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Os Limites da Industrialização Nacional O Desequilíbrio Herdado

Na base do processo de industrialização do Brasil existe, pois, sempre um dado fundamental: realiza-se sem ter posto em questão as relações de produção que resultam da divisão internacional capitalista do trabalho sob a sua forma clássica. Pelo contrário, estas relações de produção, ligadas a um processo de acumulação do capital necessário à continuidade do desenvolvimento capitalista tanto das economias do centro como do pólo econômico dominante dentro do país, ver-se-ão reproduzidas sob novas formas, mas sem que as suas características fundamentais sejam postas em questão.

A manutenção destas relações de produção no interior do Brasil significa concretamente que, em cerca de 12,6 milhões de pessoas ligadas às atividades agrícolas em 1950, cerca de 7,4 milhões constituíam uma força de trabalho "desprotegida", de poder de compra extremamente reduzido.130

A dicotomia que caracteriza o mercado brasileiro mantém-se, pois. Por um lado, a extrema concentração da riqueza dá lugar a um mercado muito importante de bens de consumo de qualidade, ou de luxo. Por outro lado, esta mesma concentração implica que o mercado popular, apesar de abranger um grande número de consumidores, é pouco profundo, limitação decisiva à produção de bens de consumo popular. Sendo as zonas em que as duas esferas de consumo se recor- tam bastante limitadas, o produtor industrial deverá na maioria dos casos fazer uma clara opção.

A dicotomia do mercado reflete-se, conforme vimos, na estrutura da indústria: a indústria "nacional", apelidada já nesta altura de setor "tradicional" da indústria, volta- se ainda para a produção para o mercado popular, menos exigente do ponto de vista da qualidade e das técnicas a utilizar; os investimentos diretos estrangeiros e brasileiros, que constituem o setor "moderno" da

encontra submetido são determinadas pela sua posição no ciclo de reprodução do capital numa economia dependente, a sua libertação passa necessariamente por um enfrentamento com o capitalismo dependente. Isto significa, por um lado, que estas relações de produção, que constituem apenas uma parte do ciclo de reprodução do capital não podem ser atacadas sem que o modelo de reprodução do capital no seu conjunto seja atacado, por outro lado, sendo este capitalismo dependente, a ruptura das estruturas capitalistas que pesam sobre o proletário rural não pode ter lugar sem se romper com a divisão internacional capitalista do trabalho da qual este capitalismo faz parte.

130CIDA, op. cit., p. 146. William Nicholls escreve, por outro lado: “As cifras não deixam dúvidas que a estrutura agrária no Brasil reflete uma concentração relativamente elevada da  propriedade da terra, da riqueza e do rendimento. O que se esperava menos, no entanto, era que estas cifras indicassem que a distribuição do rendimento agrícola fosse mais concentrada na agricultura moderna do que na agricultura relativamente primitiva do Nordeste” (“Economic  Development and Cultural Change”, Abril, 1971, in: Celso Furtado, Análise do Modelo

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indústria, voltam-se para a faixa superior do mercado, onde a superioridade em termos técnicos e financeiros torna a concorrência do setor "nacional" pouco viável.

Não entraremos aqui na análise da evolução dos investimentos diretos estrangeiros — o setor "moderno" — que orienta o desenvolvimento atual. Mas é necessário notar que o modelo de acumulação adotado por este setor possui uma coerência interna indiscutível: no plano do financiamento, preconiza o reforço da taxa de exploração e a reprodução de relações existentes no setor agrícola, o que favorece a acumulação e permite-lhe financiar a importação de máquinas e de técnicas do centro; no plano da realização, orienta-se para a produção para o mercado rico, cujo poder de compra se encontra reforçado pela concentração da renda, enquanto o mercado popular se reduz.

Ao contrário, a indústria tradicional, cujo traço significativo é a sua orientação para o mercado popular, vê-se presa numa contradição entre as suas necessidades de financiamento e de importação de bens de produção — que exigem a reprodução da orientação extrovertida da agricultura — e o seu modelo de realização — que exige a redistribuição dos rendimentos e o alargamento " horizontal " do mercado.

No decorrer dos anos trinta e quarenta, no entanto, este setor ver-se-á particularmente favorecido pelas perturbações do mercado mundial e do fluxo de investimentos diretos para a América Latina, afetados pela Grande Crise e pela II Guerra Mundial.

A expansão da produção industrial brasileira em plena crise mundial não é surpreendente: se a extensão do parque de máquinas se encontra decerto tocada pela queda da capacidade de importação,131 a intensidade da sua utilização e a formação de pequenas empresas capazes de equipar-se localmente reforçou-se. estimulada pela pressão da demanda preexistente local.132

O Brasil, que contava 13 569 empresas empregando 293 673 pessoas em 1920, possui em 1940 cerca de três vezes mais, ou seja, 49 418 empresas e 781 185 operários, 133 e atinge em 1950 a cifra de 92 350 empresas e 1 279 184 operários.134

TAXAS DE CRESCIMENTO ANUAL DA PRODUÇÃO

INDUSTRIAL—1933-1939135

Setor Taxa de crescimento

Extração mineral Indústrias de transformação Minerais não-metálicos Metalurgia 8,1% 11,3% 19,9% 20,6%

131“Do ponto de vista da capacidade de importação, as restrições que afetaram o Brasil durante a depressão e a Segunda Guerra Mundial foram semelhantes às de outros países latino-americanos e representaram uma redução de cerca de 50 por cento na quantidade de importações” (Maria da Conceição Tavares, "The Growth and Decline of Import Substitution in  Brazil", CEPAL, Economic Bulletin for Latin America, United Nations, Nova lorque, 1964, p.

12).

132 “O crescimento da produção industrial foi obtido forçando-se ao máximo a utilização de equipamento e instalações existentes, o que ocasionou o fato de certos ramos da indústria terem o seu equipamento completamente usado e envelhecido no fim da guerra” (Villela e Suzigan,op. cit., p. 230).

133 Lembremos, no entanto, que 56,4 por cento destes estabelecimentos “industriais” contavam menos de cinco operários e assemelhavam-se mais ao artesanato (Villela e Suzigan, op. cit., p. 210).

134 Heitor Ferreira Lima,op. cit., pp. 331, 359 e 376  135Villela e Suzigan,op.cit., p. 212.

  114 Papel e papelão

Couro e peles Química e farmácia Perfumes, velas, sabão Têxteis Confecção e calçados Produtos Alimentares Bebidas Fumo Total da indústria 22,0% 2,7% 10,6% 15,8% 11,2% 9,8% 1,9% 8,4% 5,2% 11,2%

O processo reforça-se com a guerra. Claudio Haddad calcula uma taxa de progressão do crescimento industrial de 9,18 por cento para o período situado entre 1940-42 e 1945-47, contra 7,20 por cento por ano no período situado entre 1930-32 e 1940-42.136

Se o ritmo de desenvolvimento é de invejar, a questão que se coloca, lembremo-lo, é de saber por que esta indústria não pode criar uma dinâmica capaz de sustentar o seu próprio desenvolvimento. Vimos um aspecto deste problema: o setor agrário brasileiro sendo capitalista, as relações de produção predominantes no campo não foram postas em questão. Trata-se agora de ver os limites da capacidade de dinamização desta indústria a partir do fluxo de rendimentos e de atividades induzidas que resultam da sua própria atividade. Por outras palavras, a necessidade de manter a herança já foi vista, trata-se agora de ver os limites na dinâmica industrial dentro dos quadros traçados por esta herança.

Fraqueza do Efeito de Dinamização