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2.2.2 – APLICAÇÃO DO REGIME DE RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJECTIVA AOS ACIDENTES DE VIAÇÃO.

VIÁRIA E SEUS EFEITOS

2.2.2 – APLICAÇÃO DO REGIME DE RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJECTIVA AOS ACIDENTES DE VIAÇÃO.

Como referimos, a responsabilidade baseada na culpa constitui o princípio geral no direito civil português. A responsabilidade civil pelo risco constitui a excepção, a qual funciona, nos acidentes de viação, apenas quando o lesante não actua com negligência. Assim, desde que o lesante seja considerado culpado, as normas do artigo 503º não são aplicáveis.

No sistema de responsabilidade civil português, várias situações se podem verifi car para imputação da responsabilidade quando o lesante é considerado negligente:

a) só o lesante é considerado culpado;

A) SÓ O LESADO TEM CULPA

Antes de mais, quer-se notar que a culpa, no sistema jurídico português, é apreciada em termos do conceito de “ diligência de um bom pai de família” no dizer do n.º 2 do artigo 487ª do CC27. Por outro lado, como princípio geral, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão28, de acordo com o mesmo artigo, o que constitui um custo para o lesado, com consequências que ulteriormente analisaremos29.

Nos casos em que apenas o lesante é considerado negligente afasta-se, de imediato, o regime da responsabilidade civil objectiva, prevista no artigo 503º do Código Civil, aplicando-se o regime geral da responsabilidade civil subjectiva. Neste caso, é o princípio geral estipulado no artigo 483º do mesmo código que se aplica. O lesante fi ca obrigado a indemnizar o lesado, na hipótese de este não ser considerado culpado, pelos danos que resultem do acidente, não havendo limites estabelecidos para a reparação do dano. Em princípio, a indemnização coincidirá com o montante do dano. Refere-se “em princípio” porque o artigo 494º do CC invoca a “mera culpa” do lesante para a aplicação da equidade, ou seja, para que se possa fi xar a indemnização num montante inferior aos danos causados, desde que se verifi quem determinadas circunstâncias justifi cativas. Essas circunstâncias, segundo este artigo são:

a) a consideração do grau de culpabilidade do agente; b) a sua situação económica;

c) a situação económica do lesado;

d) outras circunstâncias (não especifi cadas) que justifi quem que se recorra à equidade.

Se o mecanismo previsto no artigo 494º somente se aplicar nos casos de indemnizações integrais elevadas ou quando o grau de negligência do lesante for baixo ou se a diminuição do valor da indemnização não for importante, tomando em consideração os limites estabelecidos para a RCO (Artº 508º), os incentivos criados podem favorecer um comportamento efi ciente do condutor e levá-lo a adoptar o nível de cuidado óptimo, x*.

Com efeito, quando a indemnização (I)se ajusta ao valor dos danos (h), isto é, se I=h, os lesantes têm incentivos para adoptar o nível de cuidado óptimo, x*, (supondo que este é igual ao nível de cuidado devido, xd, determinado pelos tribunais). Se I>h, os incentivos também contribuirão para a adopção de um nível de cuidado óptimo. Se a indemnização for ligeiramente inferior aos danos, como é o caso previsto no Artº 494º do CC, ainda haveria incentivos para um comportamento efi ciente pois, observando o 27 O conceito de culpa foi analisado no Capítulo I.

28 Salvo havendo presunção legal; artº 487º, n.º 1, parte fi nal.

nível de cuidado óptimo, x*, em vez de um nível de cuidado inferior (x<x*) os lesantes não reduzirão ligeiramente a sua responsabilidade mas afastarão toda a responsabilidade baseada na culpa.

Em resumo, no sistema de responsabilidade civil subjectiva, a indemnização pode variar ligeiramente positiva ou negativamente em relação ao valor do dano sem alterar signifi cativamente os incentivos dos potenciais lesantes para observar o nível de cuidado óptimo.

B) CULPA SIMULTÂNEA DO LESANTE E DO LESADO. REGRA DA CULPA COMPARADA

No âmbito da responsabilidade civil subjectiva o sistema jurídico português prevê situações de simultaneidade de culpa do lesante e da vítima. Trata-se de acidentes nos quais ambas as partes actuam com um nível de cuidado inferior ao cuidado óptimo, pelo que se comportam negligentemente. Nestas situações a responsabilidade distribui-se proporcionalmente entre as partes de acordo com o grau de culpa atribuível a cada uma, segundo o Artº 570º do CC:

1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do

lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.” Para que seja factível a distribuição da responsabilidade, o facto culposo do lesado deve ser concausa do dano que será determinada de acordo com o princípio de

causalidade adequada. Estas disposições legais geram incentivos para que cada parte

escolha o nível de precaução óptima como a melhor estratégia, independentemente da estraégia escolhida pela outra parte30.

RESUMO

No que respeita aos acidentes de viação o sistema jurídico português reconhece a responsabilidade civil objectiva pelos danos causados inerentes ao risco do veículo. Esta responsabilidade pelo risco é afastada se o lesado ou um terceiro contribuem com o seu comportamento negligente para a produção do acidente - desenvolvendo o lesante um nível de cuidado óptimo – ou se o acidente for devido a uma causa de força maior.

30 A solução obtida é o equilíbrio de Nash. Baird, Douglas; G; Gertner, R. H.; Picker, R. C. Game Theory and the Law. Harvard University Press, 1994, p. 21.

Se o indivíduo que tenha a direcção efectiva do veículo actuar com um nível de cuidado inferior ao nível óptimo aplica-se o regime geral da responsabilidade civil subjectiva, ilimitada no que se refere ao montante da indemnização dos danos, podendo o tribunal, por motivos de equidade, limitar esse montante quando entenda que a responsabilidade está baseada em “mera culpa”.

No que se refere à colisão de veículos, são previstas diversas hipóteses: se nenhum dos condutores for considerado culpado, a responsabilidade serás repartida em função do nível de risco gerado por cada um dos veículos. Se existem dúvidas sobre a negligência ou a contribuição de cada um dos veículos para os danos, considera-se que a culpa e o nível de risco foi igual para os implicados.

2.2.3 – PRINCÍPIOS GERAIS SOBRE O CÁLCULO DO VALOR DOS DANOS RELATIVOS A