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Os aportes teórico-metodológicos de Bourdieu se basearam prioritariamente nas concepções de conhecimento praxiológico, habitus e campo, com o escopo de articular ator social e sociedade. “A problemática teórica dos escritos de Bourdieu repousa essencialmente sobre a questão da mediação entre agente social e sociedade articulando dialeticamente o ator social e a estrutura social” (ORTIZ, 1983, p. 8). O conhecimento praxiológico foi estruturado a partir do diálogo com as teorias de Durkheim, Weber e Marx, ou seja, com o objetivismo, o subjetivismo e a dialética, respectivamente.

Para Durkheim, a individualidade do homem não possui relação direta com a sua vida social: “O ser individual, para Durkheim é distinto e antagônico ao homem social. O individual é apreendido como resíduo do elemento coletivo” (ORTIZ, 1983, p. 10-11); em Weber, são os homens, com suas ações subjetivas que ao interagirem na sociedade, aprendem a objetividade do mundo: “A objetividade do social só pode ser apreendida através das ações individuais” (1983, p. 12); e em Marx, Bourdieu se apropriou da mediação entre homem, sociedade e história: “Todo problema consiste, em encontrar a mediação entre agente social e sociedade, homem e história” (1983, p. 14).

Nogueira e Nogueira (2009), ao analisarem o percurso metodológico de Bourdieu, postularam que o autor identificou e se contrapôs a três tradições sociológicas:

A primeira tem em Durkheim seu maior representante sociológico, toma os sistemas simbólicos como estruturas estruturantes, como elementos que organizam o conhecimento ou mais amplamente a percepção que os indivíduos têm da realidade. A segunda, cuja ordem se encontra no estruturalismo de Saussure e que tem em Lévi Strauss um dos seus grandes expoentes, analisa os sistemas simbólicos como estruturas estruturadas, ou seja, como realidades organizadas em função de uma estrutura subjacente que se busca identificar. Finalmente, a terceira tradição, representada sobretudo pelo marxismo, concebe os sistemas simbólicos, antes de mais nada, como instrumentos de dominação ideológica para legitimar o poder de determinada classe social (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009, p. 19-20).

Ao trabalhar com o conhecimento praxiológico, Bourdieu focou em uma teoria da prática norteada pelo habitus. Sobre isto, Nogueira e Nogueira coligem que: “Bourdieu critica e se afasta das perspectivas subjetivista e objetivista, propondo, como alternativa, uma teoria da prática centrada no conceito de habitus. [...]. Este conceito de habitus sinaliza o elemento central da proposta desenvolvida por Bourdieu, de superação do subjetivismo e do objetivismo” ((NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009, p. 19-27).

Entendemos que Bourdieu pretendeu investigar e compreender o caráter ordenado das práticas sociais e das lutas dos agentes pelo princípio de legitimação (por meio da

profissionalização) e afirmação na sociedade, além das relações de poder simbólico na cultura do sistema de ensino, as quais são, em geral, asseguradas por meio das políticas estatais. Para tanto, o autor se valeu da análise das posições ocupadas pelos agentes na estrutura escolar, familiar e social, o que fez com que eles incorporassem um conjunto de disposições (habitus) para ação nas interações sociais (BOURDIEU, 1972). O conhecimento praxiológico, como resultado de uma teoria da prática que “leva em consideração tanto as necessidades dos agentes quanto a objetividade da sociedade” (ORTIZ, 1983, p. 19). A noção de habitus foi explicada como um conjunto de disposições duráveis, conscientes ou não, que possui estreita relação com a educação familiar, escolar e social. Ela foi caracterizada por Bourdieu (1983a, p. 80) como um “sistema subjetivo, mas não individual de estruturas interiorizadas, esquemas de percepção, de concepção e de ação, que são comuns a todos os membros do mesmo grupo ou da mesma classe e constituem a condição de toda objetivação e de toda percepção” (BOURDIEU, 1972, p. 79).

O habitus é ao mesmo tempo um sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas de percepção e apreciação das práticas. E, nos dois casos, suas operações exprimem a posição social em que foi construído. Em consequência, o habitus produz práticas e representações que estão disponíveis para a classificação, que são objetivamente diferenciadas, mas elas só são imediatamente percebidas enquanto tal por agentes que possuam o código, os esquemas classificatórios necessários para lhes compreender o sentido social (BOURDIEU, 2004a, p. 158).

Tais práticas e percepções autorizam os agentes a emitir juízos e classificações a partir de seus referenciais teóricos ou da ausência deles (senso comum). Ortiz (1983, p. 15) explicou a noção de habitus como uma tendência “a conformar e a orientar a ação, mas na medida que é produto das relações sociais, tende a assegurar a reprodução dessas mesmas relações objetivas que o engendram”.

Na reflexão sobre a noção de habitus, Bourdieu (1972, p. 82) salientou que a história do indivíduo “nunca é mais do que uma certa especificação da história coletiva de seu grupo ou de sua classe. O estilo pessoal, marca particular que carregam todos os produtos de um mesmo habitus, não é senão um desvio”. Portanto, existiu para ele uma estreita relação entre a história do agente social e a sua classe de origem – a interiorização por parte destes agentes assegurou as relações entre eles e a objetividade da sociedade nos diferentes campos sociais.

Ademais, o conceito de campo social foi definido, pelo autor, como espaço social, político, econômico, artístico, filosófico, educacional, dentre outros, em que os agentes estão

inseridos culturalmente e travam lutas concorrenciais em torno de interesses específicos. Assim, o estudo dos campos de produção cultural requer “a compreensão da gênese social de um campo e apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram” (BOURDIEU, 2002, p. 69). Diante disso, o autor sugeriu uma reflexão sobre as regularidades que engendram os referidos campos.

Bourdieu (2004a) baseou em Elias (1994) para analisar as regras de construção das regularidades sociais, as quais são elaboradas a partir da identidade individual e da identidade do grupo numa indissociabilidade entre o indivíduo e a sociedade. Desse modo, tal dinâmica constitui a cultura de determinados grupos.

Não obstante a isso, a cultura e suas relações sociais são explicadas por Bourdieu (1983a; 2010) como a condição de acordo entre os agentes sociais, a sociedade e as instituições que, em face à necessidade de mudanças, constroem outros habitus que são necessariamente reconfigurados na medida em que perdem suas aplicabilidades nas práticas sociais e simbólicas. Sobre essa relação, o autor descreveu o sentido da simbologia da seguinte forma:

Talvez [...] o maior encanto da simbologia seja este – seu poder circular de consagrar culturalmente determinados habitus que são obviamente substituídos por outros, na medida em que perdem seu valor social e vencem sua estratégia política, na sociedade e no seu tempo de jogo (BOURDIEU, 1983a, p. 74).

O relacionamento dinâmico entre ator social e estrutural social foi salientado por Bourdieu (1979; 2004a) como a estreita relação entre os agentes e as demandas objetivas do campo, conjuntura em que estes sujeitos estão inseridos buscando capital simbólico, entendido como o poder de consagrar um crédito oferecido pelo capital cultural em seu estado incorporado, objetivado ou institucionalizado. Tal tipologia elaborada por Bourdieu (1979) foi organizada por Catani e Nogueira (2003), da seguinte maneira:

O capital cultural, no estado incorporado está sob a forma de disposições duráveis do organismo, no estado objetivado, sob a forma de bens culturais – quadros, livros [...] que constituem indícios ou a realização de teorias ou críticas dessas teorias; institucionalizado, forma de objetivação que é preciso colocar à parte porque, como se observa em relação ao certificado escolar, ele confere ao capital cultural – de que é, supostamente, a garantia – propriedades inteiramente originais (CATANI; NOGUEIRA, 2003, p. 74).

Nesses termos, o campo social, cultural e científico exige dos agentes, como objetos de lutas, o capital incorporado na forma de conhecimento, o institucionalizado (diplomas) e o

objetivado (recursos de leituras e interpretações), a fim de instrumentalizá-los para lutarem pela legitimação social.

A construção da realidade social foi analisada por Bourdieu (2004a, p. 162) “a partir das lutas pelo princípio de visão e divisão do legítimo”. Para tanto, os agentes sociais se valem de:

Diferentes estratégicas, mais ou menos ritualizadas, da luta simbólica de todos os dias, assim como os grandes rituais de nomeação ou, melhor ainda, os enfrentamentos de visões e de previsões da luta propriamente políticas que encerram uma certa pretensão à autoridade simbólica enquanto poder socialmente reconhecido de impor uma certa visão do mundo social em meio à luta para a imposição da visão legítima, na qual a própria ciência se encontra inevitavelmente engajada, os agentes detêm um poder proporcional a seu capital simbólico (BOURDIEU, 1996, p. 82).

Os agentes sociais, ao buscarem a autoridade cultural por meio da legitimação oferecida pela credencial escolar, alimentam a indústria cultural, o monopólio da violência simbólica e a “multiplicação de diferentes grupos envolvidos na concorrência pela legitimidade cultural” (BOURDIEU, 1974a, p. 176). Com isso, constituem relações de poder em todos os campos. Assim, Bourdieu e Passeron (1982), ao avaliarem os fundamentos das relações de poder simbólico exercido pela cultura escolar, fazem alusões a Marx, Durkheim e Weber:

Marx se opõe a Durkheim no que ele percebe como produto de má dominação de classe, onde Durkheim não vê senão o efeito de um constrangimento social indiviso. Sob um outro prisma, Marx e Durkheim se opõem a Weber quando contradizem, pelo seu objetivismo metodológico, a tentação de ver nas relações de poder apenas relações interindividuais de influência ou de domínio e de representar as diferentes formas de poder (político, econômico, religioso, etc.) como diversas modalidades da relação sociologicamente indiferenciada do poder de um agente sobre um outro (BOURDIEU; PASSERON ,1982, p. 19).

Nessa discussão das relações de poder simbólico, Bourdieu e Passeron (1982, p. 20) enfatizaram que:

A eficácia real do esforço simbólico das relações de força implica no reconhecimento pelos dominados da legitimidade da dominação [...]. Weber se opõe a Durkheim, como a Marx, por ser o único a escolher expressamente para objeto de análise a contribuição específica que as representações de legitimidade trazem ao exercício e a perpetuação do poder, apesar de que, fechado numa concepção psicossociológica dessas representações, ele não possa se interrogar, como o faz Marx, sobre as funções que preenchem nas relações sociais o desconhecimento da verdade objetiva dessas relações como relações de força (BOURDIEU; PASSERON ,1982, p. 20).

Assim, é citado que as estratégias que regem um dado campo funcionam como uma quase regra de jogo, sendo ações racionalizadas e pré-reflexivas, ou seja, “tomadas no duplo

sentido de Weber e Freud [...] como uma força ao mesmo tempo lógica e social” (BOURDIEU, 2004a, p. 106). Elas podem estar ou não orientadas para a subjetividade dos agentes, mas, em geral, resguardam o funcionamento objetivo do campo em questão – nesse caso, o âmbito universitário.

Bourdieu (2004a, p. 101), ao refletir sobre as práticas que disciplinam e normalizam a vida social ressaltou a necessidade de elementos formais de codificação, ou seja, normas consagradas, pois “a codificação é um capital porque assegura uma comunicação mínima”. Alguns de seus efeitos estão diretamente relacionados com a objetivação das ações sociais; por conseguinte, ao se estabelecerem fronteiras, demarcam-se classificações. Porém, para o autor, existe uma relação contrária a isso, pois “o que se deixa codificar facilmente é o que já foi objeto de uma codificação jurídica ou quase jurídica” (2004a, p. 63) ou, melhor dizendo, possui aprovação da sociedade, consagração e poder simbólico. A cooptação de critérios legitimados e a possibilidade de adaptá-los aos campos necessários também tendem a se apropriar dessa simbologia.

O poder simbólico, objeto de estudo de Bourdieu por mais de três décadas, foi explicado pelo autor (1983a; 1983b; 2002; 2004a; 2010) como uma forma de “consagrar ou revelar coisas que já existem” (BOURDIEU, 2004a, p. 167). Esse poder é capaz de modificar práticas grupais, visões de mundo e atrair adeptos, “cuja forma por excelência é fazer grupos” (2004a, p. 166) ou consagrar grupos já estabelecidos, os quais por possuírem poder, conseguem impor sua visão de mundo. Tal autorização “só é obtida ao término de um longo processo de institucionalização. [Assim] a eficácia simbólica depende do grau em que a visão proposta está alicerçada na realidade” (2004a, p. 166), ocorre por meio de inculcação mental e é imperceptível, por isso, naturalizada e ajustada ao mundo objetivo, cultural e econômico. Ela é exercida por meio de uma mobilização que tem a seu favor o efeito legítimo da verdade, ou seja, é um “poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário” (BOURDIEU, 2002, p. 14).

Nesse prisma, Bourdieu (1983a; 2004a; 2010) afirmou que as instituições educacionais que asseguram a reprodução do capital cultural e econômico, como poder simbólico, são capazes de codificar e cooptar as reformas estatais, reprodutoras de hierarquias. Wacquant (2005), refletindo sobre tal questão, deduz que a reprodução ocorre:

Por meio das reações aparentemente anárquicas de uma multidão de agentes que simultaneamente competem e se conluiam na operação de circuitos cada

vez mais longos e complexos de legitimação garantidos em última instância pelo Estado como árbitro dos conflitos entre os capitais em disputa (WACQUANT, 2005, p. 73).

Os capitais em disputa são regulados pelo Estado e normatizados por meio da cultura. No que concerne à natureza desta competição e normatização, Wacquant (2005), a partir do referencial teórico de Bourdieu, explicitou que o tema central da obra deste autor foi:

O de “recuperar” a dimensão simbólica da dominação de forma a fundar uma antropologia da geração de poder nas suas mais variadas manifestações. [Revelando] a contribuição das formas simbólicas para a constituição e perpetuação da desigualdade estrutural pela ocultação de suas raízes econômicas e políticas (WACQUANT, 2005, p. 157).

Nessa direção, a sociologia de Bourdieu teve como objeto a cultura, a política, a violência simbólica e a educação. Ele se preocupou com a organização das instituições acadêmicas e dedicou, segundo Wacquant (2005, p. 158-159), cinco livros a este assunto. Para a referida sociologia as escolas, principalmente as de nível superior, são mecanismos fundamentais para a certificação das hierarquias sociais nas nações-Estados mais adiantadas e, por isso, se tornam terreno e objeto central das lutas democráticas.

Diante disso, para Bourdieu (1983a), descrito por Wacquant (2005), existe uma relação direta entre as ordens acadêmica, social e política, uma teia de relações que legitima a formação dos membros da classe dominante nas escolas de elite. Tal questão é vista como natural tanto pela classe popular, como pelos intelectuais, cultura que permeia o meio acadêmico, com raros conflitos que “dividem e unem frações rivais desta classe e mostram as contradições peculiares que perturbam o modo tecnocrático [desta] dominação” (2005, p. 160). Estas contradições são uma espécie de:

Estudo da teia de relações entre os espaços sociais que concentram as duas espécies de poder que os dominantes em qualquer sociedade complexa têm de monopolizar para fundamentar e legitimar firmemente seu primado: o capital econômico e o cultural (WACQUANT, 2005, p. 160).

Nas palavras de Bourdieu (2002, p. 53), é “esta dupla verdade, objetiva e subjetiva, que constitui a verdade completa do mundo social”, em que as ações são relacionais. Porém, ao analisar o espaço e a gênese das classes, o autor supracitado anunciou, em sua metodologia:

Ruptura com o economismo que leva a reduzir o campo social, espaço multidimensional, unicamente ao campo econômico, às relações de produção econômica construídas assim em coordenadas da posição social; ruptura, por fim com o objetivismo, que caminha lado a lado com o intelectualismo e que leva a ignorar as lutas simbólicas desenvolvidas nos diferentes campos e nas

quais está em jogo a própria representação do mundo social e, sobretudo, a hierarquia no seio de cada um dos campos e entre os diferentes campos (BOURDIEU, 2002, p. 133).

Entretanto, no que diz respeito ao espaço social e ao poder simbólico, Bourdieu (2004a), no livro “La distinction”, adjetivou seu trabalho como estruturalista e construtivista:

Estruturalismo num sentido daqueles que lhe é dado pela tradição saussuriana e lévi-straussiana. [...], quero dizer que existem no próprio mundo social e não apenas nos sistemas simbólicos - linguagem, mito, etc. - estruturas objetivas, independentes da consciência e da vontade dos agentes, as quais são capazes de orientar ou coagir suas práticas e representações. Por construtivismo quero dizer que há, de um lado, uma gênese social dos esquemas de percepção, pensamento e ação que são constitutivos do que chamo de habitus e, de outro, das estruturas sociais, em particular do que chamo de campos e grupos, e particularmente do que se costuma chamar de classes sociais (BOURDIEU, 2004a, p. 149).

A revolução estruturalista “se constituiu em aplicar ao mundo social um modo de pensamento relacional” (BOURDIEU, 2004a, p. 152), ao passo que a sociologia objetivista representou uma “análise das posições relativas e das relações objetivas entre essas posições” (2004a p. 152-153). Assim:

A ciência social deve tomar como objeto não apenas essa realidade, mas também a percepção dessa realidade, as perspectivas, os pontos de vista que, em função da posição que ocupam no espaço social objetivo, os agentes têm sobre essas realidades (BOURDIEU, 2004a, p. 156-157).

É preciso considerar que a visão que cada agente possui do espaço depende de sua posição nele e que “quanto mais próximos estiverem os grupos ou instituições ali situadas, mais propriedades eles terão em comum; quanto mais afastados, menos propriedades em comum eles terão” (BOURDIEU, 2004a, p. 153). Obviamente, as pessoas próximas “no espaço social tendem a se encontrar – por opção ou por força – no espaço geográfico. E as representações dos agentes variam segundo sua posição e seu habitus” (2004a, p. 153; 158). Para Bourdieu (2004a, p. 155), “assim como o subjetivismo predispõe a deduzir as estruturas e as interações, o objetivismo tende a deduzir as ações e interações da estrutura”. Nesse sentido, a construção da realidade social mascara:

Primeiro, que essa construção não é operada num vazio social, mas está submetida a coações estruturais; segundo, que as estruturas estruturantes, as estruturas cognitivas, também são socialmente estruturadas, porque tem uma gênese social; terceiro que a construção da realidade social não é somente um empreendimento individual, podendo também tornar-se um empreendimento coletivo (BOURDIEU, 2004a, p. 158).

Nessa perspectiva, o mundo social se apresenta, objetivamente, “como um sistema simbólico que é organizado segundo a lógica da diferença” (BOURDIEU, 2004a, p. 160) e subjetivamente porque “os esquemas de percepção e apreciação, em especial os que estão inscritos na linguagem, exprimem o estado das relações de poder simbólico” (2004a, p. 161). Todavia, os objetos do mundo social podem ser percebidos de diversas formas, posto que “sempre comportam uma parcela de indeterminação e fluidez, e ao mesmo tempo, um certo grau de elasticidade semântica” (2004a, p. 160). O poder simbólico não está ausente de conflitos, ao contrário, “na luta pela produção e imposição da visão legítima do mundo social, os detentores de uma autoridade burocrática nunca obtêm um monopólio absoluto, mesmo quando aliam a autoridade da ciência, como os economistas estatais, à autoridade burocrática” (BOURDIEU, 2004a, p. 165).

Já em análises sobre a conjuntura neoliberal, o autor denunciou que a intensificação dos mercados globalizados e o ajustamento deste projeto introduziram “uma lógica comercial em todos os estágios da produção e circulação dos bens culturais” (BOURDIEU, 2001, p. 81), o que significou uma drástica política para os trabalhadores – flexibilização do trabalho, empregos temporários, fragmentação e multiplicação de funções. Entendemos que esta política formou um conjunto de constrangimentos que intimidam e disciplinam o trabalhador, o que o pressiona a se qualificar cada vez mais (ROCHA, 2005), existindo, nesse caso, uma nova centralidade do ensino superior.

Logo, os fatores supramencionados sinalizaram a atualidade da obra de Bourdieu para o estudo da expansão da educação superior federal no Brasil e nas nossas localidades. Sendo importante ressaltar que tal processo possibilitou a inserção de vários trabalhadores, inclusive da educação, nesta modalidade de ensino. Haja vista à dinâmica da conjuntura atual marcada pela precarização do emprego formal e à dificuldade das pessoas em arcar com os custeios dos cursos privados. Mas esta ampliação de vagas apresentou um caráter contraditório, sobretudo nos países capitalistas, visto que conservou, ao menos em certa medida, a estrutura antiga do sistema de ensino e da exclusão escolar.