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Reforço do Desequilíbrio Regional

A forma de desenvolvimento da economia implica, pois, simultaneamente, um aumento da produção para o mercado interno e, em conseqüência, uma interiorização da economia e um desequilíbrio regional crescente.

Já vimos a razão principal deste fenômeno: para além da concentração da infra-estrutura econômica e da capacidade de compra, trata-se do fato de que a extroversão econômica não permitiu o desenvolvimento, no interior do Brasil, de atividades diversificadas, e a criação de pequenos centros locais, em vez de dar lugar a uma integração econômica por efeito de interdependência e da complementaridade intra-regional destes centros, fez-se sob forma de ligação direta com a grande metrópole. Assim, à medida que a importância relativa do setor externo diminui, a dependência das regiões menos dinâmicas em relação ao eixo Rio—São Paulo toma proporções maiores.

83Preston James. grande admirador dos embriões da "scientific agriculture" criada entre Rio e São Paulo com a ajuda da Nelson Rockefeller American International Association for Economic and Social Development, considera perfeitamente Iógica esta polarização: “Se a agricultura (científica) deve dar lucro através da redução dos preços dos produtos agrícolas nos grandes mercados urbanos, deve ser inicialmente desenvolvida nos lugares facilmente acessíveis a estes mercados. Isto significa que a agricultura científica deve aparecer antes perto do Rio de Janeiro e de São Paulo” (Preston James, "Brazilian Agriculture Development", in: Simon Kuznets, ed.,

Economic Growth: Brazil, India, Japan, Durham, Duke U. P., 1955).

84Um estudo de Bertha K. Becker,The North of Espírito Santoas a Case Study for the

center-periphery model, Rio de Janeiro, 1971, constitui um bom exemplo de estudo dos efeitos de drenagem e de polarização interna ainda relativamente pouco estudados no Brasil.

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BRASIL - LOCALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL, 1907-191985

 Estados 1907 Valor da  produção Emprego 1919 Valor da  produção Emprego Distrito Federal Rio de Janeiro São Paulo

Rio Grande do Sul Outros 30,3 7,5 15,9 13,5 32,8 23,4 8,9 16,0 10,1 41,6 22,4 6,1 33,1 11,8 26,6 20,3 6,1 30,6 9,0 34,0 Brasil 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Constatamos a rapidez da concentração das atividades industriais em São Paulo, que passa de 15,9% a 33,1% do valor da produção industrial brasileira em pouco mais de dez anos. Por outro lado, notamos que o eixo Rio—São Paulo, que concentra 48 por cento do emprego industrial em 1907, concentra 57% do emprego em 1919.86

Uma pequena região do Brasil, e dentro desta região o Estado de São Paulo, atinge assim o que Whyte chama de "industrial preeminence".87  Fato importante, além desta predominância, que existiu em boa parte em muitas economias hoje desenvolvidas, esta região exercerá um paper fundamental na manutenção da dependência da economia brasileira relativamente ao desenvolvimento do capitalismo nas economias dominantes.

Com efeito, na medida em que o capitalismo dominante na sua fase imperialista exporta para o Brasil capitais e máquinas, o aumento da produção não resulta num arranque industrial do conjunto, mas na formação de um triângulo onde antes existia uma relação bilateral: a troca de matérias-primas contra produtos manufaturados é gradualmente substituída por um intercâmbio no qual, esquematicamente, o eixo Rio—São Paulo se torna exportador de bens manufaturados para as outras regiões do Brasil , das quais importa as matérias-primas para o seu consumo ou para venda no exterior (papel intermediário) em troca de bens de capital e, mais tarde, de tecnologia.

Esta transformação aparece naturalmente na evolução do intercâmbio inter-regional, como mostra a tabela da página seguinte.88

O comércio de cabotagem constitui um índice relativamente importante, na medida em que o comércio entre regiões longínquas como o Nordeste ou o Norte e o Centro-Sul devia, nesta época, utilizar essencialmente a via marítima.89  Ora, constatamos que o reforço da troca de

85 Villela e Suzigan,op. cit., p. 171.

86Por outro lado, Stein lembra que esta concentração industrial se dava na própria cidade, no Rio de Janeiro e em São Paulo: “É significativo no crescimento da indústria nos primeiros anos do século XX a concentração crescente da manufatura brasileira do algodão não só na área do Rio e de São Paulo, mas num perímetro de agumas milhas das duas áreas " (Stein,op. cit., p. 103). 87“O rápido acesso do Estado de São Paulo à preeminância industrial aparece claramente: a sua

 parte era de 31% em 1920, 44% em 1939 e 50% em 1949" (G. Whyte,op.cit., p. 50),

88 Roberto Simonsen,Evolução Industrial do Brasil, p. 33.

89Villela e Suzigan,op. cit., p.390:“Oito Estados, ou seja, seis do Norte e Nordeste e dois do Sul, realizavam entre 74 e 99 por cento do seu comércio interestadual por meio de cabotagem... As trocas comerciais entre o centro econômico do país, eixo Rio-São Paulo, e as regiões do

 Nordeste e do Sul faziam-se, na maioria, por meio de navios”. A tonelagem transportada passa de 1 190 mil toneladas em média por ano durante o período de 1921-23 para 1 780 mil

toneladas por alto durante o período 1924-29, e 3124 mil toneladas durante os anos 1940-45. Ver Villela e Suzigan, op.cit.,apêndice, p. 389, dados do IBGE.

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matérias-primas contra bens manufaturados ultrapassa sensivelmente o desenvolvimento da produção industrial.90

ÍNDICE DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL DO COMÉRCIO DE CABOTAGEM E DE IMPORTAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMAS, 1931-1938  Anos Valor da produção industrial Cabotagem  Matérias-primas Manufaturas (valor) (valor)  Importação de  matérias-primas estrangeiras (toneladas) 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 100 95 102 117 145 166 193 206 100 99 113 137 170 201 223 235 100 117 116 185 221 247 269 252 100 94 107 104 118 125 145 136

Vemos, pois, que é o desequilíbrio interno, ou seja, a divisão capitalista inter-regional de trabalho à qual assistimos, que torna possível o desenvolvimento industrial sem ruptura das estruturas extrovertidas da economia e da dependência, e podemos subscrever a conclusão de Mílton Santos: "A maturidade industrial atingida por uma região dinâmica, sonhada por Albert Hirschman como solução espontânea ao problema do subdesenvolvimento, não contribui de maneira alguma para facilitar a sua distribuição... As desigualdades regionais agravam-se". 91

Trata-se, pois, essencialmente de um deslocamento das bases técnicas da relação de dependência, deslocamento que implica necessariamente o desenvolvimento da produção industrial interna. Fazendo-se o desenvolvimento desta produção sobre a base da reprodução das estruturas econômicas extrovertidas — a demanda de São Paulo vai conservar a produção do açúcar e do algodão no Nordeste e impedir a sua reconversão econômica — a estrutura dicotômica do mercado é mantida e em geral reforçada pelas necessidades da acumulação do eixo Rio—São Paulo e das economias dominantes.

Nesta perspectiva, a afirmação de Francisco Oliveira, que pretende que "foram as necessidades da acumulação e não as do consumo que orientaram o processo de industrialização", aparece como errada na medida em que coloca os dois termos no plano de alternativa: o modo de acumulação e de realização entredeterminam-se e formam neste caso um conjunto inseparável que se reproduz.92

Em suma, o "geographic overlapping" de que fala Conceição Tavares, que sobrepõe uma dinâmica de exportação clássica, esforços de infra-estrutura extremamente concentrados e capitais importantes por um lado, e por outro lado um esforço de industrialização e de diversificação

90“Não tenho dúvidas em afirmar", escreve Simonsen, "que as indústrias nacionais consumiram em 1938 mais de 5 bilhões de contos em matérias-primas e que, deste valor, mais de 4 bilhões foram adquiridos nos nossos mercados nacionais”. Simonsen congratula-se com o ato de “já se operar um tecido salutar de relações entre as diversas regiões do país" (Evolução Industrial, p. 33). É de se notar que o economista é às vezes obscurecido pelo político e Simonsen, que era representante da Federação dos Industriais de São Paulo e votará pela ilegalidade do Partido Comunista, não hesita em atribuir, uma página mais adiante, a miséria das “grandes zonas agrícolas brasileira” à sua “autarcia", à “facilidade da alimentação e clemância do clima”, bem como das “restrições internacionais postas pelos países imperialistas ao comércio de  produtos tropicais” (Simonsen,op. cit., p. 34).

91 Milton Santos,Brazil: an Underdeveloped and Industrialized Country,Toronto, 1973, p.7.

92 Francisco Oliveira, A Economia Brasileira: Notas para Uma Revisão Teórica (policopiado), Paris, 1974.

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da economia, dá lugar a um duplo movimento, consistindo numa interiorização da economia, à qual corresponde uma polarização interna.93

Assim, a integração da economia realiza-se gradualmente em termos internos. No entanto, o fato de se tratar de uma economia capitalista que desenvolve as trocas internas a partir do comércio exterior — de certa maneira o Brasil passa do comércio internacional ao comércio interno, desenvolve a economia nacional sobre a base da economia internacional e não inversamente — dá a esta integração uma forma particular, caracterizada pela reformação, a partir de um pólo dominante interno, do intercâmbio clássico, cujo interesse econômico se reduz gradualmente no plano internacional. As economias dominantes continuarão a comprar produtos primários, mas trocá- los-ão contra produtos de alta composição de valor agregado, e o intercâmbio clássico no plano interno complementa harmoniosamente o ciclo, na medida em que reforça o mercado de luxo (manutenção da concentração do rendimento) e o mercado de bens de capital (os produtos manufaturados podendo ser trocados por matérias-primas produzidas no país).

Movimento de 1930 —