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Paraense e filha primogênita de um casal de filhos, de uma família católica e da classe média, teve a oportunidade de estudar no Colégio Suíço-Brasileiro, que na época trazia fortes traços da educação suíça ao apresentar a obrigatoriedade da educação física no ensino primário. Nessa disciplina, ficou por cinco anos sob a orientação da professora Dica, sua fomentadora pelo gosto das atividades físicas.

Ao fazer o colegial na Escola Normal – IEP, tomou conhecimento da Ginástica Feminina Moderna com a professora Sônia, que lhe ensinou os princípios básicos deste tipo de atividade física, assim como a aprimorar suas habilidades motoras, além de acrescentar o prazer pela descoberta do movimento, do ritmo corporal, da expressão e do trabalho em grupo. Paralelamente, conheceu Augusto Rodrigues, famoso professor de balé de Belém. Eni mencionou na entrevista que ficou muito grata pela oportunidade dada por este professor e amigo ao ensinar-lhe seus primeiros passos no balé. Após o colegial começou a trabalhar como professora de educação física, con- cursada pela UFPA.

Ao terminar seus estudos, resolveu ir para o Rio de Janeiro prestar vestibular para Educação Física na Universidade Brasileira, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, saindo de casa aos dezoito anos com apoio dos seus pais e com uma bolsa do Estado para ajuda de custo de seus estudos. Ao iniciar a faculdade, conheceu o currículo do curso e ficou feliz ao saber que veria a disciplina Dança por três anos. A partir daquele momento seus horizontes ampliaram, conheceu a professora da disciplina, Maria Helena de Sá Earp ou somente Helenita Sá Earp, uma pessoa fundamental em sua carreira.

Por meio dessa docente da disciplina de Dança, Eni conhece Mary Wigman, Marta Graham e Isadora Duncan, e os princípios, técnicas e filosofias específicas de cada artista. Apaixona-se por Isadora, que defende a liberdade de movimento, e tais ensinamentos a estimulam na busca de sua maneira particular de expressar suas inquietudes e o seu modo de ver o mundo.

O encantamento a fez lembrar o período em que estudava piano no Conservatório Carlos Gomes, quando tinha pouca paciência de ficar horas estudando teoria e técnica do instrumento, pois o desejo maior era criar, compor no piano. Por isso, os princípios básicos da dança de Isadora Duncan foram um marco em sua vida. Criar era o que lhe dava mais prazer de fazer.

Com intuito de aproveitar a oportunidade de estudar mais a Dança, fez aulas com Nina Verchinina, Dalal Achcar e Eugenia Federova. Além dos contatos com esses mestres, fez aulas no grupo de dança da UFRJ, dirigido por sua professora Helenita S. Earp. Envolvida com os estudos, conta que infelizmente não podia se dedicar inteiramente à Dança, pois estava na faculdade com uma

bolsa e precisaria dar conta de seus estudos. Seu interesse pelo desporto a fez aprender esgrima na faculdade.

Ao retornar a Belém, fez a proposta de um curso de dança moderna para Nagib Matni, diretor dos serviços de educação física do Estado, subordinado à Secretaria de Educação e Cultura do Estado e ao diretor do Teatro da Paz, para que o curso pudesse ocorrer nas dependências do teatro. Todavia, foi informada de que Marbo Giannanccini gostaria de conhecê-la e que estava interessado em coordenar seu curso. O referido professor de teatro convenceu Eni a ministrá-lo, também, pela Universidade Federal do Pará propondo, assim, um convênio com a Secretaria de Educação e Cultura do Estado e a UFPA, o qual foi aceito. O curso foi tão bem sucedido que Eni foi convidada a retornar para a UFPA, dando continuidade ao que passaria a ser chamado de Curso Experimental em Dança.

Em 1968, Marbo Giannaccini a convidou para ser sua parceira na direção do Conjunto Coreográfico da UFPA, formado pelas dançarinas do curso experimental e da comunidade de Dança da cidade. Dele fizeram parte: Beth Gomes, Augusto Rodrigues, Carlos Sta. Brígida, Teka Salé, Caju-Milha, Cicília, Luizinha Bezerra, Regeane Coutinho, Edna Farias, Carmen Lília, Marilene Melo, Sônia Massud, entre outros. Dessa maneira, a Dança se instalou na UFPA definitivamente, ficando subordinada ao Serviço de Teatro da UFPA, que funcionava no Teatro Martins Pena.

O propósito pedagógico do referido curso era o conhecimento do corpo através das técnicas relacionadas à consciência corporal objetivando expressar-se livremente através do corpo, ou seja, descobrir possibilidades de movimento. Complementavam esse ensino os laboratórios de criação e técnicas de interpretação de teatro, nos quais era auxiliada pelo professor Marbo Giannaccini. Sua metodologia reunia tudo o que havia aprendido com Helenita S. Earp e nos cursos feitos no Rio de Janeiro.

Como trabalhava na Escola de Teatro, passou a ministrar aulas de Expressão Corporal para o curso de teatro. Com o tempo, seu trabalho foi reconhecido pelos diretores da escola como Rubens Corrêa Filho e Waldemar Henrique, por meio de cartas de congratulação. Seu nome chegou a ser indicado para a direção da escola por Maria Sylvia (atriz, professora e uma das fundadoras da Escola de Teatro); recusou, porém, por pensar que à frente da Escola deveria estar alguém que realmente conhecesse administração e pertencesse à área do teatro.

No mesmo período, a professora Eni, que era, também, diretora geral do Conjunto Coreográfico da UFPA, foi convidada pelo Prof. Nagib Matni para elaborar o Projeto Político-Pedagógico do Curso Superior de Educação Física do Estado do Pará a ser implantado oficialmente. Ao fazer parte do projeto incluiu no currículo do curso a Dança, porém com o nome de Rítmica.

Na citada disciplina, subdividida de I a IV, aprendia-se a iniciação ao ritmo com professores de música, no primeiro semestre. No segundo e terceiro semestres, elementos técnicos básicos da

Dança baseados no Sistema Universal de Dança – SUD, criado segundo as pesquisas de Helenita S. Earp (hoje este sistema é denominado de Teoria dos Fundamentos da Dança), com professoras de Dança e, no último semestre, processo criativo para montagem coreográfica que culminava com a criação coletiva de um espetáculo didático realizado pelos alunos e orientado pela mestra Eni Corrêa. Ressalto que no final de cada semestre dessa disciplina, os discentes apresentavam trabalhos de criação para o público.

O resultado do espetáculo não era o mais importante, entretanto os alunos se esmeravam para fazer uma apresentação de boa qualidade. O importante era o desenvolvimento do processo criativo. Nele, aprendia-se como pesquisar, organizar, dirigir, coreografar, discutir sobre cenário, objetos cênicos e figurinos para o espetáculo. Para a mestra, essa vivência e experiência eram funda- mentais para a vida profissional do futuro professor de educação física. Seu principal objetivo era educar através da Dança, diferente do projeto da UFPA, que objetivava formar bailarinos, ou seja, educá-los para a arte de dançar.

Os princípios açambarcados por Eni Corrêa relacionavam-se ao corpo do outro, um método trilhado para o desenvolvimento das potencialidades e habilidades motoras e da sensibilidade criativa dos alunos e bailarinos. Para isso, ela buscava conhecê-los e incentivá-los a criar a partir de suas experiências vividas e conhecimentos adquiridos.

Entrevistando Eni Corrêa, percebi o quanto Helenita Sá Earp a influenciou profissional e pesso- almente, através de sua filosofia e atitudes. Para a mestra, Helenita era uma mulher à frente de seu tempo; seus pensamentos estavam voltados para o estudo e pesquisa para o movimento do corpo, tanto no aspecto artístico quanto educacional.

A educadora envolvia, em sua disciplina, outros profissionais de áreas afins para complemen- tar o ensino-aprendizado dos conteúdos que ministrava, como fisiologia, anatomia, biologia e cinesiologia, para permearem seus conhecimentos com a Dança, incentivando, dessa maneira, seus alunos a fazerem cursos com outros professores para diversificarem seus conhecimentos. Uma atitude singular em um período em que o ensino era tão tradicional. É importante frisar que Corrêa tinha as mesmas atitudes quando convidava professores ou bailarinos/professores para ministrar cursos e coreografar.

O incêndio ocorrido na Escola de Teatro em 1969, deixou Corrêa sem espaço para trabalhar, até surgir o espaço físico de Serviços de Atividades Musicais - SAM, o qual oportunizou a continu- ação do curso e do Conjunto Coreográfico, e os primeiros processos criativos coreográficos em parceria com Marbo Giannaccini, tais como: Fragmentos Coreográficos, Sagração da Primavera e Inês de Castro, apresentados no Sesc, Cinema Moderno e no projeto de grupos artísticos, no projeto denominado Barca da Cultura, que propiciou a divulgação do Conjunto e de suas peças coreográficas pelos municípios paraenses; uma experiência ímpar para as jovens bailarinas e a diretora no final dos anos 1960.

Responsável pelo Conjunto e em plena ascensão no início dos anos 1970, a Dança na UFPA ficou sob a supervisão da Pró-Reitoria de Extensão. Cinco anos depois, Corrêa afastou-se para uma especialização em Dança na UFRJ, deixando Teka Salé responsável pelo curso e pelo Conjunto. No decorrer de sua especialização, Corrêa foi incluída no grupo de Dança da UFRJ, que continuava sob a direção de Helenita Sá Earp, além de ter conhecido Klauss e Angel Viana. Em seu retorno, decidiu ficar somente com o Grupo Coreográfico, em virtude da redução da carga horária de trabalho, e até por vir com muitas ideias para realizar. Entretanto, por não ter espaço físico, utilizava a sala de dança da Escola Superior de Educação Física, cedida pela direção da ESEF. O local tornava-se um celeiro para o grupo, por haver muitos alunos interessados em participar, assim como muitos bailarinos existentes.

Ao instalar-se no espaço, resolveu, juntamente com as bailarinas, apresentar no Teatro da Paz uma aula didático-artística com laboratório de improvisação e estudo coreográfico. A aula-espetáculo tinha como um dos objetivos a formação de plateia e a interação com o público, que acontecia com as crianças e os jovens no final da apresentação.

Depois desse evento, dirigiu inúmeras peças de Dança e participou da criação de várias coreo- grafias, incentivando a criação coletiva e o processo criativo colaborativo. É importante salientar que Eni Corrêa não assinava as coreografias por compartilhar a criação com seus bailarinos. Este assunto será comentado mais adiante.

Os espetáculos do grupo ganhavam destaque na cena contemporânea paraense por apresentar produções estéticas inusitadas: multiplicidade de linguagens artísticas, não-bailarinos em cena, adaptação de textos dramáticos, poemas, questões ecológicas sobre a Amazônia, releituras sobre o imaginário amazônico, danças aéreas, entre outras novas concepções de criação.

As peças que mais se destacaram sob sua direção artística foram as seguintes: Abstração nº 1,

Abstração nº 2, Missa Crioula, O Santo Inquérito, Recontando a Vida, Imagens (coreografia

Jaime Amaral e Eni Corrêa). As coreografias (direção artística): Manandeua, Rapsódia Amazônica (criação coletiva), Ritual à Natureza (criação coletiva), Ventos Brancos (coreógrafa Beth Gomes),

Dançando Waldemar Henrique (criação coletiva).

No programa de TV chamado Ribalta, em que foi homenageada pela sua carreira artística, Margaret Refkalefksy, então diretora do Teatro Cláudio Barradas da UFPA e idealizadora do referido projeto, perguntou a Corrêa como conseguia reunir nos espetáculos atores, bailarinos, músicos, cantores líricos, coral e orquestra, tal multiplicidade com tanta unidade? Respondeu que o segredo estava no prazer de compartilhar ideias, no saber ouvir e em seu projeto de vida de trabalhar com a pluralidade das artes. Com sua sensibilidade, Eni soube desfrutar da possibi- lidade de integrar as várias linguagens artísticas existentes na UFPA, apesar dos parcos recursos oferecidos naquela época.

Sua sensibilidade perceptiva para dirigir processos criativos se estendia a uma capacidade de perceber estudantes com potencial para a Dança, independentemente de ter ou não domínio de técnica corporal ou de outra linguagem; com sutileza, convencia o estudante a integrar o grupo. Por essa visão, tinha um elenco muito heterogêneo quanto a habilidades técnicas, mas com um potencial que somente ela sabia desvelar.

A força artística que desenvolveu no Grupo Coreográfico possibilitou, por meio de seus proje- tos, a contratação de novos professores de Dança de distintas linguagens e a criar a Escola de Dança, que conjuntamente com a Escola de Teatro, tornaram-se Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará.

APÊNDICE B – TRAMAS DA VIDA: FORMAÇÃO,