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Aplicação da função socioambiental aos bens em geral

No documento CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA UNICEUB (páginas 130-133)

2 A EXCEPCIONAL POSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO E ALTERAÇÃO

3.2 Função socioambiental da propriedade: complexo de direitos e deveres

3.2.3 Aplicação da função socioambiental aos bens em geral

A CF/88 não distingui modalidades ou espécies de bens aos quais seu titular deve efetivamente promover função socioambiental. Assim, o titular de quaisquer bens deve lhes dar utilidade socioambiental. Aplica-se a bens móveis e imóveis, de consumo e de produção, bens privados e públicos, ou seja, aos bens em geral.414 O

caput do art. 5º da CF/88 apregoa expressamente a inviolabilidade do direito à

propriedade em geral, enquanto os incisos XXII e XXIII referem-se à função social da propriedade em geral, devendo ser lidos de forma combinada. Sob o ponto de vista técnico-jurídico, seria suficiente menção somente ao inciso XXIII, que por si só consagra o direito, o qual já envolve a finalidade socioeconômica.

Atribuir a função socioambiental aos bens em geral, independentemente de seu fim econômico, quer significar não exclusivamente visar a benefícios sociais diretos, porquanto, a depender das espécies de bens, seu uso e disposição regular (consumo e descarte adequado de eventuais resíduos),415 e na conformidade de sua constituição estrutural e finalidade original, são suficientes para configurar o cumprimento do propósito socioambiental. Neste caso, o benefício socioambiental dado ao bem, na melhor hipótese, é indireto, consumando-se quando do cumprimento da finalidade para a qual fora criado bem. Assim, o art. 170, III da CF/88 não se refere apenas à propriedade de bens de produção,416 mas, em geral, à titularidade de

412 Art. 1º, IV c/c art. Art. 3º, II, ambos da CF/88.

413 ANDRADE, Daniel Caixeta; ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Degradação Ambiental e Teoria Econômica: Algumas reflexões sobre uma “Economia dos Ecossistemas”. Revista Economia A, Brasília, v. 12, n. 1, p. 3-26, jan./abr., 2011.

414 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 73-75.

415 CHIUVITE, Telma Bartholomeu Silva. Para aprender Direito - 14. Direito Ambiental. São Paulo: Barros, Fischer e Associados, 2010, p. 41.

416 Eros Grau afirma que a função social consagrada no art. 170 da Constituição é função social tão só dos bens de produção. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 52.

quaisquer bens, inclusive os ETEPs, porquanto componentes dos mais diversos ambientes.

A função socioambiental da propriedade, em última ratio, visa ao cumprimento do que previsto no art. 3º da CF/88. Assim, caso o titular da propriedade (inclusive o poder público) não promova, ainda que indiretamente, ganhos sociais com o uso ou disposição de seus bens, configura-se abuso do direito de propriedade. Quanto aos bens públicos, especificamente, mesmo antes da expressa disposição da função social da propriedade; do Estado, tacitamente, já se exigia a efetiva destinação social do uso e disposição de seus bens.

A importância da aplicação do princípio da função socioambiental da propriedade em relação ao bem público – entre os quais várias espécies e modalidades de ETEPs –417 acentua-se quando da possibilidade de responsabilidade estatal por conduta omissiva e/ou comissiva (desvio) quanto ao dever de manutenção regular e funcionalidade dos bens públicos. Assim, o Estado deve responder quando não der a seus bens a devida funcionalidade social.418 Nesse sentido, os bens públicos em geral devem ser utilizados eficientemente a fim de serem os mais úteis possível à população.419 Certo é que não basta a titularidade estatal para que se verifique o cumprimento da função socioambiental dos bens públicos, devendo o Estado extrair do bem seu potencial máximo relativo aos benefícios sociais possíveis de efetivação.

A par do dever estatal de dar a máxima efetividade possível à utilidade dos bens dos quais é titular, para o fim de dar cumprimento à função socioambiental da propriedade, ainda deve o poder público viabilizar e exigir adequado uso, fruição e

417 A definição e manutenção de ETEPs estão atreladas à ideia de continuidade e integridade ambiental original (ubiquidade ambiental) para fins de preservação da biodiversidade e de

manutenção dos processos ecológicos em geral. Sendo assim, a inclusão dos imóveis rurais públicos como objetos dos referidos Espaços é uma realidade.

A necessidade de equilíbrio ecossistêmico é imune a distinções de titularidade de porções da

natureza, senão veja-se, a título exemplificativo, o que dispõem, respectivamente, o caput do art. 12 e o art. 17, caput, da Lei nº 12.651/2012 sobre especificamente as ARLs: “A Reserva Legal deve ser conservada [...] pelo proprietário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado” e “[...] todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, [...].” (Grifos nossos).

418 Casos em que cabíveis ações populares, ações civis públicas, inclusive para fins de aplicação das penas previstas para atos de improbidade administrativa.

419 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Função Social da Propriedade Pública. Revista Eletrônica de Direito do Estado, IDPB. Salvador. n. 6, abril/mai./jun., 2006. Disponível em:

disposição dos bens privados por seus titulares. Portanto, cabe ao poder público, quanto aos bens privados, o poder-dever de não criar obstáculos a seu uso, fruição e disposição voltados a criar benefícios à sociedade, mas também estimular, facilitar e viabilizar o cumprimento da finalidade socioambiental da propriedade particular. Nesse sentido, dispõe o art. 2º, § 1º da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) que “A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: [...] c) assegura a conservação dos recursos naturais”, enquanto o § 1º do art. 1.228 da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) prescreve o seguinte:

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.420

A partir da constitucionalização do regime da propriedade, a função socioambiental da propriedade tanto é direito individual como social; tanto é dever do indivíduo, como do poder público e de toda a sociedade indistintamente.421 Nesse cenário, reconhece-se ser a propriedade geradora de relação jurídica complexa.

Relação jurídica é um liame concebido pelo ordenamento que vincula pessoas ou grupos de pessoas com a atribuição de poderes e também de deveres. Na relação de direito real, o proprietário detém direito subjetivo de exigir dos não-proprietários um dever genérico de abstenção, como decorrência da garantia de propriedade (art. 5°, XXII, CF/88). Todavia, a coletividade é titular do direito subjetivo difuso de que o proprietário promova utilidade socioambiental ao bem, à luz do art. 5º, XXIII, da CF/88. Nesse cenário, a função socioambiental manifesta um complexo de direitos, deveres,

420 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 13 dez. 2018.

421 Segundo Antônio Herman de Vasconcelos Benjamin, verificou-se uma “alteração radical do paradigma da exploração econômica dos chamados bens ambientais”, passando o regime de propriedade “do direito pleno de explorar, respeitado o direito dos vizinhos, para o direito de explorar, só e quando respeitados a saúde humana e os processos e funções ecológicas”. Ver: BENJAMIN, Antonio Herman de V. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens M. (Org.). Direito Constitucional Ambiental brasileiro. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 72.

obrigações, encargos, limitações e estímulos indicativos do direito de propriedade.422 Assim, ao mesmo tempo em que é dever do titular de direitos sobre certo bem dar efetivamente a ele utilidade que proporcione benefícios socioambientais, é direito de toda a sociedade indistintamente que tal função seja realizada.

No documento CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA UNICEUB (páginas 130-133)