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2.4 O sistema de Avaliatividade

2.4.1 O Subsistema de Atitude

A análise que observa o Subsistema de Atitude está “preocupada com nossos sentimentos, incluindo reações emocionais, julgamentos de comportamento e apreciação das coisas” (MARTIN; WHITE, 2005, p. 35). “Essas realizações compreendem modificação dos participantes e processos, processos mentais e comportamentais afetivos, e adjuntos modais” (MARTIN; WHITE, 2005, p. 45–46). Note-se que o valor dar marcas de afeto são

algumas vezes construídas como qualidades (adjetivos – ‘eu estou feliz sobre algo’), algumas vezes como processos (verbos – ‘isso me agrada’) e algumas vezes como adjuntos de comentário (‘felizmente’). Eles também podem ser realizados por entidades virtuais (nomes) via nominalização – ‘alegria’ (WHITE, 2011, p. 21).

Guio minha explanação sobre esse subsistema pelos níveis de delicadeza. Como a Figura 6 demonstra, no segundo nível de delicadeza há a apresentação da polaridade das marcas avaliativas, isto é, se elas expressam realizações positivas ou negativas. Por exemplo, se um parlamentar diz: “Eu estou satisfeito com o casamento igualitário”, a marca está no polo positivo; se ele diz: “Eu não estou satisfeito com o casamento igualitário”, ela está no polo negativo.

Também o segundo nível de delicadeza apresenta os tipos de Atitude: Afeto, Julgamento e Apreciação. “O afeto é um recurso semântico utilizado para realizar as emoções linguisticamente no discurso” (VIAN JR; SOUZA; ALMEIDA, 2010, p. 101). White (2011) apresenta que o arcabouço da Avaliatividade classifica diferentes instâncias de afeto de acordo com fatores, dentre eles o que leva em conta que “os sentimentos envolvem intenção (mais que reação), no que diz respeito ao estímulo que não está ainda realizado como oposição ao estímulo já realizado” (WHITE, 2011, p. 22), sendo classificada uma marca avaliativa que se refere a algo realizado (estou chateada pelo que ela disse) ou a algo não realizado, hipotético/irreal (eu temo pelo que ela pode pensar). O “participante experienciador da emoção” (VIAN JR; SOUZA; ALMEIDA, 2010, p. 216) é chamado de emociado – em inglês, emoter – e o “fenômeno deflagrador da emoção” (VIAN JR; SOUZA; ALMEIDA, 2010, p. 218) é o evento emocionador – em inglês, trigger23.

Seguindo a Figura 6, o terceiro nível de delicadeza expressa as condições de segurança, felicidade e satisfação.

In/Felicidade: diz respeito a emoções relacionadas ao coração, tais como tristeza, ódio, felicidade e amor; [...] In/Segurança: esse conjunto de sentimentos cobre as emoções relacionadas ao bem-estar social: ansiedade, temor, confiança; [...] In/Satisfação: conjunto que abrange as emoções relacionadas aos objetivos realizados: tédio, desprazer/desagrado, curiosidade, respeito (VIAN JR; SOUZA; ALMEIDA, 2010, p. 105).

O Julgamento, por sua vez, se localiza na “região do significado construído por nossas Atitudes para com as pessoas e as maneiras que elas se comportam” (MARTIN; WHITE, 2005, p. 52) e pode ter valores de estima ou de sanção social. “O julgamento de estima social envolve admiração e crítica sem implicações legais, enquanto que o de sanção social implica elogio e condenação, geralmente, com complicações legais” (ALMEIDA, 2010, p. 53). Martin e White (2005) dizem, para clarificar essa diferença entre os dois tipos de julgamento, que, analogamente, o primeiro estaria ligado aos problemas que são resolvidos na psicoterapia, enquanto o segundo aos que são resolvidos na justiça. Outro exemplo que eles dão é que o primeiro estaria relacionado,

23 Apesar de que nenhuma de minhas referências em língua portuguesa proponha esses termos para a tradução de

emoter e trigger, eu acredito que essas traduções são o que está mais próximo em língua portuguesa do sentido que eles têm em inglês – justifico nessa nota de rodapé. O sufixo “–ado” significa “provido ou cheio de”; o sufixo “-dor” significa “agente da ação” (CUNHA; CINTRA, 2006, p. 71). Considerei o radical de Emoção e, acrescendo “-ado”, Emociado significa “provido de emoção”. Por sua vez, aquele que deflagra emoção é “aquele que emociona”, logo, levei em consideração o radical de Emocionar, que, fazendo a derivação com “-dor”, gera Emocionador, ou seja, “agente deflagrador da ação de emocionar”, o gatilho da emoção.

dentro da teologia católica, aos pecados veniais, enquanto que o segundo aos pecados mortais. É curioso destacar que o julgamento tem uma ligação com o sistema de modalidade, de forma que “cada uma das subcategorias de Julgamento podem ser entendidas como uma lexicalização de uma das categorias gramaticais de modalidade” (WHITE, 2011, p. 24):

Figura 9 – Tipos de modalidade e tipos de julgamento

Adaptado de Martin e White (2005, p. 54) e White (2011, p. 24)

É através da Apreciação que “são construídas as avaliações sobre coisas, objetos e fenômenos” (VIAN JR; SOUZA; ALMEIDA, 2011, p. 106). Esse desdobramento está relacionado à reação que as coisas provocam nas pessoas ou nas percepções sobre a composição das coisas. A apreciação reação “corresponde às reações que as coisas provocam nas pessoas outras, isto é, como as coisas captam a atenção das pessoas” (ALMEIDA, 2010, p. 58). A Composição “refere-se às nossas percepções de proporcionalidade e detalhe em um texto/processo. Nesse tipo de apreciação, concentram-se os sentimentos que dizem respeito à organização, à elaboração e à forma pela qual as coisas e objetos foram construídos ou elaborados” (ALMEIDA, 2010, p. 59). A valoração “tem a ver com a nossa avaliação da significação social do texto/processo. Essa apreciação corresponde ao valor que se atribui às coisas ou objetos” (ALMEIDA, 2010, p. 60).

Deixando essa noção mais clara, Martin e White (2005) sugerem, sobre o subsistema de apreciação, que ele, em suas subdivisões, se relaciona a tipos específicos de processos mentais e evoca significados mais próximos de determinadas metafunções. Quanto aos processos mentais, se relacionam aos processos afetivos, que expressam sentimento ou afeição, aos perceptivos, que expressam percepções baseadas nos cinco sentidos, e aos cognitivos, que trazem o que é pensado na consciência da pessoa (CABRAL; FUZER, 2014). É importante dizer que o sistema de Avaliatividade se realiza na metafunção interpessoal, como já citado, mas não se pode perder de

vista que as três metafunções se realizam simultaneamente na oração. Dessa forma, uma determinada expressão pode ser significativa mais ou menos para uma determinada metafunção, bem como a definição da metafunção pode evocar significados análogos e/ou semelhantes ao tipo de apreciação: a reação se faz significativamente na construção das trocas oracionais; a composição se relaciona com a ordem e/ou localização espacial, sendo relativa à metafunção textual; a valoração está tecida a partir de construções de mundo. Abaixo há um esquema que demonstra essa inter-relação entre a apreciação, os processos mentais e as metafunções:

Figura 10 – Apreciação, processos mentais e metafunções

Adaptado de Martin e White (2005, p. 57)

Apesar dessa tríplice divisão apresentada, é importante ressaltar que “todos os três tipos de Atitude envolvem sentimento. Porém, o julgamento e a apreciação são disposições das emoções que foram institucionalizadas para que pudéssemos entrar nas comunidades uns dos outros” (ALMEIDA, 2010, p. 43). Sobre isso, Martin e White (2005) apresentam um esquema, que reproduzo abaixo:

Figura 11 – Julgamento e apreciação como afeto institucionalizado

Adaptado de Martin e White (2005, p. 45)

É preponderante, também, o status, ou realização, da marca avaliativa – e esse é mais um desdobramento de segunda delicadeza do sistema – se essa marca é realizada de forma evocada ou inscrita. Fazendo essa distinção, a teoria reconhece que “a opinião expressa, seja ela por meio de Apreciação ou Julgamento, nem sempre será reconhecida através de elementos léxico-gramaticais específicos e estritamente atitudinais” (VIAN JR; SOUZA; ALMEIDA, 2010, p. 122). Dessa forma, diz-se que a avaliação pode estar implícita, quando evocada através de construções, ou explícita, quando, por exemplo, materializada lexicalmente.

O afeto (e o Sistema de Avaliatividade em geral) pode ser diretamente construído no texto, ou implicado através da seleção de significados ideacionais que redundem em significados de afeto. Além disso, onde o significado de afeto é evocado, uma distinção pode ser desenhada entre a linguagem metafórica, que de algum modo provoca uma resposta afetiva [...] e a linguagem não metafórica que simplesmente convida a uma resposta (MARTIN, 2000, p. 155).

Desse modo, a marca de Avaliatividade inscrita é mais prescritiva sobre a posição do emociador, uma vez que busca deixar o mais claro possível a posição do emociador, diferentemente da sutileza inerente a uma marca de Avaliatividade evocada, que dá margem de interpretação mais ou menos ampla do significado apresentado.

Justamente por esse caráter eminentemente interpretativo da análise a partir do sistema de Avaliatividade, por fim, embora não menos importante, é preciso destacar que a leitura de uma marca, se é avaliativa ou não e de que forma é construída, depende da posição do sujeito que faz a leitura dessa marca. Sendo assim, fica claro que

neste contexto é importante distinguir entre a subjetividade individual e social – entre leitores como respondentes idiossincráticos e as comunidades de leitores posicionados por configurações específicas de gênero, geração, classe, etnicidade e in/capacidade. Quando analisando a Avaliatividade evocada é certamente crítico especificar a posição de leitura o máximo possível no que diz respeito às últimas variáveis; e também declarar se um texto está sendo lido de forma complacente, resistente ou taticamente (MARTIN; WHITE, 2005, p. 62).

Essa citação demonstra e justifica a importância de ter apresentado meu posicionamento crítico seções atrás. Ainda, para complementar, afirmo que faço uma leitura tática, uma vez que é uma “leitura parcial e interessada, que foca em desdobrar um texto para fins sociais outros que os que naturalizam-no” (MARTIN; WHITE, 2005, p. 62): meu trabalho, ao expor as relações de poder imbricadas na problemática em estudo, foca na emancipação social dos sujeitos oprimidos por relações desiguais de poder ocasionadas por influência religiosa na política, especificamente no que diz respeito às discussões em torno do casamento igualitário, afinal de contas, quando o poder está demonstrado e suas estratégias vêm à luz, ele perde sua eficiência.