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2.2 A Análise de Discurso Crítica

2.2.2 Ideologia, relações de poder e hegemonia

2.2.2.1 Ideologia

Quanto à noção do que é ideologia, ela é, no mínimo, ampla, além de polêmica. Eagleton (1997) cita pelo menos 16 possibilidades de definição do que é ideologia, deixando claro que

o termo “ideologia” tem um amplo escopo de significados úteis e nem todos compatíveis entre si. Ainda que fosse possível, tentar sintetizar essa riqueza de significados em uma só definição de conjunto seria inútil. A palavra “ideologia”, se poderia dizer; é uma malha, inteiramente tecida com um material de diferentes filamentos conceituais19; está formado por histórias totalmente divergentes, e provavelmente é mais importante valorizar o que tem de valioso ou o que se pode descartar em cada uma dessas linhagens que combiná-los à força em uma grande

19 Sobre esse trecho, deixo o original em castelhano para uma melhor compreensão das palavras de Eagleton, coisa

que a minha tradução possa não ter alcançado (1997, p. 19): “La palabra «ideología», se podría decir; es un texto, enteramente tejido con un material de diferentes filamentos conceptuales”.

teoria global (EAGLETON, 1997, p. 19).

Tendo essa noção por base, esse é um dos pontos que não pretendo esgotar aqui na discussão, mas apresentar a perspectiva da qual me valho. A ideia de ideologia que adoto, usada na proposta de Fairclough (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999; 2001, 2003) e com fundamento em Thompson (1998), está no bojo dessas colocações de Eagleton. Na seção em que trato sobre ADC, referindo-me ao que é ter uma postura crítica, ressalto que é se colocar numa perspectiva não alienada diante do objeto em análise.

Faço um aparte agora para citar a tradição epistemológica à qual autores que apresento nesta dissertação se filiam. Seja Thompson (1998), na noção de ideologia, Bhaskar (RESENDE, 2009), com o RC, e o próprio Fairclough (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999; 2001, 2003), na ADC como um todo, todos eles estão filiados a uma tradição epistemológica marxista, sendo guiados por uma perspectiva do materialismo dialético20. Essa perspectiva, herdada de Hegel e Feuerbach, e transformada por Marx e Engels, é uma concepção da filosofia que defende que o ser humano tanto modela o ambiente em que vive quanto que esse ambiente modela o ser humano e suas relações, “ou, em outras palavras: o mundo material é dialético. O seu desenvolvimento obedece a leis da dialética, que não é senão o reflexo do movimento real das coisas no pensamento” (THALHEIMER, 2014, p. 42). Dessa ideia vem a concepção do que é modo de produção, que “não significa outra coisa senão a maneira pela qual os homens buscam seus meios de vida” (THALHEIMER, 2014, p. 41). Sobre o conceito de alienação, que falei no parágrafo anterior, segundo Marx e Engels, “a indústria, a propriedade privada e o assalariamento alienavam ou separavam o operário dos ‘meios de produção’ – ferramentas, matéria-prima, terra e máquina – e do fruto de seu trabalho, que se tornaram propriedade privada do empresário capitalista” (COSTA, 2005, p. 113). Sendo assim, colocar-se em uma posição de não alienação é estar considerando que existem diversos tipos de relações de dominação e que se deve pensar sobre elas. É nesse contexto que se dá a constituição teórica da ADC.

Fiz essa incursão para apresentar os pontos que apoiam a concepção de ideologia da ADC faircloughiana que, herdada de Thompson (1998), tem influência, dentre outras, de um modo de pensar que aponta que “as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes,

20 De tal modo é a influência de Marx e seu diálogo na proposta de ADC de Fairclough, que ele escreve um artigo no

qual consta no resumo que “nós argumentamos que Marx poderia estar já praticando um tipo de análise do discurso. Identificamos os elementos no método materialista dialético que apoiam essa perspectiva e exemplificamos em uma comparação longitudinal dos textos de Marx” (FAIRCLOUGH; GRAHAM, 2002, Abstract).

isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (MARX; ENGELS, 2007, p. 47). As visões marxistas têm, de fato, como esse excerto acima coloca, uma preocupação sobremaneira com a questão de classe social. Thompson, entretanto, vai além da ideia apresentada por Marx e Engels, bem como da noção latente de ideologia que está presente em seus trabalhos:

as relações de classe não são de nenhuma maneira a única forma de dominação e subordinação [...] Hoje vivemos em um mundo onde a dominação de classe e a subordinação continuam desempenhando um papel importante, mas no qual prevalecem outras formas de conflito e, em alguns contextos, com igual ou até maior significado (THOMPSON, 1998, p. 87–88).

Ainda, Thompson expande a noção de que essa dominação se dá por significados e ideologias, sendo estas “as maneiras nas quais o significado é mobilizado pelas formas simbólicas [que] servem para estabelecer e sustentar as relação de dominação” (THOMPSON, 1998, p. 89), estabelecer no sentido que os significados podem criar tais relações e sustentar no sentido que podem reproduzi-las. De tal forma os significados atuam na produção ou reprodução ideológicas que “estudar a ideologia é estudar as maneiras nas quais o significado serve para estabelecer e sustentar as relações de dominação” (THOMPSON, 1998, p. 85). Essa é uma proposta que coaduna e complementa o modelo transformacional do RC, uma vez que é subjacente à forma como as práticas sociais se inter-relacionam. Por fim, aponto que “à análise de ideologia proposta por Thompson, interessam as maneiras como as formas simbólicas relacionam-se com o poder – e, portanto, com lutas hegemônicas” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 169). Para chegar às lutas hegemônicas na sequência, detenho-me agora em considerações sobre o que é poder.

Há uma influência considerável de Foucault na proposta de Fairclough, de tal modo que ele indica analogia de seu próprio trabalho com o de Courtine, o qual propõe “pôr a perspectiva de Foucault para funcionar” (COURTINE, 1981, p. 40 apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 62). O trabalho de Fairclough, porém, tem a proposta de fazer isso a partir de uma ADTO. Outra questão relevante de se apontar na relação entre os dois pensadores é que Fairclough, apontando “fraquezas teóricas e metodológicas fundamentais” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 59) no trabalho de Foucault, tece algumas críticas ao trabalho do francês. Uma dessas críticas é sobre sua noção de poder. Vou traçar as críticas que Fairclough faz para, na sequência, construir a noção de poder a ser usada neste trabalho a partir das suas considerações sobre.