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O Embrião de Atividades Introvertidas: O Ciclo das Minas

67 Caio Prado Jr., op. cit.,p.43 68Celso Furtato,op. cit.

69 Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil,Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1956, 3a ed., p. 148.

70 É preciso acrescentar que esta proibição externa, muito valorizada e agradável ao nacionalismo brasileiro, é

secundária relativamente aos mecanismos econômicos internos que a tornam viável. Isto significa que a organização da economia extrovertida cria dentro do país esferas de interesses e mecanismos que serão mais potentes que as ordens de Lisboa. Esta interiorização gradual da ordem colonial, da extroversão, é  um elemento importante da compreensão do desenvolvimento brasileiro. Quando Caio Prado Júnior escreve que a ordem colonial constitui no  Brasil uma economia "completamente estranha à população” (História ,pp. 104-105) simplifica o problema e torna mais difícil a  passagem do nível das contradições entre “nações” ao nível das contradições de classe: na realidade, os objetivos

O desenvolvimento orientado basicamente para os produtos agrícolas de exportação e atividades induzidas foi temporariamente diversificado, durante a fase colonial, por uma exploração mais próxima da acumulação primitiva: no início do século XVIII a busca de metais preciosos, que não havia deixado de estimular a imaginação de numerosos grupos de aventureiros — os "bandeirantes" —, deu os seus primeiros resultados com a descoberta do ouro em 1696, na região de Ouro Preto (Minas Gerais), e logo do diamante, no mesmo Estado, mas em quantidades menos importantes, em torno de 1730.

Já em 1702 a metrópole organizava o controle de todas as atividades mineiras, reservando-se o "quinto", e instalava no país um sistema de intendentes responsáveis diretamente perante o governo de Lisboa.

A fase mineira durou cerca de três quartos de século e as atividades produtivas retomaram o seu lugar na economia ainda no decorrer do século XVIII. A sua importância resulta, pois, mais das conseqüências estruturais do que do fluxo de riqueza que criou.

Do ponto de vista político, a diferença entre as atividades produtivas de exportação e a atividade extrativa mineral é profunda. As atividades produtivas eram baseadas num nível muito elevado de exploração da força de trabalho, mas a classe dirigente local à qual elas deram lugar estava profundamente identificada com o sistema extrovertido: desligada do mercado capitalista internacional, esta classe dirigente não teria outra perspectiva senão de reconverter-se para a agricultura de subsistência miserável, ou em todo o caso incapaz de lhe assegurar o mesmo nível de vida, visto a exigüidade do mercado interno. Pelo contrário, a atividade mineira envolvia um produto que os exploradores legais tinham todo o interesse em guardar, donde um profundo conflito de interesses que desembocou num movimento de revolta cuja profundidade foi longamente subestimada: a "Inconfidência Mineira".71 Umas dezenas de anos antes da independência, a classe dirigente local tomava corpo e consciência dos seus interesses específicos.

Do ponto de vista da estrutura econômica do país, constata-se um deslocamento importante do eixo econômico do país do Nordeste para o Sul. A capital não é mais Salvador mas, a partir de 1763, Rio de Janeiro. "As comunicações entre as minas e o estrangeiro fazem-se mais facilmente através deste porto, que se tornará o principal centro urbano da colônia. De um modo geral, é todo o setor Centro-Sul que toma o primeiro lugar entre as diferentes regiões do país, para conservá-lo até hoje".72

Do ponto de vista das atividades econômicas induzidas encontramos alterações importantes: em torno da população que aflui em busca do ouro —"trata-se não somente dos grandes proprietários que recebiam as concessões proporcionalmente ao número de escravos que podiam apresentar, mas também de pequenos exploradores semiclandestinos — organiza-se um embrião de desenvolvimento introvertido.

Antonil, que escreve no início do século XVIII, dá-nos a descrição seguinte da nova paisagem: "Desta montanha partem dois caminhos, um leva às Minas Gerais do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo e de Ouro Preto; o outro leva às Minas do Rio das Velhas. Cada um exige seis dias de viagem. E é somente a partir desta montada que começam, até onde a vista chega, as plantações de milho e de feijão onde vêm aprovisionar-se os que habitam e trabalham nas minas".73

A atividade agrícola alimentar não é a única destas atividades introvertidas estimuladas pela extração mineira: "Pela venda de bens comestíveis, de aguardente e de uva, muitos acumularam também em pouco tempo uma quantidade de ouro considerável. A razão disto é que os negros e os índios enquanto garimpavam na água escondiam bom número de pepitas e o ouro que retiravam

71"Pelo início de 1789, uma conspiração formidável havia sido organizada em Minas Gerais, apoiada por alguns dos

homens mais ricos e de maior influência e contando com um apoio importante no seio das tropas que estacionavam na região... A conspiração de Minas foi fundamentalmente um movimento da oligarquia, no interesse da oligarquia, em que o nome do povo seria evocado apenas como justificativo " (Kenneth R. Maxwell, Conflicts and Conspiracies: Brazil and Portugal, 175O-1808, Cambridge, U. P., 1973, pp. 139e 140).

72 Caio Prado Jr.,op.cit., p.65. 73 Antonil, op.cit., p.427.

tanto nos dias feriados como nas últimas horas do dia lhes pertencia; a maior parte deste ouro é assim gasto em comida e bebida e vai dando gradualmente grande lucro aos vendedores, da mesma forma que a chuva fina o traz habitualmente aos campos que rega silenciosamente e ininterruptamente, tornando-os assim muito férteis. E porque mesmo os homens mais ricos não deixaram de tirar lucro, por este modo, desta mina à flor do chão, empregando nesta exploração muito frutuosa negras para fazer a cozinha, mulatas para o fabrico dos doces e negros para manter

cabarets,fazendo vir dos portos de mar tudo o que a gula fez habitualmente desejar e buscar".74 A sobreposição de mecanismos capitalistas e de diferentes relações de exploração aparece claramente aqui. É de se notar também esta mais-valia "desvelada": o escravo trabalha durante o dia para o seu proprietário e algumas horas a mais — "as últimas horas do dia" e os dias feriados — para as suas próprias necessidades.

O desenvolvimento destas atividades reage sobre as atividades da agricultura de exportação: "Estes preços tão elevados e tão correntes das Minas causaram um aumento de preços de todas as coisas, como se vê nos portos das cidades e das vilas do Brasil, e muitos engenhos de açúcar estão desprovidos de escravos que necessitam e a população sofre uma grande falta de víveres porque se enviam quase todos ao lugar onde a sua venda produzirá maiores lucros".75

A proliferação das atividades introvertidas preocupa Portugal que, em 1785, "ordena a abolição das indústrias e das fábricas do país — para não tirar os braços necessários à cultura e para assegurar uma diferenciação do produto entre a colônia e a metrópole, que permita o desenvolvimento do comércio e a exportação do consumo dos produtos industriais da metrópole".76

Outros mecanismos assegurarão que essa lei tenha conteúdo. Por um lado, a riqueza em ouro e diamantes era limitada e esgotou-se rapidamente no último quarto de século. Por outro lado, as descobertas mecânicas permitiam na mesma época um rápido desenvolvimento da indústria têxtil inglesa e o algodão toma o lugar das atividades mineiras.77 Enfim, a riqueza dominante provinha das atividades exportadoras e o desvio da mão-de-obra para a mineração não podia ser senão marginal. Dentro do próprio país, a classe dirigente local o garantiria.

Uma última conseqüência, que acelerará o fim da "fase portuguesa", é o enfraquecimento da metrópole devido ao fluxo de ouro da colônia.78 Enquanto nos outros países da Europa esta riqueza se transformava em acumulação capitalista e em capacidade de produção maior, em Portugal ela vinha apenas reforçar a aristocracia parasita, que podia importar uma quantidade maior de bens manufaturados, enfraquecendo assim a sua própria base produtiva e retardando a passagem para o capitalismo industrial.

O despertar da classe dirigente brasileira, o enfraquecimento de Portugal e o dinamismo da indústria inglesa, que cada vez mais assegurava o controle dos mares, preparavam a eliminação de Portugal do seu papel de intermediário e a tomada de contato direto do capitalismo inglês com a economia brasileira.