• Nenhum resultado encontrado

2. DO ENSINO (GENÉRICO) AO ENSINO DO PROJETO

2.3. APONTAMENTOS SOBRE A PESQUISA EM PROJETO NO BRASIL

Nesta seção elencam-se primeiramente os grupos de pesquisa brasileiros atuantes no campo do projeto, muitos dos quais originados e/ou consolidados ao longo dos anos 2000, período que também remonta o surgimento de importantes conferências sobre o tema no país, sua progressiva repercussão e influência no meio acadêmico; haja vista que, como observou Celani (2003, p. 5), nos períodos precedentes o ensino do projeto não era bem estruturado, sendo incentivados os modelos indutivo e empirista da tentativa-e-erro.

Em 1997, Carsalade considerou que, embora houvesse grande qualidade pertinente à literatura brasileira sobre o ensino de arquitetura e, mais especificamente, sobre o ensino de projeto, esta se apresentava bastante reduzida, indicando “(...) a necessidade de se desenvolver um esforço das escolas, dos professores e pesquisadores brasileiros no sentido de gerar uma massa crítica que possa criar bases seguras para suas ações” (CARSALADE, 1997, p.7).

A iniciativa inaugural sobre o tema foi o Encontro sobre o Ensino de Projeto Arquitetônico, UFRGS (1985) que, no entanto, configurou-se como uma “iniciativa isolada nem com objetivos apenas acadêmicos (...), [ao representar] também uma reação de ‘proteção à arquitetura moderna’ que vinha sendo ameaçada pela falta de rumo no ensino de projeto (PANET, 2013, p. 326). Talvez por esse motivo pouco repercutiu em nível nacional, tendo alcançado reverberações reduzidas no sentido de instigar o intercâmbio de informações e experiências acerca do que se realizava nos ateliers das nossas escolas.

No grupo gaúcho desponta o trabalho de Edson Mahfuz que, ainda em 1985, conferiu especial importância ao papel dos precedentes e das analogias no processo de criação em arquitetura ao defender a premissa básica de que a atividade de criação “não parte de uma tábula rasa nem da consideração exclusiva de aspectos estruturais e programáticos, e pode ser definida como uma atividade que se baseia em grande parte na interpretação e adaptação de precedentes” (1995 [1985], p. 69)45.

45 Mahfuz (1995 [1985]) elabora tal questão com a com base nas definições e exemplos dos métodos ‘inovativo’

e ‘tipológico’. Através do primeiro busca-se resolver um problema sem precedentes ou um problema conhecido de maneira diferente. Para tanto, “o uso de analogias facilita a transmissão do conhecimento através de comparações entre o que é familiar e o que não é, ou entre o que é familiar ao leigo e o que só é familiar ao iniciado” (p. 72). O autor utiliza o trabalho do bricoleur para exemplificar soluções oriundas do método ‘inovativo’, que recorre a um “jogo heterogêneo de ferramentas e materiais, às quais não mantém nenhuma relação direta com projetos atuais e são o resultado de suas construções e desconstruções prévias” (p. 70). Diferentemente, no método ‘tipológico’ a noção de analogia se torna evidente, utilizando-se daquilo que existe para ordenar o novo. Ou seja, o que interessa é o objeto em si (ao qual é feita a analogia), desconsiderando-se o processo através do qual ele veio a ser o que é. Nesse sentido, “(...) o tipo é o ponto de partida para o processo de projeto, mas é principalmente um instrumento de significação” (p. 81). Como exemplo desse segundo método,

Após a virada do milênio, dezoito anos após o evento na UFRGS de 1985, a iniciativa de promover um evento nacional na área de projeto foi retomada, desta vez com o Seminário Projetar (acontecido em Natal em 2003). A partir de então a pesquisa nacional sobre o Projeto começou a ganhar densidade, sendo estimulada pelo surgimento e/ou fortalecimento de linhas e grupos de pesquisa relacionados ao tema; acompanhando avanço progressivo da pós-graduação brasileira no campo da AU46. Ao longo dos últimos doze anos, seguiram-se mais seis edições do Projetar, a última (em 2015, novamente em Natal) com praticamente o triplo de participações47 da primeira edição (2003):

A comparação entre estes dois momentos coloca em evidência a vitalidade do projeto como campo de pesquisa (...), demonstrada não apenas pelo aumento quantitativo das publicações, mas, sobretudo, pela variação nas temáticas tratadas (VELOSO, ELALI, 2015, p. 7).

Nesse sentido, Panet (2014) ressalta a importância da ampliação do interesse pelo projeto como objeto de estudo no contexto acadêmico brasileiro, o que é fruto do “avanço na qualidade das reflexões e na diversidade de experiências que se avizinham na temática do ensino de projeto (...) e conduzem a um permanente estado de pesquisa e investigação” (p. 344-345).

Uma breve investigação sobre os grupos nacionais, presentes no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq (complementada com a leitura dos currículos dos seus líderes e/ou de pesquisadores-membros disponibilizados na Plataforma Lattes) e nas páginas virtuais dos programas de pós-graduação (com foco em suas áreas de concentração e linhas de pesquisa)48,

mostrou a vitalidade da área, e suas grandes possibilidades de crescimento nos próximos anos. As palavras-chave (e suas variações) empregadas para tais consultas foram: projeto de

podemos citar as criações de Aldo Rossi, através das quais verificamos que o uso da tradição é a essência da invenção.

46 Ainda assim, conforme levantamento realizado por Alvim (2015, p. 5), os programas de pós-graduação (PPGs)

na área de Arquitetura, Urbanismo e Design (AUD) significam apenas 1,42% do total de PPGs em funcionamento no país, ou seja, um número reduzido frente ao universo de 3.791 programas registrados em 2014.

47 Projetar 2003: 2 conferências internacionais, 97 trabalhos publicados, dos quais 33 apresentados em mesas

redondas e 64 em sessões de comunicação oral. Projetar 2015: 3 conferências internacionais, 245 trabalhos publicados, dos quais 26 apresentados em mesas redondas, 103 em sessões de comunicações orais e 116 em sessões de pôsteres (VELOSO; ELALI, 2015, p. 7).

48 Salientamos que este levantamento, apesar de objetivar ser elucidativo a respeito das temáticas abordadas, é

um recorte sintético inserido em um universo acadêmico que tem se tornado cada vez mais amplo e heterogêneo, não havendo pretensões em defini-lo ou esgotá-lo. Inicialmente foram listados todos os GPs em que as temáticas principais configuravam em suas caracterizações e nomenclaturas, além de suas inserções nas áreas de concentração e linhas, o que pôde indicar diretrizes e enfoques dominantes. Posteriormente, procedemos às análises aprofundadas da produção desses grupos. Desta forma, no sentido de finalizarmos tal verificação, executamos quadros com as principais palavras-chave e suas ocorrências dentro das descrições de cada grupo.

arquitetura (85 ocorrências), teoria do projeto (51), método(logia)s de projet(açã)o (48), percepção do ambiente (29), técnica(s) de projet(açã)o (25), concepção projetual (9), métodos de ensino/aprendizado do projeto (7) e técnicas de ensino/aprendizado do projeto (7). O Quadro 1 ilustra quantitativamente o número de ocorrências para cada um dos termos adotados em cada um dos GPs considerados mais representativos para esta análise. De forma sucinta, nota-se que:

(i) O termo ‘projeto de arquitetura’ consta nas caracterizações e nomenclaturas de dezenas de GPs nacionais, porém são poucos os grupos que o enfocam, de fato, como objeto de estudos;

(ii) Os GPs melhor consolidados encontram-se vinculados a programas de pós- graduação de maior tradição em pesquisa nesta área, dentre os quais citamos as Universidades Federais do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Rio de Janeiro (UFRJ) (cada qual com dois GPs) e a UFRN (com as pesquisas de Projeto centralizadas em um único e heterogêneo GP);

(iii) No estado de São Paulo evidencia-se um crescente interesse pela pesquisa na área de Projeto. Na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), após recente emancipação do curso de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, desvinculando-se do programa em Engenharia Civil, houve melhor consolidação de suas linhas de pesquisas e grupos, possuindo atualmente dois deles específicos para o estudo do Projeto. A Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) prossegue com a pulverização de seus GPs, entretanto, as pesquisas na área de Projeto são numerosas. O Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP) apresenta pesquisas sobre Projeto desenvolvidas em áreas, linhas e GPs diversos (tanto com enfoque teórico, quanto tecnológico). Inversamente, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) mantém um grupo específico em Projeto, com produção percentualmente pequena frente aos demais grupos da instituição;

(iv) Interesse crescente também ocorre na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), num momento que coincidiu com o ingresso de novos professores no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (NPGAU) e incremento e/ou criação de GPs daquela instituição, na qual o enfoque das pesquisas mantém-se fiel à tradição daquela Escola, fortemente vinculada às áreas de humanidades;

(v) O Grupo Projetar (UFRN) é o único GP nacional que explicita conexão entre o Projeto e a Percepção do Ambiente, indicando a possibilidade destas disciplinas se imbricarem;

(vi) Alguns dos novos programas de pós-graduação em AU em fase de consolidação possuem GPs na área do Projeto, como nas Universidades Federais de Juiz de Fora (UFJF), de Viçosa (UFV) e do Pará (UFPA), além de chamar a atenção o mestrado específico em Metodologia de Projeto, da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Quadro 1 – Relação de grupos de pesquisa brasileiros na área de Projeto e seus principais enfoques.

INSTITUIÇÃO/

GRUPOS DE PESQUISA

PRINCIPAIS ENFOQUES/ PALAVRAS-CHAVE

Pro jeto d e ar q u itetu ra T eo ria d o p ro jeto C o n ce p çã o Mé to d o s d e p ro jetaç ão T éc n icas d e p ro jetaç ão Mé to d o s d e en sin o /ap ren d izad o T éc n icas d e en sin o /ap ren d izad o Per ce p çã o d o am b ien te UEM: ARQ3

UFAL: Grupo de estudos em Projeto de Arquitetura UFMG: Teoria do Projeto

UFMG: Ensino de Arquitetura e Urbanismo UFRGS: Construção Formal

UFRGS: Teoria e Prática do Projeto UFRJ: Ensino de Arquitetura UFRJ: META

UFRN: Projetar UFSC: NUCOMO

Unicamp: Metodologia de Projeto em Arquitetura Unicamp: Teorias e tecnologias aplicadas ao Projeto UPM: Arquitetura e Construção

UPM: Arquitetura: Projeto & Pesquisa & Ensino UPM: Arquitetura: Projeto: Crítica

UPM: Arquitetura, processo de projeto, análise digital

USP-FAU: Projeto, pesquisa e ensino USP-IAU: Grupo Quadro

USP-IAU: Rede bras.de pesq. e inovação de projetos

Fonte: Levantamento realizado pelo autor no site dos grupos de pesquisa do CNPq.

Em discussão sobre a atual realidade dos programas de pós-graduação em AU, com ênfase na tríade projeto, pesquisa e inovação ocorrida no PROJETAR 2015, Alvim (2015) afirma que “As descrições das áreas de concentração e linhas de pesquisa revelam que o

número de programas que tratam da temática ‘projeto’ aumenta” (p. 9); porém, ao focar a última edição de um dos principais eventos nacionais sobre pesquisa49, considera que “(...) apesar do tema perpassar os diversos eixos temáticos, a discussão se expressou ainda com certa timidez, na medida em que poucos foram os simpósios que aprofundaram o projeto em sua relação teórico-prática e seu relevante papel social e estratégico na contemporaneidade” (p. 13).

No mesmo evento, Kowaltowski (2015) ao apresentar um levantamento realizado em pesquisas apoiadas entre os anos 2010 e 2013 pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), apontou para conclusões convergentes às de Alvim, indicando “(...) poucos estudos na área do processo de projeto. Os estudos concentraram-se em áreas como: conforto; habitação; modernismo; patrimônio; políticas públicas e urbanismo” (p. 3). Na percepção da autora, “(...) há esforços para ampliar a pesquisa em projeto e os seminários do Projetar são importantes para divulgarem resultados de estudos afins e reunir os pesquisadores da área” (idem).

Tal pressuposto também se confirma no âmbito da pesquisa realizada por Veloso (2015, p. 10) acerca das seis primeiras edições do Projetar (2003-2013), nas quais constatou que:

a pesquisa em projeto se ampliou e avança positivamente, assim como o número de grupos de pesquisa e de programas de pós-graduação que têm esse foco, mas ainda são necessários aprofundamentos e refinamentos conceituais e metodológicos para a sua maturação epistemológica.

De fato, os dados acerca do panorama atual da pesquisa em projeto no Brasil mostram que o campo cresce progressivamente e se consolida como área do conhecimento cada vez mais representativa nos cursos de pós-graduações em AU, publicações e eventos. Desse modo, a formação do professor em projeto já apresenta notáveis oportunidades para cercar-se de produção científica que se avoluma e se aperfeiçoa, podendo ser utilizada em prol da qualidade do ensino de projeto.

49 Encontro Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (ENANPARQ), promovido pela

Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (ANPARQ). Com última edição realizada em Outubro de 2014 na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo (SP).