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221Ver, em particular, “Reprodução das relações de produção na agricultura", página 214 e seguintes.

222 CIDA — Comitê lnteramericano de Desenvolvimenio Agrícola, Posse e Uso da Terra e

Desenvolvimento Sócio-Econômico do Setor Agricola, OEA et al., Nova lorque, 1966, pp. 201 e seguintes (citando um estudo do Serviço Social da Agricultura, 1962).

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Reencontramos a mesma interpenetração de relações de produção, desta vez descrita por um autor que capta admiravelmente a relação entre a dinâmica capitalista do latifúndio e as relações que daí decorrem.

"O fenômeno mais importante a propósito do qual reunimos provas substanciais na região é o caráter parcelar que distingue a ocupação da mão-de-obra, simultaneamente e sucessivamente fragmentada em unidades de produção diversas e em tarefas diversas. Há pouquíssimos trabalhadores que dispõem de um emprego fixo e o costume é manter relações temporárias de tipo parcial com as caracterizações de funções muito diversas. Parece fora de dúvida que os dados gerais sobre a fragmentação da força de trabalho em parcelas descontínuas de emprego, impedindo praticamente os trabalhadores de se ligarem de uma maneira plena a uma única unidade de produção ou a uma única função, revelam e refletem a própria estrutura econômica e social da zona e da região".223

"Segundo o que foi estabelecido", prossegue o autor, "nenhuma destas funções é, por si só, suficiente para atribuir ao trabalhador e à sua familia vantagens reais no que concerne ao rendimento para sustentar o nível de vida da região, que é bastante baixo... A diversificação das funções de emprego e a sua conseqüente fixação em formas múltiplas... constitui a solução possível de defesa, por parte dos trabalhadores, contra os efeitos do subemprego crônico que caracteriza a exploração rural da zona e da região, ao mesmo tempo que funciona como fator de preservação da situação de equilíbrio em vigor na zona coberta pela nossa pesquisa. Pelo menos duas conexões importantes e particularmente significativas podem ser deduzidas deste fenômeno de polivalência das funções de emprego: a primeira é ligada aos fatores que determinam o nível de rendimento real da zona ou da região, ou seja, o nível de vida dos trabalhadores. O fracionamento da oferta de trabalho beneficia os empregadores e, com isto, torna quase inexistente o poder de barganha da força de trabalho, e por esta razão os pagamentos monetários da região são baixos... A segunda conexão concerne à grande dependência do trabalhador relativamente à própria região onde coloca as frações da sua força de trabalho, cujo emprego individual decorre da sua capacidade de deslocamento. Com efeito, afastando-se excessivamente da zona, as suas possibilidades de trabalho polivalente decrescem e o seu rendimento real é conseqüentemente reduzido. Desta maneira, parece que o fenômeno exerce um papel de fixação da mão-de-obra masculina na zona e na região, mas no seu nível atual, para além do qual se formam excedentes que já não poderiam ser absorvidos".

"A natureza polivalente do emprego é um dos instrumentos utilizados em parte para se reproduzir literalmente e adquirir a sua consistência operacional".

 Bahia

Maria Brandão, que realizou um trabalho de pesquisa na zona de Camaçari, bastante povoada, nota a mesma complexidade e emaranhamento das relações de produção e relata as formas acessórias de atividade econômica às quais os trabalhadores recorrem: "A situação desta camada de pequenos proprietários ou de trabalhadores sem terras leva, em conseqüência, a toda uma série de arranjos de ocupação e até a atividades econômicas suplementares. Podemos colocar nesta situação a venda de produtos alimentares nas vendas, ou mesmo a sua exposição nas janelas em certas casas das aglomerações. No mesmo sentido ainda, encontramos os que recorrem à prestação de serviços, como o de barbeiro improvisado nas tardes de sábado; a venda de alguns magros produtos agrícolas levados ao mercado nas costas do burro; o fabrico esporádico de farinha ou de carvão".224

223 Júlio Barbosa, Pesquisa sobre os Sistemas de Posse e Uso da Terra, Mocambeiro, Matosinhos —

Minas Gerais (Matosinhos, a zona estudada, situa-se em plena zona dinâmica do país, ao sul de  Belo Horizonte).

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Paraíba

M. A. Carneiro, autor de uma pesquisa na zona de Sapé, no Estado da Paraíba, no alto do Nordeste, relata este caso típico de uma família agrícola entrevistada: "Em casa, além do meu marido, estou eu mesma, minha mãe e cinco crianças. O meu marido tem 60 anos e trabalha alugado no abacaxi. Ganha 250 cruzeiros por conta limpa. Faz 1.000 cruzeiros por semana trabalhando 5 dias.225 Anda duas léguas para chegar. Trabalha também numa pequena roça, a uma légua daqui. Quase todos neste fim de rua têm um pequeno roçado. No ano passado foi a maior fome do mundo, porque os latifundiários não quiseram dar roçados a ninguém. Mas este ano a coisa vai melhor. Permitiram de novo as roças porque viram que não ganharam dinheiro no ano passado e que iam à miséria (sem dúvida um exagero). Meu marido conseguiu uma roça no ano passado. Pagou 3.000 cruzeiros a quadra. Quando não há dinheiro para o mercado, ele trabalha alugado... Quando o roçado não dá lucro é preciso pagar de todo o jeito, pois senão no ano seguinte não haverá roçado. Todos são pequenos, menos de uma quadra, porque o trabalhador perde muito tempo para chegar até lá e porque precisa também trabalhar alugado".226

 Rio Grande do Sul

Laudelino Medeiros estudou Santa Cruz do Sul, uma zona um pouco a oeste de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, uma das regiões relativamente ricas do país.227

"Na zona rural de Santa Cruz do Sul utiliza-se pouca mão-de-obra que não seja a família. Mas entre os tipos encontrados com maior freqüência poderíamos mencionar o agregado... O agregado encontrado na zona rural da região tem também uma condição de meeiro, já que percebe uma participação na produção de um certo produto que cultiva, representando a metade da colheita. Este produto é quase sempre o tabaco. Dispõe de uma pequena terra, onde produz o que deseja para consumir ou para vender. Como agregado, vive na fazenda e mora numa casa do proprietário, recebendo deste último uma roça para plantar, da qual retira uma parte da sua subsistência e da sua família. Tudo o que planta nesta terra lhe pertence. Quando trabalha em terras destinadas às plantações do patrão, com exceção da terra a meias, recebe um pagamento pelo trabalho. Tem a possibilidade de fornecer os seus serviços a outros proprietários e deles recebe remuneração. Não recebe remuneração mensal. Apesar de morar na propriedade, não pode ser classificado como trabalhador permanente, visto que apenas esporadicamente, ou quando surgem algumas tarefas, como a preparação das terras e a colheita, pode ser chamado ao trabalho pelo patrão. Em geral não tem contrato escrito. Os seus deveres e direitos são estabelecidos verbalmente, no início das suas atividades... Quanto aos membros da família, passa-se o mesmo no que concerne aos trabalhos realizados para o proprietário da terra. Quando trabalham recebem uma remuneração como  jornaleiros ou como trabalhadores por empreitada. Foram realizadas três entrevistas com agregados, um dos quais mencionou possuir uma terra de 3/4 de hectare situada no município vizinho de Venâncio Aires, que ainda não estava registrada no tabelião. Recebeu-a por herança. Os dois outros agregados dizem não possuir terra própria... O agregado de um modo geral não possui terra própria, e quando a possui, vem-lhe em geral por herança. Constitui uma pequena fração de terra, que não

225  A pesquisa foi feita na primeira metade de 1963. O dólar valia na época, no mercado não-oficial, entre 800 e 1.000 cruzeiros. A cotação oficial da época era de 475,1 cruzeiros por dólar.

226 M. A. Carneiro,Sapé — Paraíba.

227 A parte Sul do Brasil foi colonizada muito tarde e, sendo as pressões dos países vizinhos muito  fortes, foi por razões estratégicas que o governo fixou aí colonos e distribuiu terras, a fim de assegurar o controle da região. Cf. Nelson Werneck Sodré, História Militar do Brasil, ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965.

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permite ao indivíduo viver da sue exploração, razão pela qual vive na terra de outros na condição de agregado".228

Reencontramos o mesmo sistema nas mais diversas regiões. Manuel Correia de Andrade cita situações muito parecidas na região de São Francisco. Não se trata de um "processo de desintegração da estrutura agrária". Pelo contrário, a polivalência de emprego constitui o "corpo e alma" do atual sistema de latifúndio: do ponto de vista do proprietário da terra, representa um meio de selecionar os "bons" trabalhadores, recompensando-os segundo uma certa escala de mérito, e de tornar toda a ação coletiva dos trabalhadores na fazenda quase impossível.229

Noutros termos, a existência de atividades, por parte dos trabalhadores rurais, cujo resultado não é a criação de valor de troca (mercadorias), mas a criação de valor de uso (mandioca, arroz, para consumo próprio), decorre não de um universo pré-capitalista, mas do fato de a terra estar monopolizada para a produção comercial de bens que não constituem um valor de uso para os próprios trabalhadores.

Logo, é compreensível que se estabeleça uma ruptura espacial entre o tempo de trabalho necessário e o tempo dedicado ao sobretrabalho.

É aparente também o fato de que a multiplicidade das relações de produção não decorre da "transição", mas do fato de as grandes unidades capitalistas exigirem um amplo exército rural de reserva, tanto mais amplo quanto o trabalho nas unidades capitalistas rurais é eminentemente sazonal. Buscar modos de produção diferentes ou "transição" nas diversas formas que o proletário rural utiliza para escapar da fome nos momentos que o latifúndio dele não precisa é esquecer que por baixo de todas estas formas está o fato fundamental: o próprio latifúndio, com as suas determinações capitalistas.

E na medida em que na base da situação do trabalhador rural está o "fato" da empresa agromercantil capitalista, é de se perguntar a que ponto a sua libertação pode dar-se sem a negação deste fato. É neste sentido que o colocamos, como proletário rural, ao lado dos assalariados permanentes das empresas latifundiárias, sem menosprezar as diferenças ideológicas que podem existir entre as diversas camadas.

228 Laudelino Medeiros,Uso e Posse da Terra em Santa Cruz do Sul. 229 Manuel Correia de Andrade, ATerra e o Homem no Nordeste.

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Anexo II