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Apontamentos sobre ciberespaço na geografia

No documento O CIBERESPAÇO COMO CATEGORIA GEOGRÁFICA (páginas 42-47)

1. UMA PRIMEIRA DEFINIÇÃO DE CIBERESPAÇO

1.3 Apontamentos sobre ciberespaço na geografia

Partindo dessa possibilidade de conduzir análises geográficas entorno do objeto ciberespaço, torna-se pertinente avaliar em que medida o mesmo foi trabalhado no âmbito da ciência geográfica, especialmente na lusófona, e com maior atenção, na brasileira. Para tanto, como primeiro referencial de avaliação, parte-se para a questão da espacialidade do ciberespaço. Helenice Bergmann propõe que no ciberespaço “as noções básicas de localização ficam confusas nesse ambiente, uma vez que ele é marcado por uma não-espacialidade” (2007, p. 4), como se espacialidade fosse um atributo única e exclusivamente correspondente ao substrato físico da percepção de um indivíduo vinculada ao espaço geográfico. Entretanto, tal construção não explica o porquê de se utilizar todo um aparato linguístico de conotação espacial para se referir aos atributos do ciberespaço: os sujeitos entram

19 eXistenZ “É um filme realizado em coprodução por Canadá e Inglaterra, do ano de 1999, dos gêneros ficção científica e surrealista, dirigido pelo canadense David Cronenberg, protagonizado por Jude Law e Jennifer Jason Leigh. Trata-se de um Thriller passado no futuro onde o mundo virtual ganhou um lugar importante na vida das pessoas”, disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/EXistenZ>, acesso em 22 de dezembro de 2012.

nele, existem sítios que o compõem, pessoas por ele trafegam ou navegam, todas construções que se remetem a uma dimensão espacial. As formas de se vivenciar e perceber o ciberespaço estão todas relacionadas a uma composição de espacialidade e não o seu contrário.

Compondo um quadro mais coerente acerca da espacialidade do ciberespaço, apresenta-se no trabalho de Carlos Alberto da Silva e Michéle Tancman (1999) que, a partir das proposições de David Harvey (2007) acerca do fenômeno de compressão espaço-tempo, compreendem a interferência da aceleração tecnológica nas perspectivas e percepções de tempo e espaço contemporâneas:

A velocidade dos media eletrônicos instaura uma nova forma de experienciar o tempo, substituindo a noção de tempo-duração por tempo- velocidade e a instantaneidade das relações sociais. O tempo advindo das novas tecnologias eletrônico-comunicacionais é marcado pela presentificação, ou seja, pela interatividade on-line, fato constatado nas tecnologias de telepresença em tempo real que alteram nosso sentido cultural de tempo e espaço (SILVA & TANCAMAN, 1999, p. 55).

Seguindo esta premissa, de que a vivência espacial e temporal está sendo alterada pelas possibilidades instauradas com o advento das TIC, os autores partem para a construção do que entendem por ciberespaço: “o ciberespaço é uma dimensão da sociedade em rede, onde os fluxos definem novas formas de relações sociais” (SILVA & TANCMAN, 1999, p. 56). Ainda que restrita, tal conceituação guarda alguns elementos interessantes para uma construção mais apropriada sobre o ciberespaço, afinal, informar que o ciberespaço corresponde a “uma dimensão da sociedade em rede” não informa muita coisa. Dimensão em que sentido? Material? Social? A assertiva é incompleta. Tampouco a continuação do argumento apresenta maiores entendimentos, pois, a construção “onde os fluxos definem novas formas de relações sociais” não permite inferir que fluxos seriam (fluxos informacionais apenas, monetários, culturais?), bem como a questão da forma das relações sociais, que diz muito pouco sobre o que seria afetado nesse contexto.

De todo modo, alguns elementos são estruturantes para a compreensão do ciberespaço conceitualmente. O primeiro deles se remete à problemática da sociedade em rede, termo tomado de empréstimo de Manuel Castells e que estabelece o referencial social e histórico em que está situado o ciberespaço. Sem uma sociedade

em rede, ou uma sociedade da informação, não seria possível existir o ciberespaço, é essa sociedade que se conecta por meio de redes complexas de cidades, regiões e territórios, engendradas através de conexões comunicacionais ou mesmo físicas, por meio dos sistemas de transportes, que estrutura as relações sociais ambientadas no ciberespaço. Há que se perceber as dificuldades que são inerentes aos estudos da sociedade da informação, como diagnostica Jorge Ferreira,

A sociedade da informação impõe novas metodologias de análise. Medir e representar as novas acessibilidades informacionais, cartografar as novas comunidades, encontrar novos padrões e modelos de localização, parecem ser o desafio atual. No espaço físico e real, a localização de um ponto é definida por duas ou três coordenadas geográficas mas, no espaço virtual de uma rede ou no ciberespaço, a Geografia é incapaz de definir a sua localização, pois não dispõe atualmente de um modelo capaz de dar resposta a uma das mais simples questões da Humanidade - a localização (2005, p. 3).

O segundo elemento na análise do texto de Silva e Tancman (1999) corresponde à questão dos fluxos, afinal, o ciberespaço é, em grande medida, um espaço fluido, de certa forma diluído em diversos nichos que se comunicam e trocam constantemente informações. Assim, antes de tudo, o ciberespaço é um espaço em que fluxos informacionais são constantemente trocados e que é formado por esses mesmos fluxos.

Na sequência do trabalho Silva e Tancman estabelecem seus apontamentos por meio da noção de Anthony Giddens (1991) de encaixe e desencaixe, discorrendo sobre uma relação de oposição entre espaço concreto e espaço virtual, que promoveria o fenômeno do desencaixe:

[...] o desencaixe seria o deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço. Daí emerge o que denominamos de ciberespaço, isto é, um dos processos contemporâneos de desencaixe, promovido pela telemática (SILVA & TANCMAN, 1999, p. 57).

Aqui é necessário promover algumas ponderações, pois, tem-se que tomar em conta que a noção de desencaixe proposta para o ciberespaço, toma todo ele como apenas um deslocamento de relações sociais, não apreendendo toda a complexidade do fenômeno, uma vez que ele é reflexo e produção de uma sociedade específica em constante transformação. Além disso, não existe uma relação de contradição como

afirmada no texto entre espaço real e espaço virtual. Conforme Pierre Lévy (1999) aponta, o termo virtual aplicado ao ciberespaço perde um tanto o seu sentido original, nos termos de virtualidade ou seja, de potencialidade. Nesse contexto a verdadeira oposição ao termo virtual seria o atual e, nesse sentido, o ciberespaço não se apresenta enquanto virtualidade, potencialidade, mas enquanto realidade, atualidade. Na continuação do texto, os autores entram em contradição a essa argumentação primeira, ao afirmar que “Filosoficamente, o virtual é entendido como o que existe em potência e não em ato. O virtual é extensão do real, ou seja, é um real latente” (SILVA & TANCMAN, 1999, p 58).

Em outro âmbito de análise acerca do ciberespaço, Hindenburgo Pires tem estabelecido uma produção acadêmica de vulto, traçando os contornos geográficos sobre a rede de computadores na América Latina (2005a), no Brasil (2005b e 2010) e no mundo (2009a). Avaliando os artigos por ele publicados no decorrer da última década, percebe-se o desenvolvimento de sua construção acerca do ciberespaço. Num primeiro momento, o ciberespaço é conceituado enquanto um espaço de fluxos, que se materializa

através da expansão da rede mundial de computadores, a internet, que além de ser a maior biblioteca da humanidade é um processo que interfere e altera as novas formas de composição do capital dos lugares, cidades e regiões, que possuem fluxos e conexões em rede. Esta composição está permitindo, no ciberespaço, a formação de espaços de comando e de administração dos fluxos de informação (PIRES, 2005a, p. 1-2).

Em trabalho do mesmo ano, Hindenburgo Pires (2005b) mantém a proposta, ao se referir à Rede Nacional de Pesquisas do Brasil, que corresponderia ao próprio ciberespaço brasileiro. Assim, verifica-se que, num primeiro momento de pesquisa, suas referências sobre o ciberespaço estão relacionadas à base material que estrutura a rede de computadores conectados por meio da internet, conceituação esta, ainda restrita.

Ainda trabalhando com o conceito, Pires trata do que ele chama de cibergeografia, ou a disciplina que deveria estudar o ciberespaço:

cibergeografia ou o estudo do ciberespaço, segundo o olhar da geografia, constitui um esforço recente [...] de se estabelecer as bases conceituais que expliquem e elucidem como essa estrutura de rede, através da internet,

afeta e é influenciada pela dinâmica territorial produzidas com o crescimento de e-commerce e de atividades eletrônicas (2009b, p. 8).

Quanto ao objeto dessa ciência geográfica, Pires propõe que o ciberespaço “e as estruturas virtuais de acumulação representam uma projeção do espaço real, entender esta relação é compreender a dialética da vinculação e da articulação entre o espaço real e o espaço virtual abstrato” (2009b, p.10), ou seja, esse objeto permanece num limiar confuso, como projeção do espaço real concreto, mas também, como infraestrutura da rede, sendo assim, elemento constituinte do espaço real concreto. A falha aqui recorrente, é a de se perder a perspectiva material do ciberespaço e a tendência de projetá-lo numa meta-realidade, como se o domínio do real fosse perdido ao se permanecer nesse ambiente. Nesse sentido cabe o desenvolvimento de alguns apontamentos sobre a relação entre a base material e o complexo abstrato de que se reveste esse conceito ainda tão fluido.

No documento O CIBERESPAÇO COMO CATEGORIA GEOGRÁFICA (páginas 42-47)