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Capítulo 1 – Introdução

1.6. Aplicações

As aplicações da espectroscopia THz se estendem da Física à Biologia, envolvendo estudos dos mais variados: Análise de gases [3,31–33]; ligações intermoleculares – notadamente solvatação de íons [34] –; identificação de polimorfos e análise de cristalinidade [35–37] – incluindo discriminação de enantiômeros [38–41] –; caracterização de materiais; análise de explosivos; entre outros. Na Figura 17, são resumidas graficamente algumas dessas aplicações.

Figura 17: Visão geral das aplicações da espectroscopia THz.

A seguir, serão abordados alguns exemplos de aplicações selecionadas da literatura.

1.6.1 Análise de gases

Uma das características principais das versões mais modernas dos espectrômetros THz – em particular os sistemas baseados em photomixer – é sua altíssima resolução. Como consequência disso, ela tem encontrado aplicação em análise de traços de poluentes atmosféricos [3,31,42], os quais muitas vezes apresentam picos com frequências bastante próximas. Em 2013, Mouret et al. desenvolveram um espectrômetro sub-THz (capaz de operar na faixa de 620 a 900 GHz) com resolução da ordem de kHz [3]. Tal instrumento foi empregado na análise de CO e SO2, sendo obtido um limite de detecção de 1 ppm para este

último.

Embora existam diversas técnicas na região do infravermelho médio (MIR) para quantificar gases, há vantagem significativa em se utilizar a região THz. Em uma revisão recente, Smith e Arnold calcularam coeficientes de seletividade [43] para um conjunto de moléculas comuns – muitas delas de alta relevância para o monitoramento ambiental – em algumas regiões espectrais. Os resultados são resumidos na Tabela 1, e mostram que a

espectroscopia THz possibilita medidas com menos interferência para esses compostos quando comparada com outras regiões.

Tabela 1: Coeficientes de seletividade [43] para um conjunto de moléculas em faixas espectrais do MIR e do THz, enfatizando os valores mais altos para cada uma.

Gás Região espectral / THz (cm-1) THz IR 0,06-3,75(2-125) 78-93(2600-3100) 120-195(4000-6500) Acetaldeído 0,723 0,432 0,343 Acetonitrila 0,695 0,540 0,460 Etanol 0,968 0,251 0,398 Água 0,950 0,900 0,999 metanol 0,869 0,272 0,340 Amônia 0,970 0,920 0,797 Propanal 0,759 0,344 0,301 Propanonitrila 0,779 0,510 0,379 1.6.2. Explosivos

Devido ao seu caráter não ionizante e alta capacidade de penetração na matéria, a espectroscopia THz tem sido amplamente utilizada na caracterização de explosivos. Em 2007, Leahy-Hoppa et al. colaboradores [44] caracterizaram PETN (tetranitrato de pentaeritritol), HMX (1,3,5,7-tetranitroperhidro-1,3,5,7-tetrazocina), TNT (2,4,6-trinitrotolueno) e RDX (1,3,5-trinitroperhidro-1,3,5-triazina) por espectroscopia THz-DT. Mais recentemente, demonstrou-se o potencial da técnica na investigação de explosivos não nitrogenados, como o TATP (triperóxido de triacetona), difíceis de serem detectados por outras técnicas [45].

1.6.3. Dinâmica de solvatação e vibrações coletivas em líquidos

Como líquidos não apresentam uma estrutura fixa, seus modos vibracionais não correspondem a movimentos definidos univocamente e não podem ser preditos por uma análise estrutural de um sólido cristalino. Tais modos vibracionais caem exatamente na região THz e, por isso, a espectroscopia THz consiste em uma técnica essencial para a investigação da dinâmica de moléculas em estado líquido. Na literatura, há muitos trabalhos visando a determinação da função dielétrica6 de líquidos [46] empregando espectroscopia THz-TDS para os mais diversos fins. Por exemplo, há interesse em investigar a natureza de fenômenos

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de solvatação de íons e moléculas [34,47]. Em 2012, Funkner et al. realizaram uma série de medidas espectroscópicas na região THz para soluções de vários sais, visando correlacionar a dinâmica de solvatação de íons com a série de Hofmeister [34], e conseguiram pela primeira vez fornecer uma explicação para esta série de um ponto de vista molecular. Por exemplo, uma das conclusões deste trabalho – que envolveu cálculos teóricos de dinâmica molecular – foi mostrar que a estruturação maior do solvente não está relacionada com a série, uma vez que ela se restringe a poucas camadas de solvatação.

1.6.4 Distinção de polimorfos e determinação de cristalinidade

Uma das maiores vantagens da espectroscopia THz é a capacidade de discriminar facilmente diferentes estruturas cristalinas de um determinado composto. Essa habilidade é essencial para a indústria farmacêutica, uma vez que a ação de um medicamento pode depender do tipo de polimorfo. Técnicas convencionais, como a espectroscopia no infravermelho próximo (NIR) e a difração de raios-x (DRX) apresentam algumas complicações. A espectroscopia NIR, embora seja instrumental e operacionalmente mais simples, detecta diferenças entre as formas cristalinas de forma indireta – por meio da influência que as interações intermoleculares causam nas vibrações intramoleculares – sendo sempre necessário o emprego de modelos multivariados para obtenção dos resultados [48]. A difração de raios-x, embora permita uma sondagem direta, bem como a determinação exata da estrutura, requer cautela para interpretação dos dados. O caso da aspirina é um exemplo de que resultados contraditórios podem ser obtidos se a interpretação dos dados cristalográficos obtidos com a DRX não for realizada adequadamente [49–51]. A distinção evidente entre os polimorfos da carbamazepina empregando espectroscopia THz-TDS é talvez um dos exemplos mais marcantes na literatura [52]. Os espectros da carbamazepina na região do THz não apresentam simplesmente deslocamento de bandas ou variação na intensidade, mas sim características espectrais completamente diferentes.

Um caso particular de polimorfismo é a diferenciação de enantiômeros no estado cristalino. Embora a espectroscopia seja insensível à isomeria óptica, cristais de misturas racêmicas tendem a apresentar estruturas diferentes dos isômeros puros, devido ao fato de simetrias diferentes quase sempre impossibilitarem acomodações idênticas no retículo. Há na literatura diversos exemplos de tal distinção, notadamente para os aminoácidos valina [38] e alanina [39]. Ainda assim, deve-se ressaltar que nem sempre é possível prever que um

composto apresentará diferenças marcantes no espectro THz apenas pelo fato de possuir quiralidade. Os enantiômeros da serina, por exemplo, apresentam espectros muito mais semelhantes entre si [40] quando comparados com a valina. De fato, mesmo no caso da valina – onde as diferenças são bem marcantes –, a interpretação é complexa devido ao fato dos modos poderem ser decompostos em contribuições intermoleculares – translacionais e rotacionais – e intramoleculares7 [38].

1.6.4.1. Celulose microcristalina

Um material cujo grau de cristalinidade é particularmente importante é a celulose. A celulose microcristalina (microcrystalline cellulose - MCC) é um excipiente importante de formulações farmacêuticas. O índice de cristalinidade (crystallinity index - CI) da MCC influencia diretamente parâmetros essenciais destas formulações, tais como compressibilidade e cinética de dissolução [53]. A cinética da catálise enzimática da celulose – processo empregado para a produção de bioetanol – também é fortemente influenciada por sua cristalinidade [54]. No capítulo 4 deste trabalho serão descritas as investigações realizadas no sentido de quantificar a cristalinidade da MCC.

1.6.4.2. Uso potencial para outros sistemas cristalinos

É possível também que a espectroscopia THz seja útil na investigação de sistemas cristalinos mais complexos, ainda pouco explorados. Por exemplo, o omeprazol apresenta não apenas isomeria óptica, como seus tautômeros formam soluções sólidas [55]. Considerando a capacidade da técnica em caracterizar os modos vibracionais associados a interações intermoleculares, é razoável supor que ela poderia ser útil em estudos de investigação dos espectros de tais sistemas. Outro exemplo interessante é o caso da aspirina. Ao longo dos últimos 10 anos, a existência de uma segunda forma cristalina da aspirina causou amplos debates na literatura. Após Vishwshwar et al. [56] relatarem a obtenção de cristais da forma II durante tentativas de cocristalização com levetiracetam, Bond et al [51] levantaram a possibilidade de tais cristais serem na realidade a forma I. De acordo com essa hipótese, dois motivos diferentes poderiam coexistir em uma mesma estrutura cristalina – um formado por um arranjo no qual as moléculas estariam formando dímeros, e outro catemeros. Dentro desta

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Tal decomposição não é exclusiva de sistemas enantioméricos, e sim uma característica intrínseca de espectros THz, devido à natureza das vibrações observadas nessa região.

visão, as diferenças observadas nos difratogramas poderiam ser explicadas por variações na proporção dos motivos presentes nos cristais. Ainda seguindo este raciocínio, seria possível obter não apenas as formas I e II, como um amplo espectro de cristais nos quais a proporção dos motivos variasse continuamente. Há na literatura um trabalho teórico que mostra que as estruturas das formas I e II são degeneradas [57], argumentando que essa degenerescência é acidental: ela surge de um cancelamento entre interações intermoleculares estabilizantes da forma II e interações intramoleculares desestabilizantes da forma I. No capítulo 6, serão apresentados alguns resultados experimentais relativos a esse problema.

1.6.5. Análise de açúcares

Além de sua capacidade de discriminar polimorfos, a espectroscopia THz também se caracteriza por diferenciar compostos de estrutura bastante semelhante, como monossacarídeos [58,59]. Isto se dá pelo fato de que essa região do espectro está associada não somente a vibrações do cristal, como também a modos intramoleculares que envolvem grandes partes da molécula, levando, assim, a uma alta seletividade. Tal característica indica que a espectroscopia THz é uma técnica com potencial para ser aplicada para quantificação de açúcares em méis – misturas de dois monossacarídeos de estrutura semelhante, a glucose e a frutose –, bem como para classificação e verificação de adulteração dos mesmos. Atualmente, os métodos existentes envolvem técnicas demoradas, tais como ressonância magnética nuclear (RMN) [60], cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas (CG- EM) [61], cromatografia líquida de alta eficiência (high performance liquid chromatography – HPLC) [62] e medidas de razão isotópica de C [63].