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POR HABITANTE

1.9.1 – TEORIAS DA REGULAÇÃO

O principal pressuposto para o funcionamento do mercado é a liberdade de escolha dos indivíduos e a regulamentação implica uma limitação dessa liberdade. A intervenção do Estado signifi ca, pois, uma restrição que afecta o bem-estar dos indivíduos e pode induzir a uma mudança no seu comportamento3. Os efeitos dessa intervenção podem ser distributivos ou relativos à efi ciência, entre outros4.

A regulamentação económica pode ser defi nida como a acção do Estado que tem por fi nalidade a limitação da liberdade dos agentes económicos no processo de adopção das suas decisões5. O traço que caracteriza os regulamentos e a sua aplicação é o poder coercivo do Estado, pelo que o processo político é fundamentalmente diferente do mercado6. Os princípios básicos que guiaram as iniciativas no campo da regulamentação económica e social baseiam-se na análise tradicional do bem-estar social.

A teoria do bem-estar social permitiu abordar, de um modo formalizado, a intervenção do Estado na economia já que a própria análise económica foi fundada sobre o auto-interesse, a partir da obra Riqueza das Nações de A. Smith7, negando a necessidade dessa intervenção, excepto em alguns sectores, entre eles a defesa e a justiça. Em termos gerais, pode dizer-se que a análise do bem-estar8 procura defi nir as condições sob as quais o auto-interesse na actividade económica conduz ao bem comum (ou efi ciência) 9.

Seguidamente apresentamos o essencial de três teorias da regulamentação. - Teoria do interesse publico;

- Teoria da captura (capture theory); - Teorias económicas da regulação.

3 Viscusi, W. Kip; Vermon, John M.; Harrington, Joseph E. Economics of Regulation and Antitrust. 2ª ed. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1998, p. 307.

4 Pastor Prieto, Santos. Sistema Jurídico y Economía. Una Introducción al Análisis Económico del Derecho. Madrid: Tecnos, 1989, 115.

5 Kearney, Joseph D. & Thomas W. Merrill, The Great Transformation of Regulated Industries Law, 98 Colum. L. Rev. 1323 (Oct. 1998).

6 Stigler, George J, The Theory of Economic Regulation, 2 Bell J. Econ. 3 (1971).

7 Uma das principais preocupações de A. Smith foi demonstrar que a procura do interesse individual através da actividade económica conduz necessariamente ao bem comum.

8 Pigou, A. C The Economics of Welfare. 4ª ed. London: Macmillan, 1962.

9 Jackson, Peter. Welfare Economics. En: Maloney, John (Ed.). What’s New in Economics. Manchester, Manchester University Press, 1992, p.104. Partindo do denominado individualismo metodológico, investigam-se as condições com base nas quais o mercado – isto é, a interacção livre entre a oferta e a procura – promove o bem comum.

A) TEORIA DO INTERESSE PÚBLICO

A teoria do interesse público – ou Análise Normativa como Teoria Positiva, como é designada por Viscusi, Vernon e Harrington10 – considera que a intervenção do Estado na economia se fundamenta na existência de falhas do mercado: monopólio natural, externalidades e outras. A intervenção tem por objecto defender os interesses gerais do país, da comunidade ou do público em geral. De acordo com esta teoria, a superação das falhas do mercado permite maximizar o bem-estar social, partindo do pressuposto de que o Estado procurará o interesse público e actuará como um regulador benevolente.

Para uma adequada compreensão do conceito das falhas de mercado – e dado que estas justifi cam a regulação – referimos o primeiro teorema fundamental do bem-estar

social, segundo o qual: (a) se existe um número sufi ciente de mercados, (b) se todos os

consumidores e produtores se comportam competitivamente, e (c) se existe equilíbrio, então a afectação dos recursos em equilíbrio é óptima no sentido de Pareto.

Segundo Viscusi esta é uma teoria incompleta pois, na realidade, a regulação de muitas actividades não encontra justifi cação na existência de falhas do mercado (monopólios naturais, externalidades, etc.).

B) TEORIA DA CAPTURA (CAPTURE THEORY)

Dadas as críticas à teoria do interesse público, a partir dos anos setenta do século XX, a teoria económica desenvolveu a análise das falhas do Estado ou falhas do

mercado político. Como o conceito de falhas do mercado se fundamenta nos obstáculos

à consecução do óptimo de Pareto, a análise das falhas do Estado não podia recorrer ao mesmo suporte teórico-analítico dado que a actuação do governo não está orientada para a obtenção de lucro. Estas difi culdades levaram à elaboração de novos conceitos que foram incorporados na discussão sobre os factores determinantes, as restrições e os efeitos da actuação do governo na economia. Estes conceitos são: grupos de pressão

(lobbies) e rent seeking (procura de renda).

Com o trabalho de Mancur Olson11, o conceito de grupo de interesse ganhou importância na análise económica. Os grupos de interesse podem infl uenciar o resultado do processo de regulação ao providenciarem suporte fi nanceiro ou outro aos políticos ou reguladores. Na sua versão original o modelo de Olson tem por objecto estudar os grupos de interesse, defi nidos como associações que procuram o interesse comum dos seus membros.

10 Viscusi, W.K. (et.al.) Op. cit., p. 323.

11 Olson, Mancur. The Logic of Collective Action: Public Goods and the Theory of Groups. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1965.

Como resultado do desenvolvimento e integração destes dois conceitos – grupos

de pressão e rent seeking – o Estado, no seu papel de agente regulador, deixou de ser

entendido como um ente cuja actuação económica prossegue exclusivamente o interesse público. Nesta perspectiva, tanto os legisladores que orientam a actividade de regulação, como os burocratas responsáveis pela implementação e fi scalização das normas, estão submetidos à infl uência dos grupos de interesse, envolvidos em actividades de rent-

seeking (procura de renda) mediante as quais procurarão garantir rendas extraordinárias

para os seus membros com prejuízo do bem-estar social. Esta teoria afi rma que:

- A regulação produz-se porque os grupos de interesse a procuram (os legisladores são capturados pelos grupos de pressão) ou seja, a “regulation

is acquired by the industry and is designed and operated primarily for its benefi t.12

- Os legisladores são controlados pelos grupos de interesse ao longo do tempo, ainda que a regulação se inicie com outros objectivos.

Esta perspectiva do processo de regulação é conhecida como Teoria da Captura já que se discutem as formas e as consequências da captura das instituições do Estado (políticos e burocratas) por interesses de grupos privados.

A formação dos grupos de interesse tem por objecto a obtenção de uma renda económica que pode ser defi nida como o retorno obtido para além do custo de oportunidade de um recurso económico. As rendas podem surgir de dois modos diferentes: a primeira, pelo sistema de preços, que apresenta um carácter relativamente efémero dado que é anulada pelo processo de concorrência económica. A procura de renda económica através do sistema de preços produz um aumento do produto social pois é obtida pelo lucro na produção. A segunda forma de renda económica é gerada por factores alheios ao sistema de preços, entre eles, a regulação do Estado. A procura de renda económica pelos grupos de interesse que não utilizem o sistema de preços não aumenta o produto social mas gera uma transferência entre grupos.

CRÍTICADATEORIADACAPTURA. Esta teoria não oferece uma explicação teórica sobre

o modo como os legisladores e burocratas são capturados, nem explica o facto de que muitos regulamentos adoptados pelo Estado geram a oposição das indústrias ou do sector de actividade regulada. Na sua fórmula mais forte a Teoria da Captura apresenta uma grave defi ciência: a simetria em relação às teorias do interesse público (teoria do regulador benevolente). Se antes o agente regulador era visto como essencialmente interessado no

bem-estar social, agora passa a ser o órgão que apenas favorece passivamente o interesse privado dos grupos de interesse. Como o processo de regulação é complexo e envolve vários grupos de interesse, as evidências empíricas contrariam esta interpretação do processo de captura. Contudo, em muitos casos, o processo de captura pode explicar a actuação dos legisladores e dos burocratas.

C) TEORIAS ECONÓMICAS DA REGULAÇÃO13

Como refere Viscusi14, a evidência mostra que a regulação não está fortemente associada à existência de falhas do mercado, como defende a teoria do interesse público, e não favorece exclusivamente os grupos de interesse privados, como afi rma a teoria da captura.