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Apontamentos finais: algumas decorrências da Resolução SE/SAP no cotidiano da educação nas prisões paulistas

a publicação da resolução se/saP gerou surpresa para o corpo dirigente das unidades prisionais, para gestores e educadores da funap. não gerou, porém, nenhuma reação explícita contra uma decisão que invalidou todo o pro- cesso de negociação e de construção coletiva de propostas levado a cabo entre os anos de 2010 e 2012.

Por outro lado, reproduziu a sistemática de ocultação das práticas adminis- trativas nos estabelecimentos penais, em oposição direta aos discursos públicos e às normativas oficiais. nas palavras de L., diretor-geral de penitenciária,

o secretário assinou uma resolução que não tem como cumprir. Todo diretor tá reclamando, mas ninguém vai falar isso pro secretário. Cada um vai ajeitar aquilo que puder dentro da cadeia, mas a gente sabe que se houver uma recla- mação, uma denúncia, o secretário vai dizer que a culpa é do diretor, que não cumpriu a resolução. (ibidem.)

Tome-se, como exemplo, a determinação de cumprimento de “carga horária semanal de 25 aulas, de cinquenta minutos cada”, o que corresponde a quatro horas e dez minutos de aula em cada período. Trata-se de uma carga horária in- viável diante dos horários de tranca e de troca dos plantões de funcionários, o que favorece o estabelecimento de acordos internos nas unidades prisionais para re- dução do horário das aulas. “os professores não vão dar a última aula”, define

L., “porque já vai ser a hora de recolher todo mundo pra troca do plantão”.

supervisor de ensino da diretoria de Bauru, C. manifestou a preocupação quanto a essa rotina de acordos durante teleconferência promovida pela se e saP no dia 5 de fevereiro de 2013:

está havendo uma celeuma nas unidades prisionais […] quando é publicada uma resolução, a gente cumpre. Contudo ficamos sabendo que houve uma reunião semana passada com os diretores de educação [dos presídios] e eles foram orien- tados [pela funap] que seriam apenas quatro aulas semanais e não cinco como estão previstas na resolução […] a gente contrariar uma resolução também acho que não é de bom grado. (ibidem.)

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ao problema, que fora dirigido para a diretora executiva da funap, foi dada uma conotação meramente “técnica”: “esse é um problema exclusivo da secre- taria de educação”, disse a senhora Casali, ocultando as facetas político-admi- nistrativas que permeiam a gestão das unidades prisionais e que, portanto, são de responsabilidade da secretaria de administração Penitenciária:

ninguém vai mexer em horário de tranca, não tem como. Pra isso tem que mudar os horários do plantão dos guardas, o horário do almoço da contagem. então as aulas começam mais tarde [do que o horário oficial] e terminam mais cedo. e os professores ficam aqui na unidade, quem é que vai saber que eles não tão dando aula? e você acha que eles não gostam? Quem é que não quer ganhar dinheiro pra não trabalhar? (ibidem.)

Já para os professores da secretaria de educação que assumiram aulas nos presídios, outros são os problemas: “viramos boi de piranha”, manifestou um professor ligado à diretoria de ensino de ribeirão Preto ao se referir à falta de preparação e de planejamento adequado para o funcionamento das escolas nas prisões. nesse caso, é importante notar que, ao passo que a resolução estabe- leceu como abordagem metodológica a “utilização de eixos temáticos” (art. 2, inciso iv) e a estruturação da matriz curricular por “áreas de conhecimento” (art. 4), as aulas ocorrem segundo a sistemática habitual da fragmentação disci- plinar, repro duzindo o mesmo modelo encontrado nas escolas regulares da rede de ensino. “ninguém recebeu qualquer orientação e nem temos formação ou ex- periência adequada para trabalhar de outra maneira”, destaca o professor.

dessa forma, em que pesem os avanços previstos e que podem ser trazidos pela resolução se/saP para a oferta de educação nas prisões paulistas, sobre- tudo com a regularização e oficialização dessa oferta, reconhecendo os alunos do sistema prisional como alunos da rede pública de ensino, os pontos de discussão aqui relatados permanecem e se reproduzem: de um lado, uma estrutura polí- tico-administrativa que permite que decisões de relevância e impacto públicos sejam tomadas com base em vieses personalistas; de outro, uma sistemática im- plícita à gestão das unidades prisionais que exige de seus dirigentes a realização constante de acordos não oficiais e de práticas que se opõem às normativas insti- tuídas pelo próprio estado.

essas questões devem – ou deveriam – ser enfrentadas pela instauração de mecanismos eficientes de fiscalização e controle social. entretanto, no que tange aos órgãos – estatais ou civis – que se prestam a essa finalidade, sua atuação tem sido marcada sobretudo por interesses também ocultos, em vez da participação transparente e democrática nos processos de discussão e formulação de propostas para fazer avançar a oferta de educação no sistema prisional.

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