• Nenhum resultado encontrado

3. PESQUISAS SOBRE ENSINAR A PROJETAR

3.2. OLHARES PARA O (ENSINO DE) PROJETO

3.2.1. O ensino de projeto em fase inicial

Ao longo desta seção abordam-se pesquisas que, de algum modo, tangenciam o nosso tema, principalmente por focarem o aluno em fase de iniciação no atelier de projeto. Dentre os assuntos mais frequentes (descritos a seguir), elencam-se: (i) estudos sobre cognição, aprendizagem, analogias, preferências, etc. comparando-se diferentes níveis em AU e/ou diferentes cursos de graduação; (ii) testagens de proposições metodológicas, muitas das quais constituídas por tecnologias digitais; e (iii) pesquisas comparativas transculturais focadas nas diferenças de origem dos estudantes, especialmente no comportamento dos mesmos.

No primeiro grupo – que ressaltamos em virtude de nosso estudo empírico voltar-se para possíveis diferenças entre desenhos de alunos de acordo com os ambientes de vivência nos quais estão inseridos – chama-nos a atenção o estudo de Yasemin Yazici (2012), da Universidade de Istambul, Turquia, que, ao pesquisar empiricamente os efeitos de experiências espaciais (spatial experiences) e estilos cognitivos (cognitive styles) no processo de resolução de projeto desenvolvido por estudantes no primeiro ano do curso de AU, concluiu que os estilos cognitivos dos alunos influenciaram seus próprios métodos de concepção, ordem e duração; enquanto que, diferentemente, as experiências espaciais não tiveram efeito significativo sobre o método.

Também foram localizadas pesquisas desenvolvidas em torno dos estilos de aprendizagem ao longo dos primeiros anos de curso. Demirkan e Demirbas (2008), por exemplo, defendem esse tipo de estudo a fim de “assegurar que os instrutores de projeto possam relacionar conceitos de aprendizagem para as condições específicas durante o

processo (...), (estimulando) os alunos ‘divergentes’ a exibirem o seu leque de ideias e formas de resolução de problemas” (p. 357). Wu e Weng (2012), em estudo sobre os diferentes tipos de pensamento analógico como forma de “(...) melhorar a aprendizagem de alunos e sua performance futura na carreira” (p. 1017). Para tanto, os autores utilizaram calouros do curso de AU da Universidade de Tecnologia da China para explorarem o uso de um método que, segundo os pesquisadores “(...) na dimensão do desenvolvimento cognitivo, o professor utiliza casos análogos para orientar os alunos a descobrir diferenças entre seus conceitos existentes e conceitos aprendidos” (idem, p. 1033).

Na série de estudos realizada por Demirbas e Demirkan (2000, 2003, 2007, 2008, 2010), na busca de relações entre estilos de aprendizagem, desempenho de estudantes e seu processo de projeto, os autores criticam as escassas pesquisas similares, afirmando que “a maior parte dos estudos recentes sobre educação do projeto arquitetônico foca ou no ensino auxiliado por computador, ou no ensino à distância; alguns outros lidam com o estúdio de projeto como um ambiente ou com o processo dentro do estúdio” (2003, p. 437). No estudo de 2003, os autores avaliaram desenhos dos estudantes novatos, trabalho que se tornou referência importante para a definição metodológica dos estudos empíricos realizados nessa tese, embora em alguns pontos as informações a respeito sejam um tanto genéricas60.

Outro estudo parcialmente relacionado ao nosso, solicitou a alunos de diferentes níveis (inclusive aos de primeiro ano) que projetassem (to design, no original) um ponto de ônibus. E que, em todas as outras tarefas enunciadas pela pesquisa, tal objetivo deveria permanecer em mente. O objetivo do estudo buscou conhecer as estratégias cognitivas de raciocínio analógico, comparando estudantes em nível inicial, intermediário, avançado e arquitetos. Mais nos interessa, nesse caso, como se deu a leitura do material gráfico produzido, haja vista que “(...) na época deste estudo os calouros investigados estavam na primeira ou segunda semana de sua educação arquitetônica, o que sugere que não tinham experiência em projeto” (OZGU, DOGAN, 2013, p. 168-169). Nesse sentido, os pesquisadores isentaram-se de avaliar o material, conformando um painel de especialistas para tanto.

60 A 'escala de classificação' utilizada foi projetada para duas fases. Os produtos destas fases foram avaliados em

três categorias de item; correção da escada (características de design), aplicação de regras de desenho técnico (desenho técnico recursos) e qualidade de apresentação (características artísticas). Cada item foi avaliado através de alguns subitens para cada trabalho desenho (primeiro plano, segundo plano, terceiro plano e seção). Assim, se um desenho não estava presente, os subitens também não seriam considerados para esse pedaço desenho. Os subitens de correção das regras escadaria e desenho técnico foram avaliados por meio de uma classificação de três escalas como correto incorreto e, em caso de ausência de foi adicionado um subitem '0'. Outra classificação (bom para ruim) foi projetada para qualidade de apresentação dos produtos. A soma destes três pontuações deu a pontuação geral de 180 para o exercício existente.

Assim como Ozgu e Dogan (2013), muitos dos estudos localizados têm como premissa aprofundar-se nos aspectos que tangem à criatividade, vista como uma espécie de produto de relações analógicas: entre domínios distintos e distantes (JOHNSON-LAIRD, 1989); entre semelhanças relacionais de ordem superior e semelhanças superficiais (GENTNER et al, 1993); associadas à metáforas (TOURANGEAU; STERNBERG, 1981) (Idem, p. 174).

Pesquisadores de diversas partes do mundo têm discutido diferenças entre profissionais e estudantes ‘novatos’ e ‘especialistas’ (novices and experts designers) em relação às estruturas de conhecimento e utilização de metáforas e analogias. Casakin (2004), da Universidade de Ariel, Israel, observou que, enquanto projetistas novatos são geralmente bem sucedidos no uso de metáforas no início do processo de projeto, especificamente na definição de seus conceitos, eles tendem a ter um mau desempenho nas fases finais do processo de projeto. Ozkan e Dogan (2013), pesquisadores da Faculdade de Arquitetura de Izmir, Turquia, compararam estratégias cognitivas de raciocínio analógico entre novices e experts a partir de um grupo bastante amplo e diversificado de participantes, utilizando quatro categorias de displays visuais (perto, perto/distante, médio/distante, e distante). Apesar dos pesquisadores turcos entenderem os estudos de analogia em projeto como inconclusivos, eles demonstraram que as analogias preferidas variavam significativamente conforme as etapas de especialização, indicando que os calouros eram mais propensos a utilizarem exemplos distantes e estabelecer semelhanças apenas superficiais entre grupos.

Outro estudo semelhante desenvolvido na Universidade de Zhejiang, China, verificou que alunos de primeiro ano tendiam a colocar mais esforços sobre os aspectos funcionais do projeto (CHAI, CEN, RUAN, 2015). Sem que nos adentremos nas especificidades das três pesquisas, percebe-se que esse tipo de estudo, mesmo tendo objetivos apenas similares, normalmente alcança resultados diferentes segundo o local de desenvolvimento/aplicação.

O segundo tipo de estudo refere-se às testagens de proposições pedagógicas. Também com objetivos voltados ao estímulo da criatividade, a pesquisa de Lozanovska e Xu (2012) propôs-se a verificar os efeitos de um modelo pedagógico que envolve a participação de crianças junto ao atelier de projeto para, de certa forma, ajudar “a superar desafios, tais como a falta de ideias e a frustração que experimentam no primeiro ano do estúdio de projeto” (p. 223). Os autores, ao defenderem a ideia de que alunos iniciantes são capazes de representar as ‘ideias de projeto’ (design ideas, no original) através de desenhos, modelos e outros meios de comunicação em escala. Portanto, a pesquisa observou se a criatividade e a imaginação das crianças de escola primária obteve êxito em inspirar os estudantes de arquitetura. Ao final,

arquitetos convidados avaliaram a empreitada como positiva sobre a criatividade das crianças e dos estudantes de arquitetura e também em relação a cooptar opiniões para validar a tomada de decisões de projeto.

A proposição/pesquisa de Anderson, Amdell e Christensen (2009) parte da premissa que, muitas vezes, os projetos/desenhos de alunos iniciantes não são vistos como subsídio em potencial para pesquisas. Desse modo, os autores propuseram repositório digital que armazene esse tipo de material, tecendo criticas a respeito de a maioria dos bancos de dados estar focada em teses de pós-graduação. A pesquisa inicia-se de forma propositiva, a fim de capturar e armazenar com segurança os arquivos digitais de alta qualidade (textos, PDFs, imagens, arquivos produzidos em CAD) e em seguida, fazê-los prontamente disponíveis para utilização futura para uma variedade de propósitos, procurando verificar os efeitos da disponibilização desse tipo de dado.

Novas ferramentas digitais também foram observadas a respeito de sua eficácia acerca da mistura de ambientes de aprendizagem virtuais e físicos para melhorar a experiência do primeiro ano por imersão de estudantes na cultura universitária. Joshua McCarthy (2010), da Universidade de Adelaide, Austrália, por exemplo, estendeu a obrigação de seus alunos a apresentarem seus trabalhos também pelo Facebook, defendendo que através da ferramenta alunos e professores poderiam melhor estabelecer relações sociais e compreender a origem dos mesmos, principalmente em relação aos estudantes estrangeiros. Tal pressuposto se apoiou na tese de que a educação varia de geração em geração e, como tal, o educador deve reconhecer e utilizar essas ‘nuances’, em vez de ignorá-las.

Estudo semelhante também realizado por McCarthy em 2009 indicou que a sala de aula virtual hospedada pelo Facebook proporcionou uma plataforma para que os estudantes gerassem aprendizado acadêmico e interações com colegas de primeiro ano da universidade, em consonância com as aspirações com os alunos da geração-Y61. Parece-nos, nesse caso, que o sucesso da empreitada tenha ocorrido em virtude de sua aplicação junto ao primeiro ano, envolvendo participantes desconhecidos e de oriundos de diferentes culturas. Por fim, ao apresentar ressalvas sobre a inserção de tecnologias digitais em classe, McCarthy (2009, p. 731) utilizou-se de estudos contemporâneos para tanto, mesmo não tendo sido aplicados em

61 De acordo com Prensky, os ‘nativos digitais’, ou ‘geração-y’ "passaram a vida inteira cercados por e usando

computadores, videogames, CD players, câmeras de vídeo, telefones celulares, e todos os outros brinquedos e ferramentas da era digital" (Prensky, 2001a, p. 1 apud McCarthy, 2009 p. 729). Ele sustenta que a cultura digital e o ambiente em que os nativos têm crescido mudou a maneira como eles pensam: "É agora claro que, como resultado desse ambiente onipresente e o grande volume de sua interação com ele, os estudantes de hoje pensam e processam informações fundamentalmente de forma diferente de seus antecessores" (Idem).

atelier de projeto em fase introdutória: Waycott et al. (2010) concluíram que as formas em que os alunos usam tecnologias em suas interações diárias com a família e os amigos podem muitas vezes ser diferente de suas preferências para o uso da tecnologia na educação formal; e Salaway, Caruso e Nelson (2007) constataram que a preocupação de alunos com ambientes virtuais pode eclipsar a interação valiosa face-a-face com instrutores.

Pesquisas realizadas anos antes utilizando ambientes virtuais, mas não os misturando aos físicos, como o de Krause (2005), mostraram que a relação formada entre pares discentes ficou largamente embrionário como não havia uma ligação consistente ou direta entre os dois ambientes de ensino. Por sua vez, em outro estudo similar, realizado em 2006 também na Austrália, demonstrou uma nítida falta de coesão na população estudantil que diz respeito à tecnologia e um potencial ‘fosso digital’ entre os alunos dentro de um grupo de um único ano (KENNEDY et al, 2008).

O terceiro tipo de estudo enfoca as diferenças comportamentais entre culturas. Kayaa e Weber (2002) investigaram diferenças entre as percepções de alunos iniciantes turcos e norte- americanos. Os participantes deste estudo foram estudantes de primeiro ano que viviam em residências universitárias. Mesmo que este estudo não tenha sido realizado sobre o atelier de projeto, os resultados referentes às percepções dos alunos são indicadores relevantes para o conhecimento sobre os mesmos; apontando diferenças significativas principalmente entre as estudantes turcas, que percebiam seus quartos mais lotados do que as norte-americanas, fato que ocorreu de modo inverso entre os participantes do sexo masculino (KAYAA; WEBER, 2003, p. 307). Embora essa temática não tenha relação direta com a pesquisa em desenvolvimento, pois não investiga os desenhos dos alunos e sim suas atitudes, as diferenças de percepção detectadas entre os grupos pode ser um indicativo de distinções em outras dimensões.