• Nenhum resultado encontrado

Função socioambiental da propriedade: instrumento jurídico-normativo

No documento CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA UNICEUB (páginas 127-130)

2 A EXCEPCIONAL POSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO E ALTERAÇÃO

3.2 Função socioambiental da propriedade: complexo de direitos e deveres

3.2.2 Função socioambiental da propriedade: instrumento jurídico-normativo

Quando da análise do princípio da função social da propriedade, deve-se salientar o direito difuso e intergeracional relativo aos benefícios socioambientais que do uso e disposição dos bens em geral se impõem a seus titulares. A sociedade tem direito de que os elementos da natureza sejam protegidos e de que sua exploração leve a constantes benefícios socioeconômicos, o que logicamente envolve sustentabilidade do desenvolvimento por meio do suporte ecossistêmico.403 Nesta

401 Desenvolvimento sustentável detém uma grande gama de dimensões. Autores como Ignacy Sachs destacam os seguintes: social, cultural, ecológica, ambiental, territorial, econômica, política (nacional) e política (internacional). Ver: SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Ideias Sustentáveis. STROB, Paula Yone, (org.). Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2009.

402 Para Loureiro e Azaziel, “O termo socioambiental foi criado para tentar pensar a unidade entre o social e o natural [...]”. Ver: LOUREIRO, Carlos Frederico B.; AZAZIEL, Marcus. Áreas protegidas e “inclusão social”: problematização do paradigma analítico-linear e seu separatismo na gestão ambiental. Disponível em:

http://sigamweb01.eastus2.cloudapp.azure.com/sigam3/Repositorio/472/Documentos/Mural_Planosde Fiscalizacao/FormacaoSocioambiental/Referencias/Areas%20protegidas%20e%20inclusao%20social. pdf. Acesso em 18 dez. 2017.

403 Quanto à qualidade do meio ambiente natural, ainda que indeterminada, minimamente

indispensável à consecução e manutenção de vida digna e bem-estar social, observe-se o Princípio 1 da Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano em 1972: “O homem tem o direito

fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente [...]”. Ver: SÃO PAULO. Universidade de São

medida, o direito de propriedade não é fim, mas meio, arranjo jurídico voltado à criação e manutenção do desenvolvimento socioeconômico em termos amplos.404

Diretrizes protetivas dos recursos ambientais encontram-se descritas nos títulos “Ordem Social” e “Ordem Econômica” constantes na CF/88, a indicar a estreita relação entre a natureza e o desenvolvimento socioeconômico, configurando-se também este, por sua vez, direito social fundamental.405 Isto posto, a dinâmica econômica envolve a promoção de existência digna – com destaque para o implemento das bases materiais que lhe dão sustentáculo.406 Em termos amplos, trata-se inclusive do dever de adequadamente usar e proteger os elementos naturais, pois fontes esgotáveis de recursos econômicos.407

A garantia de existência digna aos indivíduos exige simultaneamente promoção de saúde pública e sustentabilidade da economia. Para isso, entre outros fatores, deve-se explorar os elementos naturais de maneira racional, adequada, cautelosa e diligente.408 Para possibilitar existência humana em condições qualitativamente mínimas de sobrevivência, não se exige apenas preservar, mas também conservar.409

Paulo – USP. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano – 1972. Disponível em:

http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html. Acesso em 30 mar. 2018.

404 MANIGLIA, Elisabete; POSSAS, Thiago Lemos. Função Social da Propriedade: A Constituição Econômica e o Desenvolvimento Sustentável. Rev. Fac. Dir. UFG, Goiânia, v. 38, n. 2, p. 41-56, jul./dez., 2014.

405 Sobre a importância do desenvolvimento socioeconômico para a efetivação do propósito de existência digna, veja-se o Princípio 8 da Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano em 1972: “O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as condições necessárias de melhoria da qualidade de vida”. Ver: SÃO PAULO. Universidade de São Paulo – USP. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano – 1972. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html. Acesso em 30 mar. 2018.

406 FENSTERSEIFER, Tiago. A responsabilidade do Estado pelos danos causados às pessoas atingidas pelos desastres ambientais associados às mudanças climáticas: uma análise à luz dos deveres de proteção ambiental do Estado e da proibição de insuficiência na tutela do direito fundamental. Rev. Opin. Jur., Fortaleza, ano 9, n. 13, p. 322-354, jan./dez., 2011.

407 MELO, Tarso de. Direito e Ideologia: um estudo a partir da função social da propriedade rural. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 88.

408 Quanto às diretrizes prevenção/precaução, o Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento prescreve: Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. “Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Ver: ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf Acesso em 30 mar. 2018.

409 Conservacionismo é um movimento ambiental nascido no século XIX, que defende a ingerência do homem na natureza, porém de maneira racional e não predatória. Ver: FRANCO, José Luiz de

Portanto, assegurar a sustentação da possibilidade de bem-estar do ser humano no contexto dos modelos de desenvolvimento econômico e social implementados, requer exploração não predatória dos elementos da natureza.

As normas que tutelam o meio natural não afrontam o desenvolvimento socioeconômico, muito menos o direito de propriedade, pois proteger o meio natural e, por conseguinte, garantir a existência de recursos ambientais, implica necessariamente tutelar, antes de tudo, a matéria prima imprescindível à produção de bens diretamente relacionados à dinâmica econômica mundial.410 Nesse sentido, defender o meio natural significa promover o sustento dos modelos de desenvolvimento socioeconômicos. Tutelar, inclusive via disposição adequada dos elementos naturais, inclusive os encontrados sob o domínio privado, são comportamentos exigidos na CF/88, para o fim de que não haja perda do potencial produtivo do próprio objeto do direito de propriedade.411

Entender contraditórias a proposta de defesa do meio natural com a promoção da dinâmica econômica sob o enfoque do paradigma do desenvolvimento sustentável atrela-se a duas possíveis razões: i) má compreensão do próprio conceito de propriedade na ordem jurídica brasileira; ou ii) entendendo-o adequadamente, abusar-se do direito de propriedade. Tendo por baabusar-se a ideia de equilíbrio entre as dimensões do desenvolvimento sustentável, a proteção dos elementos naturais vai de encontro tão só ao crescimento econômico imediatista e exclusivista; não ao desenvolvimento socioeconômico.

Do titular dos bens em geral exige-se uso e proteção adequados. Sem embargo do que mencionado, tal condicionamento jurídico-normativo não se propõe a limitar uso e gozo do bem, muito menos a atividade economicamente produtiva, pois na conformidade do princípio da sustentabilidade do desenvolvimento adotado no Brasil,

Andrade. Natureza no Brasil: ideias, políticas e fronteiras. SILVA, Luiz Sérgio Duarte (org.). Relações cidade-campo: fronteiras. Goiânia: UFG, 2000, p. 8-9.

410 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. O princípio constitucional do desenvolvimento sustentável em face do denominado novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). Revista Direito Ambiental e

Sociedade. Caxias do Sul, v. 8, n. 2, p. 103-120, 2018.

411 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr, 1999, p. 114.

a referida atividade é fundamental.412 Propõe-se, de forma geral, a manter a estrutura geral do modelo de produção, desde que apta a promover dignidade humana.413

No documento CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA UNICEUB (páginas 127-130)