perdem o seu lugar no mercado internacional, conforme vemos no caso dos têxteis no quadro acima. Em conseqüência, a questão de reorientar a produção para a esfera superior do mercado torna-se premente.

Esta reorientação iria ser facilitada pela legislação do após-guerra que, para proteger as reservas de divisas, proibia ou limitava seriamente a importação de bens de luxo: o resultado é que este tipo de produção gozava de uma proteção excepcional no país e a indústria reagiu em conseqüência.

168Stanley Stein.op. cit., p. 194, dados selecionados do apêndice IV. 169Stanley Stein,op.cit., p. 177.

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Neste plano os interesses da indústria brasileira do setor tradicional e os do setor "moderno" eram comuns: "Esgotadas as reservas de divisas acumuladas durante a guerra", escreve Conceição Tavares, "os primeiros déficits começaram a aparecer, em 1948, e o país começou a reforçar o sistema de controle cambial. Este controle baseava-se, no entanto, na manutenção das taxas de câmbio existentes e no controle quantitativo das importações, que estabelecia uma forte discriminação relativamente aos bens de consumo não-essencias, enquanto o custo das importações de bens de capital e intermediários se mantinha em nível relativamente baixo. O resultado foi um estímulo considerável ao estabelecimento de indústrias domésticas de substituição de importações para a produção destes bens de consumo, em particular dos bens duráveis, que até então não eram produzidos no Brasil e que gozavam agora de uma dupla proteção ao nível cambial, tanto em termos de mercado reservado como em termos de custos de operação. Foi essencialmente o estágio do estabelecimento de indústrias que produziam bens domésticos e bens de consumo durável".170

Veremos mais adiante que as empresas multinacionais saberão aproveitar esta situação favorável e reforçar a sue presença no país. No entanto, é importante salientar que a produção para o mercado popular do próprio "setor nacional" via-se claramente desfavorecida, e este setor buscava um caminho de saída numa orientação análoga à das empresas do setor moderno e das multinacionais que o constituíam. Ora, estas últimas não se interessavam por uma extensão "horizontal" do mercado, que levaria a uma redução líquida da demanda de bens de consumo duráveis e de luxo.171

A reorientação da produção para o mercado interno de luxo e a concentração da renda constituíam um grupo de soluções para o desenvolvimento ulterior da produção industrial. Outro grupo de soluções era encontrado na produção para a exportação. Ora, neste plano os produtores do setor tradicional encontravam-se em má situação para sustentar a concorrência internacional fora das situações particularmente favoráveis, como a que caracterizou a guerra mundial. Os anos que seguem depois da guerra estão marcados por uma série de convenções patronais e apelos do governo à busca de soluções. O governo via-se constantemente pressionado para subvencionar as exportações de tecidos e os produtores declararam a indústria como "eminentemente exportadora" em 1949.

Ora, o consumo nacional era ainda fraco: em conseqüência, os fabricantes declararam que "as exportações constituíam um método destinado a sustentar a indústria até que o nível doméstico de consumo aumentasse por medidas que abarcam todos os setores da economia. Enquanto isto, as indústrias não podiam esperar".172

Assim, o círculo já estava fechado: não seria o caso de a indústria romper a dinâmica, mas de esperar que o "desenvolvimento geral" permitisse o alargamento do mercado interno, para produzir para ele. O consumidor brasileiro poderia esperar. Encontramos assim o raciocínio completo que ditará a conduta do setor "moderno" das multinacionais a partir de 1964.

Na Convenção de 1949 os empresários do setor têxtil confirmavam esta orientação: "Assim, reunidos em convenção, os produtores forneceram ao governo e ao público um autodiagnóstico e uma autoprognose. Ao nível dos preços estabelecidos pelos empresários do setor têxtil algodoeiro, o consumo doméstico anual não atingia o total da produção. As exportações para os países vizinhos constituíam a única politica que permitia evitar a bancarrota da indústria e, em conseqüência, salvaguardar o equilíbrio econômico do país. A responsabilidade em última instância era do governo: primeiro, de elevar o nível de rendimento nacional e de criar um acúmulo de

170 Maria da Conceição Tavares,The Growth and Decline of Import Substitution in Brazil, CEPAL, 1964, p.17.

171 Para um excelente desenvolvimento deste prohlema, que resulta evidentemente da herança colonial e do caráter dicotômico do mercado brasileiro, ver Jorge Miglioli, A Policy of Development for Underdeveloped Countries (tese de doutoramento), SGPIS; Varsóvia, 1968, pp. 48 e segs.

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capacidade de compra dos consumidores; segundo, de financiar a modernização e o reequipamento capacidade de compra dos consumidores; segundo, de financiar a modernização e o reequipamento do parque existente, a

do parque existente, a fim de permitir aos fim de permitir aos produtores enfrentar a concorrência estrangeprodutores enfrentar a concorrência estrangeira".ira".173173

Assim — fenômeno importante — os empresários "nacionais" tomavam Assim — fenômeno importante — os empresários "nacionais" tomavam espontaneamente, pela necessidade de seguir a lógica do lucro, o mesmo caminho que tomava o espontaneamente, pela necessidade de seguir a lógica do lucro, o mesmo caminho que tomava o setor "moderno", apesar de este último

setor "moderno", apesar de este último ser orientado pelas multinacionais: reconversão da ser orientado pelas multinacionais: reconversão da produçãoprodução para a esfera superior do mercado e para a

para a esfera superior do mercado e para a exportação, abandonando o mercado popular até que esteexportação, abandonando o mercado popular até que este fosse

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O fato de o setor de ponta da indústria nacional e, em conseqüência, da burguesia O fato de o setor de ponta da indústria nacional e, em conseqüência, da burguesia nacional, ter optado no fim dos anos quarenta e início dos cinqüenta por uma identificação com a nacional, ter optado no fim dos anos quarenta e início dos cinqüenta por uma identificação com a orientação ditada mais tarde pelas multinacionais é eloqüente e leva-nos a uma atitude mais realista orientação ditada mais tarde pelas multinacionais é eloqüente e leva-nos a uma atitude mais realista quanto às possibilidades de esperar da burguesia nacional que realize um desenvolvimento quanto às possibilidades de esperar da burguesia nacional que realize um desenvolvimento capitalista nacional e reproduza o crescimento dos países capitalistas do centro. Por outro lado, capitalista nacional e reproduza o crescimento dos países capitalistas do centro. Por outro lado, constatamos aqui a que ponto não é a "interferência" do imperialismo que determina a orientação constatamos aqui a que ponto não é a "interferência" do imperialismo que determina a orientação econômica da indústria, mas o

econômica da indústria, mas o conjunto das determinações ligadas à herança colonial e neocolonial,conjunto das determinações ligadas à herança colonial e neocolonial, por um lado, e

por um lado, e ao efeito de arrastamento particular que caracteriza a ao efeito de arrastamento particular que caracteriza a industrialização dependente.industrialização dependente. Enfim, a reconversão do setor tradicional para o mercado sofisticado e a exportação Enfim, a reconversão do setor tradicional para o mercado sofisticado e a exportação constitui o abandono de uma perspectiva de industrialização autônoma. Integrada na dinâmica das constitui o abandono de uma perspectiva de industrialização autônoma. Integrada na dinâmica das multinacionais, esta industrialização transforma-se em instrumento de reprodução da relação de multinacionais, esta industrialização transforma-se em instrumento de reprodução da relação de dependência: a burguesia nacional verá assim os seus interesses dependerem da boa marcha do dependência: a burguesia nacional verá assim os seus interesses dependerem da boa marcha do desenvolvimento dos investimentos estrangeiros e da reprodução do desequilíbrio interno. Mais desenvolvimento dos investimentos estrangeiros e da reprodução do desequilíbrio interno. Mais uma vez, os próprios interesses de classe da classe dirigente a levam para uma reprodução da uma vez, os próprios interesses de classe da classe dirigente a levam para uma reprodução da extroversão econômica.

extroversão econômica.175175