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INDÍCIOS DO PROCESSO COLABORATIVO NO PERCURSO DA DANÇA ARTÍSTICA DO GRUPO COREOGRÁFICO

3. TESSITURAS CARTOGRÁFICAS DA CRIAÇÃO COLABORATIVA NA ETDUFPA

3.3. INDÍCIOS DO PROCESSO COLABORATIVO NO PERCURSO DA DANÇA ARTÍSTICA DO GRUPO COREOGRÁFICO

Tratar do processo colaborativo do Grupo Coreográfico da UFPA é adentrar em uma história por meio de uma tessitura de linhas de força que possibilitaram novos direcionamentos para a cria- ção estética. Qualidades como persistência, ousadia e a decisão de Eni Corrêa para consolidar a dança na UFPA produziram significativas transformações não somente na produção artística, mas em seu próprio processo de motivar a criação coletiva e colaborativa nos bailarinos. Portanto, procuramos agora elucidar o começo desse processo da elaboração artística vivenciado no Grupo Coreográfico.

Vimos que o fomento artístico na década de 1960 na UFPA abriu espaço para a dança por meio de Giannaccini. Acreditando firmemente que precisava inserir a Dança na Universidade, ele viu seu desejo ser realizado ao ter como parceira Eni Corrêa, uma artista da Dança Moderna e incentivadora dos princípios da autonomia da criação. O professor convidou-a e tornou possível o Curso de Iniciação à Dança, realizado no segundo semestre de 1967, ministrado e proposto por Eni Corrêa. Seu sucesso propiciou o retorno da professora à UFPA e a criação do Curso Experimental em Dança, ministrado por ambos, com os laboratórios de Teatro, bem como a criação do Conjunto Coreográfico da UFPA, 23 a princípio sob a direção dele e coordenação dela.

A parceria dos dois foi um compartilhamento de conhecimentos, experiências, vivências, a partir dos interesses e desejos de instaurar uma nova estética na Dança cênica paraense. Na visão de Eni Corrêa, “não havia hierarquização em relação às funções, mas sim grandes companheiros em função de um ideal” (entrevista, 2010).

Fazendo este exercício retrospectivo, percebemos que a colaboração encontrava-se no bojo de suas ações. Indicamos aqui dois fortes elementos que nos conduzem a esta afirmação: a divi- são de tarefas e de conteúdos ministrados no curso; uma realização horizontal ao compartilhar atividades e responsabilidades com todo o grupo, a fim de mobilizar uma linguagem mais con- temporânea e promover a autonomia de cada participante. Portanto, podemos reafirmar que, nessa fase, o processo colaborativo já funcionava – e pode ser entendido – como um fenômeno ligado à conjuntura sociopolítica e aos elementos motivacionais e ideológicos mais singulares desses dois sujeitos, Marbo Giannaccini e Eni Corrêa. Contudo, não vemos aí, ainda, o processo colaborativo como um dispositivo teórico-metodológico introduzido de forma consciente com objetivos político-pedagógicos específicos.

Eni Corrêa era responsável pela preparação corporal das bailarinas e seu método de trabalho aglutinava técnicas de Dança Moderna, laboratórios de improvisação, criação teatral, (os labo- ratórios de interpretação teatral eram compartilhados com Giannaccini). Assim, os princípios 23 O nome do Conjunto Coreográfico muda para Grupo Coreográfico no decorrer da década de 1970.

relacionavam-se ao corpo do outro, buscando promover o desenvolvimento das potencialida- des, habilidades motoras e sensibilidade criativa dos bailarinos. Era necessário conhecê-los para incentivar a criação a partir de experiências vividas e dos conhecimentos adquiridos com a professora. Entretanto, é preciso dizer que a criação coreográfica nesse período ficara sob a responsabilidade do diretor.

O elenco do grupo é, então, formado pelas (os) bailarinas (os) que se destacam no primeiro curso ministrado por Eni Corrêa. Eram adolescentes e possuíam, segundo a professora, grande potencial artístico. Para sua surpresa, contudo, um grande amigo inscreve-se para fazer o curso e integrar o grupo, o professor e bailarino Augusto Rodrigues, já mencionado acima.

As primeiras montagens coreográficas realizadas por Giannaccini – Fragmentos Coreográficos,

Sagração da Primavera e Inês de Castro – tinham Eni Corrêa como assistente coreográfica. Essas

produções foram apresentadas no SESC, no Cinema Moderno e no projeto de grupos artísticos, denominado Barca da Cultura, no final de 1974. A participação do Conjunto Coreográfico nesse projeto propiciou a divulgação de seus trabalhos artísticos nos municípios paraenses.

Em 1969, Giannaccini se afasta para realizar uma pós-graduação, deixando Eni Corrêa respon- sável pelo Conjunto. Em plena ascensão no início dos anos 1970, a Dança na UFPA fica sob a supervisão da Pró-Reitoria de Extensão. Eni resolve, juntamente com as bailarinas, apresentar uma aula didático-artística com laboratório de improvisação, movimentos acrobáticos e estudo coreográfico no Teatro da Paz. O primeiro momento foi uma aula coreografada, na barra, na qual Corrêa explicava o objetivo da sequência, a função dos movimentos e suas nomenclaturas; em seguida, no centro, movimentos acrobáticos e a improvisação com interação do público. Para a preparação desse espetáculo, a coreógrafa já solicitava a colaboração das bailarinas quanto à organização da estrutura da apresentação.

Ao assumir um cargo de diretor no Centro Serviço de Atividades Musicais – SAM, em 1972, hoje, Escola de Música da UFPA – EMUFPA, após seu retorno da pós-graduação, Giannaccini retoma sua atividade com o Conjunto Coreográfico, definindo um novo espaço para as aulas e ensaio do grupo, o SAM. Entretanto, mais uma vez, sua presença é passageira, pois ele logo se afasta para atuar como diretor na Secretaria de Cultura do Estado do Pará.

Em 1975, Eni Corrêa afasta-se para uma especialização em Dança na UFRJ. Confiante no trabalho que desenvolvera com as bailarinas do grupo, propõe que uma das bailarinas graduadas ficasse responsável pela preparação técnica e que os processos coreográficos fossem coletivos. A Pró- Reitoria de Extensão indica Teka Salé 24 para assumir a direção, por fazer parte da UFPA, e ela

permanece no posto até o retorno de Eni Corrêa. O pedido de continuar o processo de criação coletiva sem sua presença não foi possível, porém a mestra já vinha experimentando, de modo 24 Teka Salé foi bailarina do primeiro elenco do Grupo Coreográfico. Ao ficar à frente do grupo como diretora, coreógrafa e preparadora corporal, manteve os propósitos de Giannaccini e Corrêa.

preliminar, como argumentei acima, o processo criativo colaborativo; entretanto, ela sempre se referia ao processo apenas como “coletivo”.

Ao retornar, em 1977, fica sem espaço para trabalhar com o Grupo Coreográfico e continuar as aulas do curso, culminando com a saída definitiva de Giannaccini. Determinada a colocar suas ideias em prática, principalmente no campo artístico, Eni solicita e consegue a sala de Dança da Escola de Educação Física. O local se torna um celeiro para o grupo; muitos alunos desse curso se interessam em participar, bem como algumas bailarinas que haviam iniciado suas trajetórias de formação com a professora.

Com a convivência e experiência como assistente coreográfica de Giannaccini, e posteriormente com suas experimentações e coreografias, ela resolve produzir um espetáculo artístico em 1983. Naquele ano, inicia sua trajetória como diretora geral e artística, assim como coreógrafa do Grupo Coreográfico; gradativamente, vai introduzindo o processo criativo colaborativo entre o elenco. Podemos apontar aí, retrospectivamente, já um começo mais estruturado de método de trabalho que envolvia efetivamente a participação de todos os integrantes do grupo no processo de criação. Eni acreditava que os intérpretes-criadores deveriam ter autonomia, conhecimento, gosto pela pesquisa, estudo e criação.

Os espetáculos do grupo ganharam destaque na cena contemporânea paraense por apresentar elementos inusitados: a presença de diferentes linguagens artísticas; não bailarinos em cena; adaptação de textos dramáticos, poemas, juntamente com textos referentes a questões ecológicas sobre a Amazônia; releituras sobre o imaginário amazônico; danças aéreas, entre outras novas concepções de criação.

As peças que mais se destacaram sob sua direção artística são as seguintes: Abstração nº 1,

Abstração nº 2 (1982) e O Santo Inquérito (1983); Missa Crioula (1987, criação coletiva), Imagens (1990, com coreografia de Jaime Amaral na 1ª parte e criação coletiva na 2ª parte); Recontando a Vida (1992, criação coletiva). As coreografias (sob sua direção artística) Maiandeua, Rapsódia Amazônica (criação coletiva), Ritual à Natureza (criação coletiva), Ventos Brancos

(1989) (coreografia de Beth Gomes), Dançando Waldemar Henrique (1988, criação coletiva). O procedimento para mobilizar a participação dos integrantes do grupo era um modo de fomentar a criatividade e garantir o respeito à individualidade dos intérpretes-criadores, além de estimular uma prática que se aprende somente no experienciar e no vivenciar, o que traz à tona a sensibi- lidade artística e criativa de cada componente do grupo. Tudo por meio da “colaboração” e da “cooperação”, partilhando ideias, propostas, sentimentos e emoções. Um processo que se repli- cou por quem experimentou e se tornou professor de Dança ou diretor de grupo ou companhia. Do mesmo modo que envolvia os intérpretes-criadores nesse processo, Eni Corrêa recebia a co- laboração de artistas de outras linguagens, principalmente, de grupos artísticos e artistas colegas

da casa em que trabalhava. Por isso, no Programa Ribalta, já citado, em que foi homenageada por sua carreira artística, Margaret Refkalefsky perguntou a Corrêa “como conseguia reunir nos espetáculos atores, bailarinos, músicos, cantores líricos, coral e orquestra, essa multiplicidade com tanta unidade?” Eni respondeu que o segredo estava no prazer de compartilhar ideias, no saber ouvir e em seu projeto de vida de trabalhar com a pluralidade das artes” (RIBALTA, 2011). Com sua inteligência e sensibilidade, ela soube desfrutar a integração das várias linguagens artísticas existentes na UFPA. Um aprendizado ímpar para quem estava no Grupo.

Nos anos 1980, Eni ampliou a colaboração no processo de montagem de espetáculo, dividindo a responsabilidade com a direção e o elenco, fortalecendo a função do grupo, que é “canalizar tanto as necessidades pessoais como as coletivas” (GALLETI, 2006, p. 72), em prol de um objetivo. Para entender os procedimentos de Corrêa visando destacar o processo criativo colaborativo entre os integrantes do Grupo Coreográfico, daremos um relato reflexivo como ex-bailarina do grupo no final dos anos 1980, baseando-nos em nossas experiências adquiridas na ETDUFPA.

Figura 8 – Diretora Margaret Refkalefsky e o ator, diretor e dramaturgo Cláudio Barradas.

Foto tirada na inauguração do TUCB – Teatro Universitário Cláudio Barradas.

3.4. PROCEDIMENTOS DE ENI CORRÊA NO PCC DO GRUPO COREOGRÁFICO DA