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Gritar, mesmo que por outras bocas estampadas no tecido ou outros nomes na parede

A instalação é composta por três painéis costurados, dois vídeos (com imagens do mar) e dois feixes de madeira em que se misturam galhos e figuras de braços. De acordo com o texto da autora para material educativo da exposição, o trabalho “mostra o caminho percorrido (vídeo-imagens do mar), os braços que vieram para o trabalho e, principalmente, o assentamento das bases de uma cultura nova e vibrante” (PAULINO, 2013, p.4). Vale lembrar que o termo assentamento não se refere apenas aos aspectos sociais; no candomblé e na umbanda, assentamento alude ao ser ou objeto em que se assentam as energias sagradas das entidades religiosas. Dessa forma, a instalação pensa sobre o trânsito do corpo, que é indissociável do trânsito das energias espirituais. Se o corpo pode ser domado pelo trabalho escravo, o axé vibra incontido, ficando raízes e inventando novas formas de existir na diáspora.

Mas é sobre os painéis costurados que repousa a força da instalação. Rosana escolhe a imagem de uma mulher negra anônima, captada pelo fotógrafo franco-suíço Augusto Stahl, residente no Rio de Janeiro no século XIX. As séries de imagens captadas por Stahl tinham a intenção de registrar tipos raciais puros, fotografando negros e negras africanos em três posições: frente, costas e perfil. A cientificidade presente nas imagens é reflexo da encomenda do zoólogo suíço Louis Agassiz, que entre 1865 e 1866 comandou uma expedição científica no Brasil (Expedição Thayer) com o intuito de coletar dados com os quais comprovasse a superioridade da etnia branca.

A artista amplia as impressões da fotografia em três grandes painéis de linóleo. Olhamos então para uma figura que nos encara em tamanho real, nua. Há, entretanto, ruídos que invadem a (pseudo)cientificidade original da imagem: recortada e remontada com costura aparente, os pequenos desvios da montagem desencontram membros, e insere-se um coração que vaza nas linhas bordadas.

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19 Detalhe da instalação Assentamento (Rosana Paulino, 2013). Disponível em:

A materialidade escolhida pela artista para abordar as marcas -visíveis e invisíveis- de todo o processo histórico nos corpos e memórias ganha força pois evidencia a manipulação sobre a imagem que representa o corpo; manipulação é aqui entendida tanto no sentido de trabalho realizado pelas mãos -que cortam a fotografia e a remontam em costura- quanto no sentido de questionamento de uma “realidade”: a fotografia de Stahl constrói-se partilhando “as buscas da ciência, como neutralidade e verossimilhança” (WUNDER, 2006, p.3), o que dá à imagem fotográfica o caráter de documento ou “atestado de pré-existência da coisa fotografada” (MACHADO, 1998, p.9). Ao intervir na imagem – ampliando, recortando, costurando, bordando- Rosana desloca a neutralidade e o próprio estatuto de verdade da fotografia de Stahl, inaugurando realidades.

Nesses sentidos possíveis, os painéis de Assentamentos propõem uma poética de deriva entre as referências -signos e símbolos- culturais, visuais, sociais e históricas do Brasil colonial escravista, na qual estas são devoradas, remontadas, ironizadas, multiplicadas em seus sentidos e desejos. Não se coloca uma intenção de substituição das imagens coloniais já constituídas por outras imagens, que seriam “mais verdadeiras”, mais “reais” ou ainda mais “justas” frente aos horrores da objetificação dos escravizados.

Paulino segue com os fluxos desse material – a fotografia de Stahl-, e opera desde dentro de seus desejos de captura do outro, movimentando-o em novas relações, novos emaranhados de significados.

Nesse aspecto, tendo o corpo negro como eixo condutor da poética visual, as questões de Rosana Paulino e as de Moisés Patrício convergem na invenção de um passado que é presente, de memórias que são fluxos de forças históricas e cotidianas que atravessam esses corpos. De acordo com Stuart Hall, os corpos foram “os únicos espaços performáticos que nos restaram”, marcados pelas heranças culturais e pelas condições - sobremaneira violentas- das diásporas (2003, p.342). Assim, os corpos afrodiaspóricos talvez sejam o material mesmo do testemunho dos traumas (ou sua impossibilidade) nos processos de escravização e marginalização social. As invenções com imagens destes corpos, na poética dos artistas, é também uma maneira de torná-los polifônicos, em movimentos dinâmicos entre experiências singulares e memórias coletivas.

Questões que são estéticas e, por isso, iminentemente políticas. Discorrendo sobre fotografia, Susan Sontag afirma que como elas “dão às pessoas a posse imaginária

de um passado irreal, também as ajudam a tomar posse de um espaço que se acham inseguras” (1984, P.19 apud WUNDER, 2006). Embora não seja interesse discutir no território conceitual proposto pela autora, parece potente explorar a ideia de que estas narrativas artísticas sejam também um ato de tomar posse, de apropriar-se de história, de memória, de identidade20, e também dos próprios espaços sociais, nos quais se

incluem os espaços de produção e circulação da arte contemporânea brasileira:

Limitada em grande parte à produção das chamadas “minorias”, a participação de uma posição política em trabalhos de arte parece presente somente naqueles cujo calo é apertado quase diariamente. Ainda assim, estas realizações quase sempre são colocadas à parte nos circuitos contemporâneos. (PAULINO, 2011, p. 23)

Vale ressaltar que Moisés Patrício é o idealizador do evento-perfomance

Presença Negra (2016) que convida afrodescendentes para prestigiarem as exposições

em galerias e museus – espaços que historicamente se configuraram de difícil pertencimento para as culturas afro-brasileiras. Tanto em Aceita? quanto em Presença

Negra é possível perceber que o corpo afrodescendente é materialidade importante na

construção de uma poética que aborda a complexidade da marca identitária visível, em sua relação com as forças de conformidade e resistência do cotidiano.

O testemunho estético do corpo é radicalizado pelo trabalho do baiano Ayrson Heráclito. Na performance Transmutação da carne o artista propõe um mergulho na experiência dos maus-tratos sofridos pelos corpos negros na sociedade escravista: “Eu trago a memória dos maus tratos, eu trago em cena essa ideia desse holocausto que foi a escravidão”. 21

A performance caminha na fronteira entre o artístico, o ritual religioso, a política e a história. Criada em 1994, foi apresentada em vários formatos desde então. Em todos se mantêm duas metáforas principais: as roupas feitas de carne de charque, remetendo ao corpo escravizado, “à carne mais barata do mercado”, como descreve com potência a voz de Elza Soares (no álbum Do Cóccix até o pescoço, 2002); e as brasas, nas quais se aquece o ferro que marcará a roupa de carne, e sobre as quais os participantes caminharam com botas de charque em uma das ativações do trabalho.

20Que devem ser entendidas como dinâmicas e híbridas em si próprias (HALL, 2005).

21 Transcrição da narrativa do artista para o vídeo Transmutação da Carne | Ayrson Heráclito |

8 Performances (Registro do SESC-SP para o projeto Terra Comunal - Marina Abramovic +MAI, 2015). Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=LDkKj-hgvcU >. Acesso em : 01 jul. 2017.

Na performance realizada na mostra Terra Comunal (SESC -SP, 2015), Ayrson propõe que os participantes vistam essas carnes. Em estado de ritual, as brasas são acendidas e o artista esquenta nelas o ferro de marcação. Cada corpo participante é marcado pelo ferro em brasa, e a carne queima, chia, entra em combustão, esfumaceia. A ferida dos corpos tripudiados pela escravização, e a resistência desses corpos, é revivida nesse ritual, em que os participantes não são exclusivamente afrodescendentes. Assim, partilha-se a memória do sofrimento, no silêncio quebrado apenas pelo grito da carne em brasa.

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Reviver deliberadamente o ato físico da violência é percebê-lo enquanto memória coletiva corporificada em cada singularidade. A ação toca exatamente nas feridas corporais, sociais, culturais, derivadas dos processos de escravização dos povos negros. Ferida que, de acordo com o artista, “ deve ser transmutada pela arte, estetizada, mas nunca esquecida”.23 Ao reinventar a memória em ritual, Ayrson busca um objetivo que difere das construções de Moisés Patrício e Rosana Paulino: a ação artística tem uma

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Ayrson Heráclito, Transmutação da Carne. Performance em Terra Comunal, 2015. Marcação a ferro quente em um corpo vestido de charque. Foto: Sesc-SP. Disponível em: <http://terracomunal.sescsp.org.br/mai/oito-performances/ayrson>. Acesso em 30 jun. 2017.

função de transformação energética; transmutar as energias da dor, da perda e do trauma – as energias de todos os Eguns24- em energias positivas, vibrantes, revolucionárias.

Nas palavras do artista, a performance-ritual busca curas. Curar os espaços25,

curar os corpos em sua relação com os objetos e alimentos. Aqui o pensamento místico de raiz africana se radicaliza de forma a não ser representado nas obras, mas ser a base mesma de compreensão do fazer artístico por parte de Ayrson Heráclito. Entender a performance artística como um ritual é adentrar o campo da arte com referências radicais das cosmogonias africanas e afrodiaspóricas. É, assim, também um ativismo político, místico, quase xamânico, no qual o corpo não é o suporte da arte, mas segue os fluxos de seu material; o corpo é uma coisa, como a entende Ingold.

Na perfomance Bori (2009), a coisa-corpo está em fluxo constante com coisas- alimentos, na oferenda que faz aos orixás de cabeça. Para cada umas das doze cabeças (12 performers convidados) são oferecidos os alimentos rituais de cada orixá. E as energias envolvidas no ritual – o que é invisível e presente- são registradas em fotografias, que circulam por diversas exposições. Ao contrário porém, dos registros de

Transmutação da carne (em que fotografia e vídeo reafirmam a todo instante que não

são a obra, pois nao dão conta de arrastar consigo as forças de experência das feridas), as fotografias26 de Bori carregam em si uma ambiência ritualizada, um fluxo de energia

que remete ao sagrado. No enquadramento próximo aos rostos, na luz que doura os alimentos e corpos, os performers parecem mais espírito que corpo, vibram em energia concentrada.

nas superfícies das peles de imagens

texturas de peles de comer, em contraste, em multidão rastros restos riscos nas cabeças enterradas

alimento-cabeça no invisível visível do ori orixás

24 Almas ou espíritos dos mortos, na perspectiva das religiões de matriz africana.

25Na performance Sacudimentos (2015, apresentada na Bienal de Veneza) o artista realizou um tipo de

limpeza espiritual na Casa da Torre, sede de um grande latifúndio na Bahia, e outra na Casa dos Escravos na Ilha de Goré, no Senegal.

26 Aqui estou falando especificamente com as fotografias que circulam nas exposições e compõe o

catálogo do Festival Internacional de Artes da Europa Europalia-Brasil (2011-2); no site do artista, é possível encontrar fotografias de registro da performance que, no meu ver, são menos potentes em autonomia visual.

Os referenciais identitários das culturas afro-brasileiras emergem nas obras de Heráclito, Rosana Paulino e Moisés Patrício, interlocutoras deste texto, e também nas de inúmeros artistas que partilham destas questões, “tensionando discursos e visões de mundo em distintas dimensões” (FERREIRA, SANT’ANNA, 2013, p. 2339). Emergem, mas não se deixam capturar, não se deixam domesticar, em fluxo de forças que desafiam o documento fotográfico como registro de cultura.

A coisa-corpo é recorrente: é no corpo que se evidencia a marcação identitária da cor da pele; é o corpo que transita no espaço urbano; é o corpo que guarda memórias muito antigas -seja de torturas e impossibilidades, seja de ritos, mitos e transgressões. Corpos singulares e coletivos, atravessados por multidões de outros. Como analisa o crítico Roberto Conduru, no catálogo do Festival Internacional de Artes da Europa Europalia-Brasil, (em que organizou a mostra “Incorporations: Afro-Brazilian Contemporary Art”, em Bruxelas, entre 2011 e 2012):

Nesse caminho poético-crítico, transitando entre sagrado e profano, individual e coletivo, pessoal e público, local e universal, arte, religião e política, os artistas acabam por instaurar uma África irrestrita a

continentes e nações, uma África complexa, plural, porosa e atual, uma África brasileira. [...] (CONDURU apud FERES, 2011, p. 81)

Se Roberto Conduru fala de uma áfrica aberta, complexa e plural, é o caso de riscar o uma. As forças-sensações das imagens artísticas instauram uma áfrica

s

porosas, que vazam, que existem e subsistem nos gritos silensiosos, que (des)inventam identidades, memórias e modos de existência. E que novos movimentos podem ser inaugurados no encontro com essas imagens? Encontro que exige uma tomada de partido, como diz Lapoujade (apud PELBART, 2013, p. 398): “É isto entrar no ponto de vista de uma existência, não para ver por onde ela vê, mas para fazê-la existir mais (...)”. Encontros que dão a pensar não apenas nos modos de existências das obras perpassadas por africanidades e racismos, mas da instauração dos modos de existência próprios das imagens entre escola e cidade. Fazê-las existir mais, despindo as conformações de representação, significação e ilustração que lhes são conferidas. Deixá- las falar, em seus silêncios, de seus próprios mundos. Deixá-las criar ruídos, que incomodam, ressoam e transitam entre modos de existir. Descobrir a vida que pulsa nesses materiais e seguir em frente com seus fluxos.

Pois, mais que um inventário dos modos de existência, importa, de acordo com Pelbart (2013, p. 401), as passagens entre eles: transições, deslizamentos, desmaios e negociações “entremodos e entremundos”. Insistir no entre e no fluxo para pensarmos em um modo de existência ainda por inventar na relação da escola com as imagens.

E, voltando aos movimentos iniciais deste texto, cabe pensar quais “entres” podem ser inventados na relação com as imagens de arte aqui selecionadas, a escola, as questões propostas pela educação para as relações etnico-raciais, a cidade. Quando o encontro acontece no emaranhado dos fios duros da legislação, dos fios singulares dos artistas, dos fios escolares e nos feixes de uma pesquisa acadêmica, o que se produz de imagem e pensamento? E qual a potência dessas imagens e pensamentos que seguem as forças dos materiais-africanidades que perpassam a escola e a cidade?

Interessores

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MOVIMENTOS

CONFABULATÓRIOS

III

corpo-ladeira

27

inventos A

corpo-muro-cinza-azul

inventos B

barranco-caracol

27 Composição realizada em oficina (maio/2017) a partir da série “Miss D’Vine” de Zanele Moholi (África

do Sul), disponível no catálogo da 9ª. Bienal de Fotografia de Bamako: Rencontres de Fotografie: Frontières (2009).

Tateio o retângulo de papel. Na ponta do dedo a lisura de uma impressão a laser. Baixa qualidade. Se esfrego a unha ela sai.

Como aquelas raspadinhas das casas

lotéricas. Se sai a tinta, vislumbro o papel. O único de gramatura decente disponível na papelaria da cidade. O papel raspado já não é mais imagem-arte que eu procurava ouvir. É outra coisa, meio papel

branco, meio riscos de tinta, meio

fotografia. Meio

Meio – fio

O fio de telefone que sustenta a negociação para entrar dentro daqueles muros. Os das escolas. Entro com medo. Tanto medo que passo mal. Vomito. Que loucura! Esse estômago é professora há 10 anos. E vomita de medo de entrar na escola.

É porque a entrada é de outro jeito. É entrada de raspar unha.

Dirijo por 10 quarteirões, o dia muito quente. Estaciono em uma rua em que não costumo passar. O estômago não imagina o que pode acontecer.

Parte dessa trajetória de pesquisa se deu na realização de duas sequências de oficinas, em duas escolas públicas municipais de Descalvado-SP. O encontro com uma das escolas se deu de agosto a novembro de 2016; com a outra, de março a junho de 2017.

Simultaneamente, trabalhava em outra escola da cidade, particular; por inúmeros motivos burocráticos, as oficinas não foram desenvolvidas lá. Mas sem dúvida os encontros nas escolas municipais alimentavam minha prática na escola particular, e o encontro com os estudantes que eu já conhecia há tempos, dentro da grade regular, inquietavam as propostas construídas nas oficinas.

As oficinas foram a estratégia encontrada para criar espaços de “aprendizagem inventiva” (KASTRUP; BARROS, 2015, p.84) no encontro com pesquisadora, estudantes e imagens dos artistas Ayrson Heráclito, Rosana Paulino, Moisés Patrício28,

além do curta “Rodas da Rua” (Orlando Mesquita, 1995)29 e mais uma série de imagens,

objetos e textos que foram se acumulando como materiais de criação ao longo das trajetórias.

As atividades aconteceram no contraturno escolar (cerca de 9 encontros semanais de 1h30), e os estudantes de 8º e 9º anos participaram voluntariamente. Professores e gestores também foram convidados a participar, mas não compareceram aos encontros, embora tenham papel fundamental nas conversas e desdobramentos das propostas realizadas.

Na conversa com as imagens (projetadas, no caso dos curtas, e impressas, no caso das fotografias), propus30 criações que eram mobilizadas pelos trabalhos e tinham como materiais as próprias imagens, que se desdobram em outras áfricas possíveis e imaginadas na construção fotográfica e audiovisual dos estudantes (fotografias a partir dos trabalhos artísticos; recortes, colagens e manipulações das imagens).

Como inspiração dessas criações, estão as ações do coletivo Fabulografias31 que

desenvolve oficinas de criação poética e fotográfica a partir da pergunta “que áfricas ventam por você?”. Algumas estratégias de elaboração utilizadas pelo coletivo, como o

28 No Movimentos confabulatórios II- oferendas costuras feridas propõe-se a escrita a partir das obras

desses artistas.

29 No Movimentos confabulatórios I- miradas o curta-metragem atravessa e inquieta pensamentos