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5.2 A análise qualitativa

5.2.4 Apanhado e considerações gerais

Para início deste apanhado geral dos discursos, nas seções anteriores, eu descrevi os discursos enquanto lhes fazia considerações, tendo os óculos da teoria para observar o objeto. Aqui volto-me a uma análise mais do todo que forma os discursos. Estando já analisados os dados sob as categorias que propus da Linguística, bem como exposta nas últimas seções a ideologia presente nos discursos dos parlamentares, sendo uma ideologia que visa a perpetuação da posição hegemônica sobre o casamento igualitário, que é a de rejeição desse tipo de relação, me detenho nessas considerações finais falando sobre algo que foi relativamente pouco evocado por mim

durante a apresentação até agora, que é a relação entre o público e o privado.

É preciso entender que cada relação entre público e o privado, dentro de cada um dos países, vai ser diferente – estou no escopo das modernidades múltiplas, é improcedente afirmar que cabemos, enquanto brasileiros, em alguma régua específica que trate da forma com acontece essa relação em nosso contexto. Isso significa que, apesar de termos parâmetros para entender o social, compreender que ele pode ser fechado em “caixinhas” herméticas é um equívoco; o mesmo vale para a análise da linguagem em específico: uma vez que entendo a linguagem dentro dos paradigmas do funcionalismo, com o social funcionando dentro da e a partir da linguagem, podemos fazer análises recorrendo a “caixinhas” que vão mais ou menos traçar uma guia para entender a linguagem e seu funcionamento, mas quando passamos para o social é preciso ter em mente que aplicar “caixinhas” puras e que servem em qualquer contexto é uma limitação significativa e, dado que olhamos sob o funcionalismo, a natureza com a qual a linguagem conta, então mesmo essas “caixinhas” não são fixas, imutáveis e completas. É preciso entender que estamos lidando com gente, com fatos e relações sociais: pessoas não cabem em caixinhas quando escrevemos trabalhos como este e nem no funcionamento real da sociedade.

Retomando uma citação já feita, reapresento o colocado por Tavolaro (2005, p. 13) e consigo entender que, dentro do escopo colocado pelo autor e observando os dados e a análise que fiz desses dados, baseado em Casanova (1994), estamos, no que toca o papel da religião na vida pública, na categoria de “configurações em que associações religiosas têm papel ativo na vida pública”, desse modo, estamos longe de ser um Estado laico no seu sentido estrito:

Não sendo confessional, ateu ou teocrático, o Estado laico, carregando a ideia de laicidade, que é uma “doutrina filosófica que defende e promove a separação entre Estado e religião ao não aceitar que haja confusão entre o Estado e uma instituição religiosa qualquer, assim como não aceitar que o Estado seja influenciado por determinada religião” (VECCHIATTI, 2008), fundamenta, assim, sua ação e constituição (RODRIGUES, 2014, p. 17).

Acoplando isso ao papel da religião na sociedade brasileira, sem dúvida, no Brasil não cabe uma análise levando em conta uma idealizada separação entre o público o privado, porque ela não existe, é nebulosa, como já foi evocado no capítulo teórico de Sociologia, bem como não cabe uma análise levando em conta o Estado laico apenas, mas sem considerar a secularização da população. O Estado é laico, mas a população não é secularizada – ou não tem um tipo de secularização que produza um contrato social que permita uma laicidade plena do Estado, de acordo com o que seria

ideal, com a religião relegada apenas ao privado e sem interferir no público. Ao mesmo tempo, não somos um Estado teocrático – embora haja indicações que existem projetos nesse sentido – e nem um Estado oficialmente confessional.

Fazendo visões sobre outros países, se tomarmos a relação entre religião e política em países como a Alemanha, há uma íntima ligação (SINNER, 2014), mas não há graves problemas em relação à ingerência da religião em espaços públicos como no modelo que temos no Brasil. Se há um problema social, um embate entre forças religiosas e progressistas é justamente pelo fato das forças religiosas, no caso brasileiro, serem eminentemente conservadoras e/ou reacionárias na atualidade. Fazendo uma análise mais histórica, pensando em outros momentos da história do país, entendo que o problema fulcral não é a religião em si no Brasil hoje, quero dizer, o fato de haver pessoas com determinados sistemas de crenças, mas a forma da prática da religião, a hermenêutica essencialmente fundamentalista que existe no cenário religioso atual do Brasil: o problema não é ser religioso, mas ser fundamentalista e fechado a uma postura dialógica, algo mais que essencial em qualquer democracia, como diria Fairclough e Fairclough (2012).

Outrora, entre os anos 1970 ao início dos 1990, com manifestações como as Comunidades Eclesiais de Base, num avanço de hermenêuticas como a Teologia da Libertação, parte do cenário religioso brasileiro se desenhava progressista e não fundamentalista. A Teologia da Libertação traz uma perspectiva de cristologia que diz que

Deus e também o homem não podem ser aprisionados dentro de estruturas pré- fixadas, sejam sociais, sejam religiosas [...] [Mas são de um Novo Reino] onde os homens têm a chance de serem julgados não por aquilo que as convenções morais, religiosas e culturais determinam, mas por aquilo que, no bom senso, no amor e na total abertura para Deus e para os outros, se descobre como sendo a vontade concreta de Deus (BOFF, 1999, p. 82–83).

Apesar de isso ser, por si só, uma temática para outra pesquisa, é interessante comentar aqui que após o recuo de tais hermenêuticas progressistas, seja por ação direta das igrejas, no caso da Igreja Católica no pontificado de João Paulo II e na ação de Joseph Ratzinger – que se tornou depois Bento XVI, ou pelo esgotamento de lutas ligadas à abertura democrática quando durante a Ditadura Civil-Militar outras hermenêuticas prosperaram no cenário religioso, permitindo que ganhasse força a Teologia da Prosperidade, que, dominando práticas religiosas de algumas igrejas de raiz protestante, permeia o fenômeno do neopentecostalismo e pouco se interessa por pautas sociais. Fora o surgimento de igrejas evangélicas de cunho neopentecostal e baseadas na Teologia

da Libertação que dominam as periferias e os centros das cidades, a Igreja Católica também recua nas pautas sociais e ganham fôlego grupos como a Renovação Carismática Católica que, tendo emissoras de TV como a Canção Nova e Século XXI, nos anos 2000 e 2010 têm uma voz de destaque dentro da espiritualidade católica. A prática religiosa da Renovação Carismática Católica, qual desenvolvida no Brasil, está mais ligada a questões de legalismo religioso do que a pautas sociais, sendo uma espiritualidade mais fundamentalista e conservadora. É mais forte na atualidade uma visão de religião que visa ao transcendental, mais à escatologia do que ao imanente, ao concreto que se vive, o hoje, a pauta social.