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Aplicação do princípio no imposto de renda (pessoal)

1. PARTE

1.3. Capítulo III Da aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva a

1.3.1. Seção I – Aplicação do Princípio aos Impostos

1.3.1.1. Aplicação do princípio aos impostos pessoais e reais

1.3.1.1.1. Aplicação do princípio no imposto de renda (pessoal)

Referindo-se ao caráter pessoal dos impostos, Luciano Amaro174 afirma que não se deseja definir na lei o imposto de cada pessoa, mas sim quais as características dos indivíduos que devem ser levadas em conta para a determinação do montante do imposto.

O imposto pessoal é o critério da justa tributação, pois leva em conta as condições pessoais do contribuinte e proporciona uma melhor análise de suas possibilidades econômicas para o custeio das despesas públicas, sem o sacrifício do mínimo indispensável à sua sobrevivência.

Nos impostos ditos pessoais não se tem dúvida quanto à aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva, uma vez que nesses tipos de impostos são levadas em conta as situações econômicas de cada contribuinte no momento do cálculo da exação tributária. É o caso do Imposto de Renda que, conforme art. 153, § 2º, I, da CF/88, deverá atender aos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade.

Entretanto, em que pese a previsão constitucional, a violação do princípio da capacidade contributiva no Imposto de Renda tem sido uma constante, visto que a legislação tributária estabelece limites para as deduções das despesas pessoais, como é o caso daquelas com medicamentos, de forma que a exação tributária acaba incidindo sobre despesas indispensáveis à manutenção da vida e da saúde. Além disso, tal medida acaba tributando igualmente pessoas com aptidões econômicas diversas, visto que quem gasta mais dinheiro com remédios não tem a mesma capacidade econômica daquelas que não possuem o mesmo dispêndio.

Ainda a respeito do Imposto de Renda, no mesmo sentido se posiciona Roque Antônio Carrazza,175 para quem a lei deve garantir às pessoas que têm rendimentos

174 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 135.

175 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29 ed. São Paulo: Revista

certas deduções que lhes garantam a subsistência e a de seus dependentes (deduções com estudo, vestuário, alimentação, etc.). O imposto de renda não pode ser transformado num mero imposto sobre receitas brutas, o que ocorre quando a lei não permite abatimentos das despesas necessárias do contribuinte. Ao contrário, para atender ao princípio da capacidade contributiva, deve a lei garantir que a renda a ser submetida à tributação seja obtida subtraindo-se da renda total, as despesas necessárias do contribuinte para a sua manutenção pessoal e de sua família.

Buffon176 lembra que o Imposto de Renda, conforme mandamento constitucional deve atender aos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade. Isso significa que ele deve incidir sobre todo e qualquer rendimento adquirido por qualquer pessoa, e de modo que quem receba mais sofra uma carga fiscal maior.

No que concerne à devida aplicação do princípio da capacidade contributiva ao Imposto de Renda, Buffon salienta que a base de cálculo desse tributo deve levar em conta, para efeitos de tributação, apenas o aspecto subjetivo da capacidade contributiva, ou seja, na fixação de referida base de cálculo deve ser excluída aquela renda indispensável à sobrevivência do contribuinte e de sua família.

Entretanto, salienta o professor Buffon, o que se verifica na prática é uma verdadeira inobservância dos princípios constitucionais que regem esse imposto. Desse modo, pessoas com reduzida capacidade contributiva estão pagando, proporcionalmente às suas rendas, muito mais imposto do que outras pessoas que possuem considerável capacidade para contribuir com a sociedade. E essa incoerência é mais notável ainda se considerarmos o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, onde, além de não haver a mínima progressividade, pois praticamente só existe uma única alíquota (atualmente de 15 %), existem várias isenções e mecanismos de redução de lucros que diminuem a tributação das empresas, privilegiando a renda do capital em detrimento da renda do trabalho.

No que concerne à progressividade constitucional do Imposto de Renda, convém referir que antes da CF/88, referido tributo possuía uma gama muito maior de alíquotas do que com o advento da nova Constituição, conforme se comprova na tabela a seguir:

176 BUFFON, Marciano. Tributação no Brasil do Século XXI: uma abordagem hermeneuticamente

Alíquotas do Imposto de Renda Pessoa Física no Brasil

Período de vigência Quantidade de

classes de renda (faixas) Alíquotas (%) 1979 a 1982 12 0 % a 55 % 1983 a 1985 13 0 % a 60 % 1986 a 1987 11 0 % a 50 % 1988 9 0 % a 45 % 1989 a 1991 2 10 % e 25 % 1992 2 15 % e 25 % 1993 e 1994 2 15 % e 25 % 1995 e 1996 3 15 % a 35 % 1997 e 1998 2 15 % e 25 % 1999 a 2008 2 15 % e 27,5 % 2009 a 2014 4 7,5 % a 27, 5 %

Da tabela acima, concluiu-se facilmente que antes da CF/88, embora não existisse a obrigatoriedade constitucional da progressividade no IRPF, o mesmo possuía várias alíquotas, chegando a contar com 13 alíquotas entre os anos de 1983 a 1985. Por outro lado, em que pese o novo texto constitucional de 88 ter inserido a progressividade no imposto de renda, o mesmo foi graduado em apenas duas alíquotas, no caso das pessoas físicas, só aumentando para 4 alíquotas no ano de 2009.

E essas 4 alíquotas para o IRPF continuam a prevalecer, sendo que a partir do mês de abril do ano-calendário de 2015, a incidência do imposto passou a ser conforme a tabela a seguir

Exercício: 2015 – A partir do mês de abril do ano-calendário de 2015

Conf. art. 1º, parágrafo único da Lei 11.482/2007; Anexo IV da Instrução Normativa RFB nº 1.500/2014, alterada pela Instrução Normativa RFB nº 1.558/2015.

Base de Cálculo (R$) Alíquota (%) Parcela a Deduzir do IR (R$)

Até 22.847,76 - -

De 22.847,77 até 33.919,80

De 33.919,81 até 45.012,60 15 4.257,56 De 45.012,61 até 55.976,16 22,5 7.633,51 Acima de 55.976,16 27,5 10.432,32

Fonte: site: www.fiscosoft.com.br177

Do gráfico acima, constata-se que a máxima alíquota atual do IRPF no Brasil é de 27,5 %, sendo que, segundo Buffon,178 em inúmeros países de maior desenvolvimento econômico, essa alíquota gira em torno de 50 %, como se comprova na tabela que segue:

Taxação do Imposto Sobre a Renda das Pessoas Físicas

Pais Alíquota máxima

Bélgica 65,0 % França 54,0 % Alemanha 53,0 % Itália 51,0 % Japão 50,0 % Reino Unido 40,0 % Estados Unidos 39,0 % Brasil 27,5 % Fonte: OCDE

Percebe-se, portanto, que ainda é tímida a tributação das maiores rendas no Brasil, quando comparada com os países mais desenvolvidos.

Constata-se, também, que o limite de isenção para o ano calendário de 2015 foi de R$ 1.713,58 para a primeira faixa de renda tributada, o que implica que está ocorrendo a tributação sobre a parcela de rendimento das pessoas indispensáveis à sua sobrevivência. Ora, conforme o art. 7º, IV, da CF/88, o salário mínimo deve ser fixado para atender as necessidades mínimas das pessoas com moradia, alimentação, saúde, lazer, educação, higiene, transporte, vestuário e previdência

177 <http://www.fiscosoft.com.br>. Acesso em 03/02/2017.

178 BUFFON, Marciano. Tributação e dignidade humana: entre os direitos e deveres fundamentais.

social. Portanto, o valor correspondente a esses gastos, necessários à sobrevivência das pessoas, não pode ser submetido à tributação, pois não refletem capacidade contributiva. Assim, tomando-se por base o salário mínimo nacional do ano de 2016, que era de R$ 880,00, isso implica um valor anual de R$ 10.560,00. Entretanto, a parcela a deduzir na primeira faixa do IRPF do ano calendário de 2017, ano base 2016, era de apenas R$ 1.713,60, muito aquém do mínimo necessário a subsistência do contribuinte, o que significa que o mesmo está pagando imposto sobre a parcela de seus rendimentos que são indispensáveis ao seu sustento.

Portanto, o que se constata é que, apesar das grandes possibilidades de se graduar o IRPF segundo a capacidade econômica do contribuinte, isso não está ocorrendo na prática, visto que em referido tributo está se considerando apenas a disponibilidade econômica da renda, e não a renda líquida das pessoas. Além disso, em referido tributo também existe a limitação aos itens de despesas passíveis de dedução; e em alguns, inclusive, há limite no montante das despesas a deduzir, embora na prática elas possam (e é o que normalmente ocorre) ser muito maiores.

Nesse sentido, deve-se fazer referência à Apelação em Mandado de Segurança nº 516.686/92 – AL, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, na qual se analisou a aplicação do princípio da capacidade contributiva no Imposto de Renda. Decidiu-se que a tabela de recolhimento do imposto de renda na fonte deve ser corrigida monetariamente, sob pena de se ocasionar um aumento real da carga tributária e violar o princípio da capacidade contributiva.

Já com relação ao IRPJ a situação, conforme sinaliza Buffon,179 é muito mais grave ainda, uma vez que, além de não haver progressividade, sua alíquota de 15 % é muito inferior à alíquota de 27, 5 % do IRPF, o que evidencia uma grave discriminação não permitida na Constituição. Ou seja, enquanto um trabalhador tem sua renda tributada em 27,5 %, enormes empresas, com capacidade contributiva muito maior, pagam apenas 15 % de Imposto de Renda sobre o lucro que auferem, somado a 10 % sobre o lucro que ultrapassar a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) anuais.

E mais, no IRPJ existem vários benefícios e isenções legais, o que implica em redução da já baixa tributação a que são submetidas as empresas no Brasil. Como

179 BUFFON, Marciano. Tributação e dignidade humana: entre os direitos e deveres fundamentais.

exemplo, pode-se citar as grandes renúncias em benefício das empresas instituídas pela Lei 9.249/95, que exclui da tributação do Imposto de Renda das empresas os lucros e dividendos distribuídos aos acionistas e aos sócios. Essa mesma lei também permitiu a dedução dos juros sobre o capital próprio das empresas em relação ao lucro tributável do Imposto de Renda e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido. Ou seja, tais valores passaram a ser dedutíveis no cálculo do IRPJ e na CSLL.

Outro grande favorecimento às empresas ocorrido com a publicação da lei acima referida foi a isenção do Imposto de Renda sobre a remessa de lucros e dividendos para o exterior, o que favoreceu especialmente as multinacionais, os bancos estrangeiros e as montadoras estrangeiras, que remetem todos os seus lucros para as suas matrizes no exterior sem pagar qualquer valor a título de Imposto de Renda no Brasil. Com isso, essas empresas enviam para o exterior o dinheiro produzido aqui, de forma que tal numerário será utilizado para investimento nos seus países de origem, em detrimento do fomento do desenvolvimento nacional.

Deve-se ressaltar, ainda, que quando o Estado abre mão dessas receitas tributárias, deve buscar em outras fontes o valor correspondente, uma vez que deve ser mantido o nível da arrecadação para fazer face às despesas públicas. E o que tem ocorrido na prática é que o governo compensa essas renúncias fiscais em favor das empresas, tributando mais gravosamente o cidadão, com o direcionamento da carga fiscal aos impostos sobre o consumo.