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A Linguística Sistêmico-Funcional como ferramenta para a Análise de Discurso

No início da seção 2.1, eu falei que a LSF possuía “ganchos” que permitiam fazer uma análise Linguística associada a outras disciplinas de cunho social, o que favorece uma mais ampla e adequada análise do fenômeno linguístico, uma vez que leva em conta os contextos no qual esse fenômeno se insere. Ao mesmo tempo, permite uma melhor análise das questões sociais, já que permite uma análise da sociedade levando em conta a linguagem, que, no momento histórico em que vivemos, “quando as sociedades da modernidade tardia estão sendo cada vez mais vistas como sociedades da informação e comunicação” (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 44), a dimensão social é mais mediada pela linguagem do que em outros tempos da história. Uma vez que considera isso, a LSF é uma boa ferramenta para desenvolver uma análise como a que me proponho:

em contraste com as tradições chomskyanas dentro da Linguística, a LSF é profundamente interessada com a relação entre linguagem e outros elementos e aspectos da vida social, e sua abordagem para a análise Linguística de textos é sempre orientada para as características sociais dos textos (FAIRCLOUGH, 2003, p. 5).

Passo agora a retomar alguns conceitos já apresentados, desenvolvendo-os, mostrando como a LSF será ferramenta para uma ADC. Essa será a apresentação teórica da fundamentação

de tais ferramentas; como fiz a aplicação delas é explanada no capítulo quatro, onde trato mais especificamente sobre a metodologia de minha pesquisa.

É importante ter a noção que, aqui, eu faço a opção por usar uma ADTO para a minha análise, levando em consideração que as estruturas sociais se instanciam e se realizam com a realização do evento, que é o texto que materializa, à primeira instância, a prática social e, mais amplamente, as estruturas da sociedade. Adoto o que Fairclough (2001, p. 87) diz: “eu estou sugerindo que a ADTO provavelmente reforçará a análise social”. Para fazer a ADTO que proponho, eu apresento aqui um método de ADC, usando como ferramentas analíticas as modernidades múltiplas, que serão apresentadas como perspectivas de leitura sociológica no próximo capítulo, e a análise do Sistema de Avaliatividade. As modernidades múltiplas são um ponto que será abordado no capítulo 3.

Fazendo a ligação das duas seções anteriores, aponto na figura abaixo de que forma se realiza a linguagem. Para tanto, associo, no esquema proposto por Hasan (2009, p. 173), a proposta do RC:

Figura 5 – Uso da linguagem / LSF – Eventos, práticas sociais e estruturas / RC

Adaptado de Halliday (2003 volume 3, p. 353 apud HASAN, 2009, p. 173)

Como o esquema acima representa, é nas metafunções que o potencial formal, ou seja, os sistemas gramaticais, atingem o potencial de significado – e é aqui que são preponderantes os contextos de situação e de cultura; esse entrelaçar é materializado nos textos. Essas são as

engrenagens da linguagem, que, processando as situações, permitem que elas sejam expressas e materializadas em textos; ao mesmo tempo, há engrenagens próprias das situações e questões sociais, nas quais a linguagem é processada, permitindo que essas próprias situações sejam construídas. Na parte superior da figura, estão indicadas quais partes do esquema da LSF se relacionam com cada uma das instâncias do RC.

Sendo componentes funcionais da gramática, detenho-me agora nas metafunções. Já apresentei que a LSF trabalha levando em consideração três metafunções: a metafunção ideacional, a metafunção interpessoal e a metafunção textual. À ocasião, apresentei indicando que,

por ser uma teoria funcionalista, a LSF transcende o único tipo de significado considerado pela semântica formalista – o representacional – e estuda outros dois tipos – o interativo e o textual. Cada variável do contexto de situação ativa um tipo de significado específico da semântica (semiose social), sendo por ele realizada. Em contrapartida, cada tipo de significado constrói e realiza a variável respectiva da situação (PRAXEDES FILHO; MAGALHÃES, 2015, p. 106),

com os significados realizados nas metafunções. Para deixar mais claro, defino metafunção como sendo “as manifestações, no sistema linguístico, dos propósitos que estão subjacentes a todos os usos da língua: compreender o meio (ideacional), relacionar-se com os outros (interpessoal) e organizar a informação (textual)” (CABRAL; FUZER, 2014, p. 32). Em cada metafunção, estão ligados determinados sistemas gramaticais: para este trabalho, eu me foco no sistema de Avaliatividade, que se liga à metafunção interpessoal.

A metafunção interpessoal funciona sob a semântica interacional (EGGINS, 2004), ou seja, “enquanto constrói, a linguagem está sempre promulgando algo: promulgando nossas relações sociais e pessoais com outras pessoas ao nosso redor” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 30). Eggins (2004) coloca que Halliday e Matthiessen (2004)

pontuam que sempre que usamos a língua para interagir, uma das coisas que nós fazemos é estabelecer uma relação entre nós: entre a pessoa falando agora e a pessoa que provavelmente falará depois. Para estabelecer essa relação, nós tomamos os turnos ao falar. Como nós tomamos os turnos, nós cumprimos diferentes papéis de fala na troca (EGGINS, 2004, p. 144).

Essa semântica interacional pode ser organizada sob duas funções da fala: dar e solicitar. Nessas funções, dois valores são trocados: informações e bens e serviços.

Quando a língua é usada para trocar informações, a oração tem a forma de uma proposição. Uma proposição é algo sobre o que se pode argumentar, seja negando- a, afirmando-a, colocando-a em dúvida etc. Quando a língua é usada para trocar bens e serviços (atividades), a oração não pode ser negada ou afirmada e é chamada de proposta (CABRAL; FUZER, 2014, p. 105).

Dentre os sistemas que estão ligados à metafunção interpessoal, o que tem preponderância sobre os outros é o de MODO. Halliday e Matthiessen (2014) afirmam que o

MODO é o maior sistema interpessoal da oração; ele provê os interactantes envolvidos no diálogo com os recursos para dar ou pedir uma mercadoria/produto, bem como informações ou bens e serviços – em outras palavras, com os recursos para desenvolver funções da fala (atos de fala) através da gramática da oração: declarações (dando informações), perguntas (pedindo informações), ofertas (dando bens e serviços), e comandos (demandando bens e serviços) (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 97).

Assim, podemos ver que o sistema de MODO é definido como sendo o sistema de maior importância na metafunção interpessoal, uma vez que ele está ligado à estrutura com que está construída a oração como um todo. Entretanto, é importante observar que essa função léxico- gramatical “forma a si mesma dentro de um complexo de redes de sistemas, opções dentro das quais estão intimamente relacionadas uma à outra por dependência e simultaneidade” (HASAN, 2009, p. 173): dentre esses sistemas estão o sistema de modalidade, o de polaridade e o de avaliatividade.

O sistema de polaridade e o de modalidade estão muito próximos. A polaridade é a escolha entre o positivo e o negativo: “a oposição entre o positivo e o negativo é uma que é bastante certa de ser gramaticalizada em toda língua, associada com a oração como proposta ou proposição. Tipicamente a oração positiva é formalmente não marcada, enquanto a negativa é realizada por um elemento adicional” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 173). Quando se diz “o casamento igualitário não é algo natural”, está-se, então, ancorado no polo negativo; em uma oração como “a igualdade é um direito de todos”, pelo contrário, há uma expressão positiva.

Essas não são, porém, as únicas possibilidades,

existem graus intermediários, vários tipos de indeterminação que caem entre coisas como ‘às vezes’ ou ‘talvez’. Esses graus intermediários, entre o polo positivo e o negativo, são conhecidos como modalidade. O que o sistema de modalidade faz é construir a região de incerteza que está entre o ‘sim’ e o ‘não’ (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 176).

“A modalidade é um recurso interpessoal utilizado para expressar significados relacionados ao julgamento do falante em diferentes graus. Refere-se a como falantes e escritores assumem uma posição, expressam uma opinião ou ponto de vista ou fazem um julgamento” (CABRAL; FUZER, 2014, p. 114). Retomando que uma oração pode ser uma proposta, se está relacionada a trocas de bens e serviços, ou uma proposição, se está relacionada a informações; quando a modalidade está relacionada a uma proposta, há uma modulação, ou modalidade deôntica; quando a modalidade está ligada a proposições, há uma modalização, ou modalidade epistêmica. Ainda, a modalização pode ser expressa em graus de probabilidade ou usualidade; a modulação pode ser de obrigação ou inclinação.

Figura 6 – Tipos de modalidade

Adaptado de Cabral e Fuzer (CABRAL; FUZER, 2014, p. 114)

Dadas essas possibilidades, “a modalidade pode ainda apresentar o valor do julgamento que está sendo emitido: se alto, médio ou baixo. O valor mais alto é o que se encontra mais próximo ao polo positivo e o mais baixo é o que se encontra mais próximo ao polo negativo” (CABRAL; FUZER, 2014, p. 115). Dessa forma, a modalidade está intimamente ligada ao subsistema de julgamento do sistema de Avaliatividade, que mais à frente trato sobre, retomando sobre modalidade.

A ferramenta da qual faço uso para a análise do meu corpus é o sistema de Avaliatividade. No decorrer de sua apresentação, eu demonstro como ele é uma boa escolha para fazer a análise do corpus selecionado.