Preto Cismado
Aláfia
Composição: Eduardo Brechó Ano:2017
Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=I4FOdXCx3D0 > . Acesso em 17 set. 2018.
Você diz desinfeliz
Que somos pretos cismados Muito ensimesmados Pro teu prisma mestiço
Você diz que racismo num é isso Pasme, primo, mas quem cisma é O estado
Você diz, mas aí, nem cisque pro Nosso lado
Desta lista, nos risque Disque pra outro pardo
Não posso acreditar que existe um Deus que feche com a segregação Não posso acreditar que existe um Deus que feche com a segregação Gênero, cor, religião
E todo dia toda hora outra treta se Transforma em mais um que chegará Para lutar
Que venham guerreiros guerreiras De mira certeira
O alvo é um mundo onde possa se amar Não vou arregar não vou me entregar Se é o que eles querem vão ficar No desejo
Sou forte, sou preto sou filho dos guetos Dos reinos Savanas eu sou brasileiro Eu vejo o descaso são mortes desprezo Muleque que morre pra nós pesadelo Pra eles noticia, mais um que foi Riscado pela policia!
Afaste seu racismo pra lá
Sua força e suas regras já não podem Parar a revolução
Você diz
Que eu sou uma preta cismada Que não ri da sua piada
Racista e machista
Diz que a minha dor não é nada E acha até engraçada
Quer ser meu carma infeliz, não não Eu sou a voz encarnada
De todas essas quebradas Onde a policia é juiz Alvo marcado de giz Alvejada. Quando não
Alvejante clareia tudo que eu fiz, né não? Herança da escravidão
Apropriação te fez um jão
Que só enxerga o próprio umbigo E vai falar que tem amigo negão Mas quando encontra um na rua Grita: Perigo!
Ouça o que eu digo Não é teoria
A falsa abolição que não me Trouxe melhoria
Coisificam o meu corpo todo dia Resisto, pobre, preta, periferia!
Feito a cena triste e violenta de um assalto Me sinto rendido, vítima de mãos ao alto Penso estar cercado, acuado tô fudido! Eu que sou lesado e visto como bandido
Olhos me espreitam, calculam meus movimentos Fui sentenciado a viver feito detento
Sou espionado, vigiado, pelos cachorro grande Firmo a cabeça pra que nada aqui desande Meu pai caçador me falou dessa trilha Me fez flechador pra enfrentar a guerrilha Olho para os lados todo mundo quase cego De cabeça baixa vão teclando sob o ego Pra onde correr, escapar da injustiça? Aqui não tem boi, eles querem carniça Não rezo sua missa, meu instinto é selvagem A fé que existe em mim, leva o nome de coragem
Você diz desinfeliz
Que somos pretos cismados
Muito ensimesmados pro teu prisma mestiço Você diz que racismo num é isso
Pasme, primo mas quem cisma é o estado Você diz, mas aí, nem cisque pro nosso lado Desta lista, nos risque disque pra outro pardo Não posso acreditar que existe um
Deus que feche com a segregação Não posso acreditar que existe um
Deus que feche com a segregação Gênero, cor, religião
Oração pela libertação dos povos indígenas
Eliana Potiguara
In: POTIGUARA, E. Metade cara, metade máscara. Lorena, DM Projetos Especiais-UK’A editorial, p. 31-2.
dedicado a marçal tupã-y , cacique guarani nhandewa assassinado em 1983
parem de podar as minhas folhas e tirar a minha enxada basta de afogar as minhas crenças e torar minha raiz
cessem de arrancar os meus pulmões e sufocar minha razão chega de matar minha cantigas e calar a minha voz.
não se seca a raiz de quem tem sementes espalhadas pela terra pra brotar.
não se apaga dos avós _ rica memória veia ancestral: rituais pra se lembrar não se aparam largas asas
que o céu é liberdade e a fé é encontrá-la.
rogai por nós, meu pai – xamã pra que o espírito ruim da mata
não provoque a fraqueza, a miséria e a morte. rogai por nós _ terra nossa mãe
pra que essas roupas rotas e esses homens maus
se acabem ao toque dos maracás.
afastai-nos das desgraças, da cachaça e da discórdia, ajudai a unidade entre as nações.
alumiai homens, mulheres e crianças,
apagai entre os fortes a inveja e a ingratidão. dai-nos a luz, fé a vida nas pajelanças, evitai, ó tupã, a violência e a matança. num lugar sagrado junto ao igarapé
nas noites de luas cheia , ó marçal, chamai os espíritos das rochas pra dançarmos o toré. trazei-nos nas festas da mandioca e pajés uma resistência de vida
após bebermos nossa chicha com fé. rogai por nós, ave-dos céus
pra que venham onças, caititus, siriemas e capivaras cingir rios juruena, são francisco e paraná.
cingir até os mares do atlântico porque pacíficos somos , no entanto. mostrai nosso caminho feito boto alumiai pro futuro nossa estrela ajudai a tocar as flautas mágicas pra vos cantar uma cantiga de oferenda
ou dançar num ritual iamaká. rogai por nós, ave-xamã
no nordeste, no ul toda a manhã
no amazonas, agreste ou no coração da cunhã. rogai por nós, araras , pintados ou tatus vinde em nosso encontro
meu deus _ nhendiru! fazei feliz nossa mintã
que de barrigas índias vão renascer.
dai-nos cada dia a esperança porque só pedimos terra e paz pra nossas pobres- essas ricas crianças.
Enquanto falo, enquanto escrevo, enquanto ando
Grada Kilomba
Vídeo-instalação, 2015
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UKUaOwfmA9w >. Acesso em 17 set. 2018
Transcrição do trecho: Às vezes eu temo escrever. A escrita se transforma em medo, Para que eu não possa escapar de tantas Construções coloniais.
Nesse mundo,
Eu sou vista como um corpo que Não pode produzir conhecimento, Como um corpo fora do lugar. Eu sei que, enquanto escrevo, Cada palavra escolhida por mim Será examinada,
E, Provavelmente, deslegitimada. Então, por que eu escrevo? Eu tenho que fazê-lo
Eu estou incrustada numa história De silêncios impostos,
De vozes torturadas,
De línguas interrompidas por Idiomas forçados e
Interrompidas falas. Estou rodeada por Espaços brancos
Onde, dificilmente, eu posso adentrar e permanecer. Então, por que eu escrevo?
Escrevo, quase como na obrigação, Para encontrar a mim mesma. Enquanto eu escrevo
Mas a própria voz Não o objeto, Mas o sujeito.
Torno-me aquela que descreve E não a que é descrita
Eu me torno autora, E a autoridade
Em minha própria história Eu me torno a oposição absoluta
Ao que o projeto colonial predeterminou Eu retorno a mim mesma