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Considerações gerais sobre a espectroscopia terahertz

Capítulo 1 – Introdução

1.7. Considerações gerais sobre a espectroscopia terahertz

Embora apresente uma série de aplicações bem estabelecidas em diversos nichos específicos, existem ainda alguns pontos que possibilitam que se caracterize a espectroscopia THz como uma área ainda incipiente, em particular no que diz respeito ao uso analítico. A seguir, serão detalhados alguns desses aspectos.

1.7.1. Complexidade e qualidade dos bancos de dados

Ao realizar buscas de bases de dados de espectros THz, fatos curiosos são notados. Por exemplo, o banco de dados online THz data base [64], o mais amplo com conteúdo de livre acesso, apresenta uma série de fatores que dificultam seu uso e confiabilidade: espectros de um mesmo composto com bandas diferentes, espectros de objetos com absorção praticamente total (espectro de “tijolo”); atribuições indistinguíveis de ruído. Tais problemas tornam as consultas em bancos de dados menos confiáveis do que em outras regiões do espectro.

Além da escassez de bancos de dados, há também o problema de atribuições de bandas. À exceção da espectroscopia em fase gasosa – que envolve transições rotacionais puras –, todas as características espectrais da região THz são oriundas de modos vibracionais envolvendo muitos átomos – seja por consistirem em fônons ópticos, interações intermoleculares ou mesmo intramoleculares, mas associadas à molécula como um todo ou grandes porções dela. Em geral, os modos vibracionais de cada substância são particulares não apenas dela, como da forma polimórfica específica na qual ela se encontra. Portanto, não é possível fazer atribuições generalistas como no MIR – estiramento C-H, ou O-H, por exemplo – ou no NIR – sobretom de um estiramento O-H, por exemplo –, e cada espectro deve ser avaliado individualmente. Isso dificulta a interpretação rápida dos dados adquiridos, pois afirmações a respeito de uma ou outra interação investigada não podem ser realizadas por falta de referências. Juntando a isso o fato de trabalhos teóricos mostrarem que em muitos casos uma única banda observada experimentalmente pode corresponder à sobreposição de vários modos vibracionais [65–71], é fácil constatar o quão complexa é a interpretação de um espectro THz, e o quão criterioso se deve ser para confirmar qualquer atribuição. Há, portanto, uma necessidade urgente da comunidade científica trabalhar na direção de construir bancos de dados mais robustos e estratégias para interpretar de forma qualitativa os espectros sem a necessidade de recorrer a métodos teóricos a todo momento. Atualmente, a única interpretação imediata – e qualitativa – que se pode obter de um perfil espectral é se a amostra apresenta-se em um estado cristalino ou amorfo.

Há também uma forte dependência da temperatura. Em geral, como as moléculas apresentam anarmonicidade nas vibrações, as bandas tendem a se estreitar em temperaturas baixas [72,73]. Isso complica ainda mais a interpretação, pois a sobreposição de picos aumenta com a temperatura.

1.7.2. Aspectos metrológicos e artefatos

Talvez o principal empecilho atual para o desenvolvimento analítico da espectroscopia THz – ou mesmo para uma previsão realista de sua aplicabilidade para este fim – seja a falta de rigor encontrada na literatura com relação às medidas em si. Artefatos provenientes de efeito etalon na pastilha, pouco controle de tamanho de partícula e cristalinidade dos polímeros usados como matriz figuram entre os problemas mais comuns que não são levados em consideração o suficiente quando as medidas são realizadas. Em 2013, Naftaly fez uma revisão bastante detalhada desses problemas [74], enfatizando também as figuras de mérito metrológicas – relação S/R, resolução, faixa dinâmica e sensibilidade – associadas. Em contrapartida, a literatura está repleta de trabalhos nos quais fica evidente que cuidados adicionais deveriam ter sido tomados [75,76]. Por exemplo, em 2013, Trafela et al. afirmaram terem desenvolvido um método quantitativo para determinação de propriedades de amostras de papel. No entanto, os próprios autores admitem não saber se determinadas características espectrais encontradas são artefatos causados por interferência óptica ou de fato bandas associadas a modos vibracionais da celulose e outros componentes do papel [75]. A seguir, serão discutidos alguns desses pontos. Em cada uma das subseções o problema será apresentado junto com o que a literatura possui de mais atual para o enfrentamento do problema.

1.7.2.1. Etalon

Um dos problemas mais comuns encontrados em espectros THz é a presença de uma modulação ao longo do espectro que não está relacionada com a composição da amostra, e sim com reflexões internas na pastilha. Um etalon é formado por um dielétrico interposto entre duas superfícies que não são totalmente transparentes à radiação transmitida. Este sistema é exatamente uma cavidade óptica de dois espelhos, de modo que ondas cujas frequências sejam múltiplas do tamanho da cavidade – no caso, a espessura da pastilha – serão reforçadas por interferência construtiva. Como as espessuras das pastilhas de referência e da amostra sempre apresentam diferenças, os espectros costumam apresentar uma modulação intensa em frequências correspondentes ao etalon que não se cancelam mesmo quando a transmitância/absorbância é calculada. No entanto, deve-se lembrar que as pastilhas constituem um sistema muito mais complexo do que o etalon simples descrito, pelo fato de serem confeccionadas pela prensagem de materiais pulverizados com diferentes tamanhos de

partícula. Tal procedimento empregado em sua preparação implica na criação de cavidades, espaçamentos heterogêneos entre os grãos, poros e irregularidades na superfície. Assim, a análise e remoção de artefatos gerados por um efeito etalon em pastilhas não é tão trivial quanto a interpretação de um filme fino sugere. Uma das ferramentas mais empregadas atualmente na remoção deste artefato é o uso de filtros digitais no processamento do espectro, o que causa uma redução na resolução espectral. A abordagem prática mais simples, quando possível, é variar o ângulo de incidência da radiação na pastilha, de modo a alterar o caminho óptico que a radiação percorre dentro da pastilha e assim minimizar o efeito de interferência.

1.7.2.2. Reflexões no detector

Outro artefato bastante frequente é o surgimento de modulações oriundas de pulsos secundários gerados por reflexões no detector (em geral, na lente de Si da antena, ou no cristal não linear). No domínio das frequências, este efeito é facilmente confundido com o etalon, pois manifesta-se na forma de modulações no espectro. No entanto, a diferença no domínio do tempo é evidente. Embora já existam algoritmos para remover este artefato baseados em modelos de propagação [77], a prática mais comum ainda é utilizar algum método de suavização no espectro, tratando-o como um ruído aleatório.

1.7.2.3. Tamanho de partícula

Além de influenciar na compactação e porosidade das pastilhas, a distribuição de tamanhos de partícula afeta o espectro direta – aumentando ou diminuindo o espalhamento – ou indiretamente – alterando o grau de homogeneidade da amostra. O segundo caso é mais fácil de ser verificado: espectros de uma mesma pastilha em pontos diferentes podem ser adquiridos e comparados. Já o espalhamento pode ser confundido com a baixa cristalinidade da amostra, uma vez que o comportamento espectral de materiais amorfos é semelhante.

1.8. Objetivos 1.8.1. Gerais

Tendo em vista o caráter exploratório deste trabalho no que diz respeito ao uso da espectroscopia THz na área de Química Analítica, o principal objetivo foi investigar e avaliar as possibilidades de aplicações da técnica neste escopo. Neste sentido, o objetivo central foi o desenvolvimento de métodos analíticos que se mostrassem vantajosos em relação a técnicas já existentes. Devido às questões discutidas na seção 1.7, foi necessário adicionar algumas etapas de triagem, tanto para conseguir encontrar o melhor direcionamento do trabalho, quanto para tentar levantar bancos de dados próprios do laboratório. Além disso, não se pode deixar de mencionar que um tempo de familiarização com o instrumento foi necessário antes de iniciar o trabalho propriamente dito.

O trabalho também incluiu uma vertente instrumental com o desenvolvimento de um espectrômetro THz de pentes de frequência, construído durante o estágio no exterior realizado no National Institute of Standards and Technology (NIST), localizado em Boulder/CO nos EUA.

1.8.2. Específicos

 Desenvolver um método quantitativo para determinação do grau de cristalinidade em

celulose microcristalina;

 Desenvolver um método quantitativo para determinar a cristalinidade em polímeros sintéticos, com ênfase naqueles empregados como matrizes de pastilhas para espectroscopia THz;

 Construir e avaliar um espectrômetro THz com dois pentes de frequência;

Capítulo 2 – Espectroscopia terahertz no domínio do