3. PESQUISAS SOBRE ENSINAR A PROJETAR
3.2. OLHARES PARA O (ENSINO DE) PROJETO
3.2.2. Trabalhos brasileiros sobre o ensino de projeto em fase inicial
Na busca de insumos para tratar desse assunto optamos por examinar artigos publicados nos anais das sete edições do Seminário Projetar, principal conferência realizada no Brasil sobre o projeto. A investigação mostrou participação reduzida de trabalhos sobre o ensino de projeto em fase introdutória do curso frente aos demais (Tabela 1), uma vez que, nas
sete edições, totalizando 1131 artigos, destacam-se 364 trabalhos sobre ensino (32%), sendo apenas 21 relativos à fase introdutória, o que representa apenas 5,77% do total.
Em relação às temáticas trabalhadas (Quadro 2), nas duas primeiras edições elas praticamente resumiram-se a descrições de experiências de ensino em atelier (GOUVEIA; BERNARDI, 2003; ABREU; NOGUEIRA, 2005; CONSTANTINOU; STUMPFS, 2005). Em 2009, quando o evento realizou-se na UFRJ, abordagens mais variadas pontuaram o assunto, como avaliações de proposições disciplinares (PERRONE, 2009; CARVALHO, 2009) com enfoque no processo projetual do alunado e no desenvolvimento cognitivo humano (ELALI; BORBA; DAMASCENO, 2009), além de elaboração teórica baseada na epistemologia filosófica (MEZZO, 2009).
Tabela 1 - Artigos publicados nos Seminários PROJETAR entre 2003 e 2015
EVENTO TOTAL
ARTIGOS
ARTIGO SOBRE ENSINO
Artigos sobre ENSINO NO INÍCIO do CAU PROJETAR 2003 93 48 1 PROJETAR 2005 146 61 2 PROJETAR 2007 95 4 0 PROJETAR 2009 243 80 4 PROJETAR 2011 167 77 8 PROJETAR 2013 131 21 1 PROJETAR 2015 256 73 5 TOTAL 1131 364 21
Fonte: Panet (2014, p. 60 – células em cinza), complementada pelo autor.
O maior número de artigos aconteceu na quinta edição do evento, realizada na UFMG. Entre eles as reflexões sobre experiências no atelier continuaram a dominar o assunto (MANENTI, 2011; FROTA, CAIXETA, 2011; SILVA; RORATO; SCHUWERTNER, 2011; CONSTANTINOU; STUMPFS; MOURA, 2011), algumas das quais buscando apresentar abordagens singulares, como uma investigação sobre a permeabilidade entre a arquitetura, as novas mídias e a cibernética na cultura ‘antropofágica’ brasileira (BALTAZAR DOS SANTOS; CABRAL FILHO, 2011) e outra alicerçada no pressuposto acerca das relações entre as ideias projetuais do alunado e seu ambiente de vivência (CARVALHO; SILVA, 2011). Assim como nas demais temáticas que conformaram o seminário, os trabalhos sobre ensino de projeto em fase inicial se embasaram fortemente na literatura específica da teoria do projeto (ANDRADE, 2011; MACHADO, 2011) que repercutia no meio acadêmico nacional tanto em relação a autores estrangeiros quanto brasileiros, muitos dos quais sendo referenciados por seus artigos publicados nas edições anteriores do evento.
Nas duas últimas empreitadas do Projetar, realizadas na UFBA (2013) e UFRN (2015), percebeu-se o empenho dos autores/pesquisadores nacionais em potencializarem o conhecimento gerado pelo próprio seminário e apontarem sintonias em relação ao estado da arte internacional sobre o ensino de projeto (HERBST; ALCANTARA, 2015).
Quadro 2 – Artigos alusivos à fase inicial do CAU publicados nos Seminários PROJETAR entre 2003 e 2015.
EVENTO QUANT ARTIGO AUTOR(ES)
PROJETAR
2003 1 Espaço e lugar o ensino do projeto arquitetônico Gouveia; Bernardi PROJETAR
2005 2
Introdução ao projeto arquitetônico I: Iniciação ao processo criativo
Constantinou; Stumps
Ensinar projeto no primeiro ano Abreu; Nogueira
PROJETAR
2007 0
PROJETAR
2009 4
Ensino e aprendizagem de projeto: primeiras incursões Perrone La iniciación en el proyecto de arquitectura.
Aproximaciones a uma pedagogia poética Mezo
O modelo no projeto e o projeto do modelo: considerações sobre a utilização dos modelos tridimensionais desde o primeiro período do curso de arquitetura e urbanismo
Carvalho Começando pelas operações concretas: uma proposta de trabalho com alunos iniciantes em cursos de AU
Elali; Borba; Damasceno
PROJETAR
2011 8
O projeto e o ambiente do aluno: reflexões sobre a relação entre projeto e o ambiente vivenciado
Carvalho; Silva Ensino introdutório de projeto de arquitetura e urbanismo: por onde
começar e que caminho seguir? Andrade
Antropofagia no ensino introdutório de projeto: duas décadas de experiência
Baltazar Santos; Cabral Filho Metodologia de introdução ao projeto de arquitetura e urbanismo com
foco na criação formal e na utilização de maquetes
Silva; Rorato; Schuwertner A experiência do desenvolvimento do processo projetual no primeiro
semestre da Faculdade de AU
Constatinou; Stumpfs; Moura Iniciação ao projeto: a teoria e a história no ateliê Manenti Arquitetando... um caminho para a introdução ao ensino da arquitetura
e do urbanismo Frota; Caixeta
Comprometimento, motivação e processo criativo: um ponto de vista e sua aplicação na introdução ao projeto arquitetônico
Machado PROJETAR
2013 1
A analogia como facilitadora do processo de concepção para alunos
iniciantes de projeto arquitetônico Barros; Andrade
PROJETAR
2015 5
O primeiro projeto: uma experiência de síntese do aprendizado Braga; Hilgenberg
Mock-up de habitação 4x4x4m: primeiro exercício de projeto de
arquitetura
Imbronito; Almeida; Brasil Oficina II: fundamentação, instrumentação e escalas no projeto de
arquitetura
Costa; Almeida; Campos Do autorretrato à percepção da urbe: uma introdução ao processo
projetual – conquistas e percalços
Herbst; Alcantara Fundamentação em Arquitetura e Urbanismo: uma experiência
integrada na unidade curricular Oficina I Brandão; Braga
Fonte: Levantamento realizado pelo autor.
Mesmo que o interesse pela fase inicial do CAU continue a ser reduzido frente às demais e os artigos a seu respeito estejam predominantemente centrados no relato de experiências em atelier, a formatação de alguns desses trabalhos apresenta-se como estudo investigativo interdisciplinar, voltando-se para os campos da pedagogia (COSTA; ALMEIDA; CAMPOS, 2015) e da psicologia (BARROS; ANDRADE, 2013), com abordagens que, de certo modo, as aproximam da produção científica internacional de maior relevância.
Apesar do evidente desenvolvimento da pesquisa brasileira sobre o projeto e seu ensino, a pequena quantidade de trabalhos que enfocam o ensino no início do curso se reafirma ao averiguarmos os artigos publicados em outro importante evento no país: o
Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ENSEA), organizado pela Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA)62. Um levantamento realizado nos anais publicados pelos ENSEAs entre 2001 e 2015, (contemporâneos do Seminário Projetar), também mostrou pequeno número de trabalhos sobre o ensino de projeto em fase inicial (Tabela 2), tendo em vista que, nas treze últimas edições totalizaram-se 287 artigos, sendo apenas 8 relativos à esta fase do CAU, o que representa apenas 2,79% do total.
Tabela 2 - Artigos publicados nos ENSEAs entre 2001 e 2015.
EVENTO TOTAL de artigos publicados Artigos sobre ENSINO no início do CAU TEMA DO EVENTO
17° ENSEA 2001 14 0 Técnicas Retrospectivas
18° ENSEA 2002 26 0 Projeto Político Pedagógico (PPP)
19° ENSEA 2002 9 0 Projeto Pedagógico e Inserção Social
20° ENSEA 2003 14 0 Experiências práticas em ambiente profissional
21° ENSEA 2004 5 0 Habitação e Mobilidade e seu ensino
23° ENSEA 2005 29 0 PPPs: Novas Experiências
24° ENSEA 2006 15 1 Novas Diretrizes Curriculares
26° ENSEA 2008 14 0 Novos perfis e padrões de qualidade para os CAUs
27° ENSEA 2009 12 1 Ensino e Atribuição Profissional
31° ENSEA 2012 23 0 Novos Cenários para o Ensino de AU
32° ENSEA 2013 19 1 AU: Formação Unificada no Brasil
33° ENSEA 2014 48 1 O Ensino de Arquitetura e Urbanismo: Teoria e Prática
34° ENSEA 2015 59 4 Qualidade no ensino de AU
TOTAL 287 8
Fonte: Levantamento realizado pelo autor em site da ABEA.
Nos ENSEAs realizados entre 2001 e 2005, as temáticas trabalhadas ora centraram-se especificamente no Projeto Político Pedagógico (nas duas edições de 2002 e em 2005), ora focaram em tópicos tradicionalmente situados em etapas mais avançada dos CAUs: Técnicas Retrospectivas (em 2001) e Experiências práticas em ambiente profissional (na edição de 2003). Não tendo havido, portando, grandes possibilidades para abordar a fase inicial do CAU consoante tais temáticas.
No ENSEA realizado em 2006, dentre os 15 trabalhos apresentados, 6 aproveitaram-se do tema Novas Diretrizes Curriculares para relatar estratégias didático-pedagógicas utilizadas em propostas de ensino. A partir desses 6 relatos, observou-se um único artigo a abordar práticas introdutórias sobre o projeto de arquitetura – Introdução ao Projeto Arquitetônico: uma Experiência de Ensino (PETRUCCI et al, 2006) –, no caso, a descrever brevemente o programa das duas disciplinas iniciais (do primeiro ano) acerca do exercício projetual na UFRGS.
62 O ENSEA está em sua 34ª edição (acontecida em Natal/RN, 2015), mas nos ateremos às publicações em meio
digital, divulgadas a partir de 2001 (treze edições disponibilizadas em site da ABEA). O encontro tem como objetivo “compartilhar e refletir sobre os resultados de pesquisas e experiências relativas ao ensino e à formação dos arquitetos e urbanistas, de forma a contribuir para o avanço do conhecimento neste campo” (www.abea.org.br).
Em edições seguintes, apesar de ter havido temáticas com maiores possibilidades de aderência à fase inicial do curso – como Novos perfis e padrões de qualidade para os CAUs (2008) e Novos Cenários para o Ensino de AU (2012) – não se contabilizaram textos a respeito. Em outros encontros, ao contrário, frente a temas pouco amistosos para com os primeiros anos – Ensino e Atribuição Profissional (2009) e Arquitetura e Urbanismo: Formação Unificada no Brasil (2013) – observaram-se dois trabalhos com enfoques similares, ambos oriundos do estado de Goiás, que se propuseram a “refletir sobre novas experiências didáticas desenvolvidas no recém-aberto Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFG, buscando uma melhor adequação às disciplinas de Introdução a Arquitetura I e II” (FROTA, CAIXETA, 2009, p. 131); e a “apresentar a experiência didática de Desenho Projetivo 1 [disciplina inicial de desenho e representação] do curso de AU da PUC-GO” (FERREIRA, FONSECA, 2013, p. 157).
Embora tenha contabilizado um número de inscrições expressivamente maior do que nas edições anteriores (48 trabalhos), o ENSEA de 2014 – centrado no tema O Ensino de Arquitetura e Urbanismo: Teoria e Prática – contou com uma única participação enfocada na etapa introdutória do CAU, mais especificamente sobre “o início do processo de ensino e aprendizagem dos fenômenos físicos que acontecem nas estruturas” (DUARTE, STACH, 2014, p. 294). O artigo descreve a “aplicação, em sala de aula, de atividades para a elaboração de maquetes com a finalidade de representar diferentes fenômenos físicos das estruturas” (ibidem, p. 286).
A evolução numérica de inscrições manteve-se no ENSEA de 2015, tanto em relação à totalidade de artigos (59 títulos), quanto ao crescimento de trabalhos centrados na etapa inicial do CAU (4 títulos). A respeito desse último grupo houve maior variação entre os assuntos abordados, dentre os quais: (i) indagações sobre a transição discente do ensino médio para o superior, abordando “questões relacionadas a duas dessas mudanças: o ambiente do estudante e o conteúdo que ele estudará na escola de arquitetura” (BALDAM, TESTOLINO, 2015, p. 74); (ii) dinâmica pedagógica disciplinar, demonstrando, através de quadro conceitual e metodológico, a progressiva reformulação de Desenho de Observação 2 [componente curricular obrigatório no CAU/UFRJ] em Desenho de Concepção, “no sentido de torna-la uma disciplina (...) para estimular o desenvolvimento de habilidades gráficas, perceptivas e projetuais, em simultâneo” (IZAGA et al, 2015, p. 437); e (iii) experiências de ensino realizadas em disciplinas Projeto 1 – “correspondente ao segundo semestre do CAU/INTA (...) refletindo sobre as competências e o papel do professor numa perspectiva construtivista e sociointeracionista” (BONACCORSO, BONACCORSO, 2015, p. 321) – e Desenho Livre – inserida no primeiro período do CAU/UFJF, objetiva “estimular que os alunos desenvolvam suas habilidades e competências demandadas pelo desenho à mão livre, visando apresentar conceitos sobre a importância do movimento para a compreensão do espaço arquitetônico e urbanístico” (FONSECA, BRAIDA, 2015, p. 580).
Diante desses apontamentos, mesmo que o último ENSEA tenha trazido expressiva quantidade de trabalhos focados na fase inicial dos CAUs, de modo geral o recorte das últimas duas décadas não apresenta indicadores estatísticos suficientes para apontar tendência de crescimento para esse tipo de trabalho, pois em nenhum dos ENSEAs anteriores ocorreu mais de um trabalho do gênero por edição (Quadro 3). O mesmo observou-se quanto à variação de assuntos abordados, prevalecendo 7 trabalhos centrados em experiências/ descrições de conteúdo disciplinar (sendo 1 título nos anos 2006, 2009, 2013 e 2014; e 2 títulos em 2015), além de diminuta deferência à introdução do projeto de arquitetura (IPA), que contabilizou apenas 3 títulos num universo de 287 trabalhos (1,05% do total), com enfoque em disciplinas como Introdução ao Projeto Arquitetônico I e II (UFRGS); Introdução a Arquitetura I e II (UFG); e Projeto 1 (INTA).
Quadro 3 – Relação de artigos alusivos à fase inicial do CAU publicados nos ENSEAs a partir de 2001.
EVENTO QUANT. REF. À IPA* ARTIGO AUTOR(ES)
24° ENSEA
2006 1 Sim
Introdução ao Projeto Arquitetônico: uma experiência
de ensino Petrucci et al.
27° ENSEA
2009 1 Sim
Arquitetando: experiências didáticas nas disciplinas
introdutórias de projeto Frota; Caixeta
32° ENSEA
2013 1 Não O desenho projetivo e o ensino de Arquitetura Ferreira; Fonseca 33° ENSEA
2014 1 Não
Ensino e aprendizagem do comportamento estrutural
por meio de modelos físicos Duarte; Stach
34° ENSEA
2015 4
Não Uma experiência didática como suporte ao ensino de
projeto: a disciplina de Assessoria Complementar Baldam; Testolino Sim Introdução ao espaço e ao lugar: uma experiência
metodológica em Sobral/CE
Bonaccorso; Bonaccorso Não Percorrer, observar e registrar: o ensino fora de sala. Fonseca; Braida
Não
Do Desenho de Observação ao Desenho de Concepção: trajetória de uma disciplina na busca do desenvolvimento do pensamento gráfico e de habilidades perspectivas e projetuais
Izaga et al.
*IPA: introdução ao projeto arquitetônico.
Fonte: Levantamento realizado pelo autor.
Portanto, tendo como parâmetro dois dos principais eventos científicos sobre o ensino de (projeto) de arquitetura e urbanismo brasileiros – o Seminário Projetar e o ENSEA –, constata-se que, mesmo que a quantidade de trabalhos sobre a temática apresente evolução nas últimas duas décadas, em termos proporcionais, o número de publicações relacionadas à etapa inicial dos CAUs permanece incipiente. No Capítulo 4, a partir do contato com as escolas públicas brasileiras, acreditamos que poderemos observar se (e como) ideias e preceitos acerca do ensino projeto surgidos no panorama brasileiro no início dos anos 2000 encontram repercussão nas opiniões dos docentes e nos programas dessas disciplinas na atualidade.