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APONTAMENTOS SOBRE A ABORDAGEM SOCIOLÓGICA DA RELIGIÃO E REPRESENTAÇÕES COLETIVAS EM ÉMILE DURKHEIM

2 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO REFERENCIAL TEÓRICO-

2.1 APONTAMENTOS SOBRE A ABORDAGEM SOCIOLÓGICA DA RELIGIÃO E REPRESENTAÇÕES COLETIVAS EM ÉMILE DURKHEIM

A religião se apresenta como objeto de relevo singular para as Ciências Sociais quando do posicionamento da mesma como ciência autônoma ante as demais áreas do conhecimento. Um rápido olhar sobre os clássicos das Ciências Sociais permite visualizar que estes concederam à religião destaque em suas investigações, não com o intuito de fazer teologia ou especulações abstratas, inversamente, para relacionar religião e sociedade, conduta religiosa e teoria social, no empenho de entender a sociedade moderna por meio de um esforço científico, com desenvolvimento lógico e argumentação racional (CAMPOS, 2007, p. 114).

A religião, para Durkheim, organiza o modo pelo qual as pessoas estruturam o mundo e configura a base em que se firmam as primeiras representações sobre a existência humana. Durkheim enxerga a religião como um sistema de representações socialmente arquitetadas, de maneira coletiva. De tal forma, os indivíduos construíam seus sistemas de interpretação da realidade coletivamente e, a religião seria o primeiro deles (PINEZI; JORGE, 2012, p. 85-86). Adverte-se, necessariamente, que ―Durkheim não teve a preocupação primeira de construir uma teoria sobre a religião, em sentido teológico ou historiográfico.‖ (CAMPOS, 2012, p. 1030).

Assim, segundo a clássica definição durkheimiana

uma religião é um sistema solidário de crenças seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas; crenças e práticas que unem na mesma comunidade moral, chamada Igreja, todos os que a ela aderem. O segundo elemento que aparece na nossa definição não é menos essencial que o primeiro; pois, mostrando que a [ideia] de religião é inseparável da [ideia] de Igreja, faz pressentir que a religião deve ser eminentemente coletiva. (DURKHEIM, 2008, p. 79, grifos do autor).

Com base na arguição de Durkheim, a religião concebe-se como base dos sistemas de representação formados socialmente pelos homens e que influenciam, ainda hoje, mesmo que indiretamente, as normas de conduta dos indivíduos e conferem sentido às atitudes e formas de enxergar o mundo e os outros. Essa consideração faz pensar que a religião se insere de tal

77 Ao longo do trabalho, quando nosreferimos à teoria das Representações Sociais, usamos iniciais maiúsculas; ao tratar do processo de formação de representações sociais, iniciais minúsculas.

modo na vida social que seria impraticável imaginá-la isoladamente em relação aos demais aspectos da existência em sociedade (PINEZI; JORGE, 2012, p. 87).

O termo representações coletivas de Durkheim foi uma importante colaboração para o estudo das representações do sagrado e das crenças religiosas. N‘As formas elementares da

vida religiosa – obra que inaugura os trabalhos sistemáticos de Sociologia da Religião

(BAPTISTA, 2004, p. 169) –, ele apresenta que a noção de religião se encontra inseparável da de comunidade e que as crenças propriamente religiosas são sempre comuns a certa coletividade, em que o indivíduo, às vezes, recusa sua liberdade pessoal em prol das práticas e ritos coletivos e solidários que objetivam granjear, em troca, certo conhecimento do senso comum que será útil para organização da realidade na vida cotidiana (GOMES; RODRIGUES-CÂMARA, 2012, p. 387-388).

Em Durkheim, as representações sociais se referem a uma classe de crenças que procura dar conta de fenômenos como a religião, os mitos, a ciência, as categorias de espaço e tempo em termos de conhecimentos inerentes à sociedade, isto é, de como a sociedade organiza a sua realidade, transformando-a em conhecimentos úteis para a compreensão da dinâmica da vida comunitária. Tais crenças não são somente admitidas, individualmente, por todos os membros dessa coletividade, como também constituem o elo comum do grupo e dele fazem a unidade. Os indivíduos que o compõem sentem-se ligados uns aos outros pelos laços de uma crença comum, formando uma sociedade, cujos membros são unidos por representarem da mesma maneira o mundo sagrado e as relações deste com o mundo profano, e por traduzirem essa representação comum em práticas idênticas – é o que chamamos de religião. (GOMES; RODRIGUES-CÂMARA, 2012, p. 388).

Para Durkheim (2008, p. 76), não localizamos na história religiões sem Igreja. A Igreja pode ser nacional, ou transpor fronteiras; pode juntar todo um povo ou apenas uma porção dele; encontramos aquelas que são conduzidas por um grupo de sacerdotes ou que não possuem um conjunto gestor revestido de título. Porém, por toda parte em que se percebe a existência de uma vida religiosa, há na substância um grupo definido. Mesmo os chamados cultos privados, domésticos ou corporativos, atendem essa condição por serem solenizados por uma coletividade, a família ou a corporação.

A religião no pensamento durkheimiano se configura como um fenômeno eminentemente social, gestado na coesão de um grupo em torno de ideais compartilhadas. Assim, a religião de certa sociedade constitui a manifestação da própria sociedade, nela refletida (FAJARDO, 2012, p. 174). A preponderância do coletivo sobre o individual possui destaque no pensamento de Durkheim, e se apresenta a partir da consciência coletiva. Na lógica durkheimiana, a consciência coletiva não representa a soma das consciências individuais, mas a sua média. Tal definição direciona à coerção social, em que o indivíduo se

encontra constrangido a agir de certas formas, de modo a se enquadrar aos padrões vistos em outros integrantes da sociedade, mesmo que ninguém lhe tenha dito quais são esses moldes (FAJARDO, 2012, p. 175).

Durkheim foi um dos pensadores que mais contribuiu para a formação do conceito de religião no campo das Ciências Sociais (GUERRIERO, 2012, p. 12). Para ele, o sagrado forma a característica primordial da religião. Entendido como algo extraordinário, ele se diferencia do seu oposto, o profano, que diz respeito a coisas banais e mundanas. Essa diferença entre o sagrado e o profano não está no mesmo nível que a entre o natural e o sobrenatural. Este não está, necessariamente, no plano do sagrado, enquanto coisas sagradas não são obrigatoriamente sobrenaturais. O centro da análise durkheimiana está em associar o sagrado com a sociedade. Assim, as crenças religiosas se apresentam como representações coletivas e os cardinais rituais religiosos se praticam coletivamente. Para ele, um ajuntamento de pessoas que mantém crenças em comum e que participam de um conjunto de rituais forma a Igreja, o que denota garantir que a religião se organiza socialmente (GUERRIERO, 2012, p. 13).

Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam elas simples ou complexas, apresentam um mesmo caráter comum: supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens representam, em duas classes ou em dois gêneros opostos, designados geralmente por dois termos distintos traduzidos, relativamente bem, pelas palavras profano e sagrado (DURKHEIM, 2008, p. 68, grifos do autor).

Durkheim esclarece que a ―divisão do mundo em dois domínios, compreendendo, um tudo o que é sagrado, outro tudo o que é profano, tal é o traço distintivo do pensamento religioso‖ (2008, p. 68). A classificação durkheimiana da realidade entre sagrado e profano e a origem de grupos formados por indivíduos que se unem solidariamente em torno de tal disposição, forma a base das sociedades (CAMPOS, 2012, p. 1032).

N‘As formas elementares da vida religiosa (WEISS, 2012, p. 104), Durkheim destina dois tópicos para tratar o que considera uma definição científica da religião, que busca atender a todos os requisitos da universalidade e da singularidade do fenômeno. Dentre os elementos que constituem a religião, ele identifica as crenças e os ritos, em que aqueles se definem como ―estados de opinião‖, que ―consistem em representações‖, ao tempo que esses são ―modos de ação determinados‖ (DURKHEIM, 2008, p. 67).

―De forma mais detalhada, as crenças são representações de algo específico, e é justamente esse algo, ou seja, o objeto da crença, que a define enquanto crença, enquanto uma representação especial, diferentemente das demais formas de representação.‖ (WEISS, 2012,

p. 104, grifos do autor). Assim, para Durkheim, as representações religiosas, ou seja, as crenças, caracterizam-se por fixar uma visão que reparte a realidade entre o sagrado e o profano, como oposições integrais. E os ritos, enquanto ação religiosa, são idealizados como regras que orientam o comportamento do homem com relação às coisas sagradas. Afinal, crença e ritos são fenômenos que, relacionados de maneira sistemática, formam uma religião, que resulta em uma unidade coesa e particular, que não forma nenhum outro sistema de crença e, por isso, opera com uma lógica própria.

―As crenças religiosas são representações que exprimem a natureza das coisas sagradas e as relações que essas mantêm entre si e com as coisas profanas. Enfim, os ritos são regras de comportamento que prescrevem como o homem deve se comportar com as coisas sagradas.‖ (DURKHEIM, 2008, p. 72).

Desse modo, Durkheim assegurou a universalidade dos aspectos basilares constituintes da religião ao a assinalar como um sistema unificado de crenças e ritos que instituem certa relação entre o sagrado e o profano. ―Entretanto, permanecia em aberto a questão de delimitar a especificidade do fenômeno religioso, ou seja, algo que permita identificar a religião como algo distinto dos demais fenômenos sociais.‖ (WEISS, 2012, p. 105). Weiss indica que apenas uma articulação entre ritos e crenças, por mais que necessária, seria insuficiente para caracterizar uma forma de religião, visto que ambos os elementos também se encontram na magia. Mostra-se necessário distinguir magia de religião. Durkheim o faz através do conceito de Igreja, uma ―sociedade cujos membros estão unidos pelo fato de conceber, da mesma maneira, o mundo sagrado e suas relações como mundo profano, e de traduzir essa concepção em práticas idênticas‖ (2008, p. 75).

Ao agrupar os elementos que asseguram a universalidade da significação do fenômeno religioso àqueles que garantem sua especificidade, Durkheim delimita sua célebre definição de religião, já referida acima (WEISS, 2012, p. 105).

Acredito que essa pequena digressão contribui para ressaltar o caráter social da religião, o que é uma condição para que se justifique a possibilidade de uma abordagem propriamente sociológica de tal fenômeno, e que, certamente, diz respeito a uma das contribuições durkheimianas mais importantes para consolidar o campo da Sociologia da Religião. (WEISS, 2012, p. 106-107, grifo do autor).

Weiss (2012, p. 114) considera que entre todas as noções defendidas a respeito da religião, uma das mais importantes argumenta que a mesma não se constitui em uma representação falsa sobre o mundo, que nasceu de um pensamento ingênuo ou de um delírio, o qual poderia ser facilmente extinto. Para ela, Durkheim apresentou uma nova perspectiva

sobre o tema ao abordar a religião como um fenômeno que confere unidade moral aos indivíduos e assegura a coesão necessária para a existência social, ao mesmo tempo em que estruturou e desenvolveu o pensamento humano. Ainda para Weiss, na medida em que satisfaz necessidades humanas reais, a religião não deve ser enxergada como uma ideia que pode ser extirpada da sociedade, visto que ela não se restringe ao domínio do pensamento, mas exerce um destacado papel na orientação da ação dos indivíduos.

Portanto, há na religião algo de eterno destinado a sobreviver a todos os símbolos particulares nos quais o pensamento religioso se envolveu sucessivamente. Não pode haver sociedade que não sinta a necessidade de conservar e reafirmar, a intervalos regulares, os sentimentos coletivos e as [ideias] coletivas que constituem a sua unidade e a sua personalidade. Ora, essa restauração moral só pode ser obtida por meio de reuniões, [assembleias], congregações onde os indivíduos, muito próximos uns dos outros, reafirmam em comum os seus sentimentos comuns, daí, cerimônias que, por seu objetivo, pelos resultados que produzem, pelos procedimentos que empregam, não diferem, quanto à natureza, das cerimônias propriamente religiosas. (DURKHEIM, 2008, p. 504-505).

Guerriero (2012, p. 19) acredita que, para além de consolidar a Sociologia, ―Durkheim contribuiu de maneira edificante para a compreensão de um dos elementos mais instigadores da existência humana: a dimensão religiosa e seu componente fundante, a representação coletiva do sagrado.‖ Gomes (2004, p. 54) entende que a teoria das Representações Sociais, referencial teórico-metodológico que adotamos na pesquisa – e que iniciou em Durkheim com

As formas elementares da vida religiosa – tem sido pouco empregado na pesquisa do campo

religioso no Brasil.

2.2 ANTECEDENTES TEÓRICOS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

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