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O sistema de ensino, sobretudo em nível superior, foi visto por Bourdieu e Passeran (1964, p. 21) como algo capaz de assegurar o monopólio da violência simbólica legítima, uma vez que tende a “reproduzir a cultura dominante, contribuindo [...] para reproduzir a estrutura

das relações de força”. A autoridade pedagógica resguarda os princípios desta cultura, sob o caráter utópico de preservar certos conteúdos.

A relação funcional entre os conservadorismos pedagógico e social engendraram a ordem universitária dominada pela autoperpetuação defendida claramente nos processos de seleção, exames e provas, os quais procuram conservar o habitus do sistema escolar e de sua cultura, pois:

Todo sistema de ensino se caracteriza por uma duplicidade funcional que se atualiza plenamente no caso dos sistemas tradicionais em que a tendência para conservação do sistema e da cultura que ele conserva encontra uma exigência externa de conservação social (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 208). Nesses termos, a autonomia relativa do sistema de ensino tradicional e sua concepção de neutralidade, inter-relacionada com a ideia de manter uma cultura legítima, contribuem para a conservação social num ciclo vivo que só se esgota quando as estratégias se enfraquecem. A tendenciosidade dessa educação se refere ao fato de ela elaborar as próprias regras.

É com efeito à sua autonomia relativa que o sistema de ensino tradicional deve ao fato de trazer uma contribuição específica à reprodução da estrutura das relações de classe já que lhe é suficiente obedecer às suas regras próprias para obedecer ao mesmo tempo os imperativos externos que definem sua função de legitimação da ordem estabelecida, assegurando a transmissão hereditária do capital cultural e a sua função ideológica de dissimulação dessa função, inspirando a ilusão de sua autonomia absoluta (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 206).

Assim, a autonomia inerente à educação superior presta serviços à exclusão das classes populares, “a perpetuação das relações de classe e à conservação da ordem estabelecida” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 206). De fato, o sistema de ensino, sobretudo superior, (re)produz, por meio das escolas:

As condições institucionais cuja existência e persistência (auto reprodução da instituição) são necessárias tanto ao exercício de sua função própria de inculcação quanto à realização de sua função de reprodução de um arbitrário cultural do qual ele não é o produtor (reprodutor cultural) e cuja reprodução contribui para a reprodução das relações entre os grupos ou classes (reprodução social) (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 64).

Nessa ótica, o sistema de ensino, pelo fato de (re)produzir uma cultura dita legítima, porém segregadora, acaba “produzindo e reproduzindo, pelos meios próprios da instituição, as condições institucionais do desconhecimento da violência simbólica que exerce, isto é, do reconhecimento de sua legitimidade como instituição pedagógica” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 70). O sistema de ensino, ao estabelecer o que deve e/ou como deve ser ou não uma

escola, garante também “o que deve ser uma instituição para ser capaz de produzir as condições de produção de um habitus e, ao mesmo tempo, o desconhecimento dessas condições” (1982, p. 64). Existe, segundo os autores, uma organização no trabalho pedagógico muitas vezes inconsciente, capaz de impedir a execução de trabalhos escolares heterogêneos, de modo que na escola são cultuadas as “condições adequadas para excluir, sem interdição explicita, toda prática incompatível com sua função de reprodução da integração intelectual e moral dos destinatários legítimos” (1982, p. 67). Instrumentos de ensino como livros, manuais e programas são afinados com as práticas dispostas à conservação do sistema econômico, social e cultural. Tal processo conta também com agentes (professores) dotados dessa formação exercida nos limites de sua autonomia relativa.

O conservantismo pedagógico dos defensores da raridade dos títulos escolares não encontraria um apoio tão firme junto aos grupos ou classes mais ligadas à conservação da ordem social se, sob a aparência de defender somente seu valor sobre o mercado quando dependem o valor de seus títulos universitários, eles não defendessem pelo próprio fato, a própria existência de um certo mercado simbólico, com funções conservadoras que o assegura (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 69).

As funções conservadoras tendem a qualificar méritos e dons, de modo que a hierarquia escolar das aptidões para inserção no campo profissional organiza-se “segundo as oposições do brilhante, elegante e do laborioso, vulgar, da cultura geral e do pedantismo” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 210). Existe nessa ordenação um princípio de classificação “que pode organizar todas as hierarquias e ajustamentos do mundo universitário e consagrar diferenças sociais construindo-as como distinções escolares” (1982, p. 210).

Tais oposições se atualizam constantemente, mantendo o princípio tradicional de conservação de uma dada cultura que se afina num determinado contexto de forma articulada, inclusive, com as dinâmicas metodológicas de ensino. Nesse caso, o uso do laissez-faire pedagógico é uma alternativa de barateamento da educação para a classe popular e um processo de exclusão no que tange à concorrência no mercado de trabalho, tido como mercado simbólico que regula as aptidões.

O laissez-faire pedagógico que é característico do ensino tradicional [...] essa ação à revelia, imediatamente eficaz e por definição, inapreensível parece predestinada a servir a função de legitimação da ordem social. Isso corresponde a dizer quanto seria ingênuo reduzir todas as funções ideológicas do sistema de ensino à função de doutrinamento político que pode, ela mesma, segundo o modo de inculcação, exercer-se de uma maneira mais ou menos intermitente (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 214).

Nessa reflexão, os autores sinalizaram também que a prática pedagógica, a reprodução das relações sociais e a exclusão de determinados grupos (com a respectiva indução a dadas carreiras) incluem, além do desfavorecimento social e linguístico, a necessidade de trabalho remunerado e a questão do gênero, reservando para as mulheres as atividades ligadas à feminilidade.

As escolhas levam em conta (ainda que indiretamente) o sistema das oportunidades objetivas que condena as mulheres às profissões que requerem uma disposição feminina (por exemplo, as ocupações sociais) ou que as predispõem a aceitar, senão a reivindicar inconscientemente, as funções ou os aspectos da função que evocam um aspecto feminino da profissão (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 88).

A segregação pelo gênero “condena as moças mais frequentemente que os rapazes a certos tipos de estudos (letras principalmente), e isso tanto mais claramente quando elas são de mais baixa origem” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 193); logo, o prestígio social do diploma vê o seu valor se alterar, na medida em que feminiza as profissões. O ensino superior não só persuade a legitimação de sua exclusão, utilizando-se das seleções, exames e provas, como também oficializa instrumentos, a exemplo de médias aritméticas para excluir ou amenizar qualquer contestação que questione sua legitimidade, “ impondo simultaneamente a condenação e o esquecimento dos considerados sociais da condenação” (1982, p. 216), além de convencer os agentes de seus méritos ou da ausência deles.

Para que o destino social seja transformado em vocação da liberdade ou em mérito da pessoa, [...] é preciso e é suficiente que a escola consiga convencer os indivíduos que eles mesmos escolheram ou conquistaram os destinos que a necessidade social antecipadamente lhe assinalou. [...] convencendo os deserdados que eles devem seu destino escolar e social à ausência de dons ou de méritos (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 216-218).

O arranjo de forças existentes no seio do sistema escolar coloca a autoridade escolar, representada pelos professores, no princípio da ilusão da neutralidade nos conflitos de classes, o que também ocorre com a educação universitária crítica (que denuncia os princípios do arbitrário cultural do qual ela procede, embora o sustente) e liberal (para a qual não existe relação partidária em seu interior, sendo, porém, mais eficaz na manutenção da exclusão que o sistema de ensino anterior a ela).

Na medida em que dissimula mais completamente os fundamentos últimos de sua autoridade pedagógica e, portanto, da autoridade de seus agentes a universidade liberal dissimula que eles não existem. A universidade liberal é mais eficaz do que um sistema de ensino teocrático ou totalitário, onde a delegação de autoridade se manifesta objetivamente no fato de que os mesmos

princípios fundamentam diretamente a autoridade política, a autoridade religiosa e a autoridade pedagógica (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 74). Em certa medida, os conflitos no ensino superior francês geraram uma crise de valores que questionaram essa esfera educacional. Tal crise é descrita por Bourdieu e Passeron (1982, p. 111) “a partir do aumento de volume desconcertante das condutas e dos propósitos que marcou [esta] fase”. Contudo, isso não sinalizou mudanças estruturais nas universidades e demais escolas destinas a este nível de ensino, pelo contrário: tanto professores quanto alunos conservaram o determinismo da exclusão. Sobre isso, os autores nos pontuaram que:

A fase aguda da crise da universidade não deve inclinar a ilusão do surgimento ex nichilo de atores e de atos criadores: nas tomadas de posição mais livres em aparência exprime-se ainda a eficácia estrutural do sistema dos fatores que especifica os determinismos de classe por uma categoria de agentes, estudantes ou professores, definida por sua posição no sistema de ensino. Invocar ao contrário a eficácia direta e mecânica de fatores imediatamente visíveis, como o crescimento brutal do número de estudantes, seria esquecer que os acontecimentos econômicos, demográficos ou políticos que colocam ao sistema escolar questões estranhas à sua lógica as quais não podem afetá- lo se não de acordo com a sua lógica (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 111).

Entretanto, a crise no sistema de ensino sinalizou uma interrogação sobre a sua consagração, o que sugere rupturas com alguns acordos, nisto:

A situação de crise nascente é a ocasião de discernir os pressupostos ocultos de um sistema tradicional e os mecanismos capazes de perpetuá-lo quando as preliminares de seu funcionamento não estão mais completamente preenchidas. É no momento em que começa a romper o acordo perfeito entre o sistema escolar e seu público de eleição que se revela com efeito a harmonia preestabelecida que mantinha [...] este sistema que excluía toda interrogação sobre seu funcionamento (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 111).

A harmonia existente entre o funcionamento do ensino e a sociedade entrou em colapso com a eminente interrogação da validade social do funcionamento da educação ocasionando conflitos e desentendimentos no que tange à comunicação pedagógica, situação que condicionou a eliminação de parcela dos alunos que não conseguiram dialogar com esta instituição. “O mal-entendido que assedia a comunicação pedagógica só permanece tolerável na medida em que a escola é capaz de eliminar os que não preenchem suas exigências implícitas e que ela consegue obter dos outros a cumplicidade necessária para seu funcionamento” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 111).

O surgimento de um público de receptores que não decifra totalmente a mensagem de comunicação escolar desencadeou uma ruptura com o equilíbrio dessa instituição, visto que “os

modos desta transmissão foram objetivamente adaptados a um público definido, dotado de capital linguístico e cultural e da aptidão a fazê-lo frutificar [...] sem jamais exigi-lo expressamente e sem transmiti-lo metodologicamente” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 111-112). De fato, havia um entrave nesse relacionamento, uma vez que a relação pedagógica enquanto “relação de comunicação cuja forma e rendimento são função da adequação entre níveis de emissão e níveis de recepção socialmente condicionados” (1982, p. 113) não conseguiu ser efetivada, exceto para um pequeno grupo de estudantes. Conforme os autores, existiu um pequeno grupo de estudantes das classes populares que sobreviveram à exclusão do sistema de ensino, mas sem ter, na maioria dos casos, consciência desta exclusão. Eles não foram valorizados pela escola em relação aos seus esforços, mas foram impulsionados, na maioria das vezes, por fatores sociais. Sobre isso esses teóricos ressaltaram que:

O público de uma disciplina é o produto de uma série de seleções, cujo rigor em função das relações entre fatores sociais que determinam as diferentes trajetórias escolares e o sistema dos diferentes tipos de estudos são objetivamente possíveis num determinado sistema de ensino em um momento dado do tempo (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 95).

Bourdieu e Passeron (1982), ao analisarem a expansão do ensino superior na França, no período de 1961-1962 e 1965-1966, salientaram que o crescimento deste ensino aumentou também a taxa de escolarização das classes sociais entre 18 e 20 anos, porém, sem alterar significativamente a antiga distribuição de vagas, conforme a herança linguística e o capital cultural. Houve, segundo os autores, um maior número de sobreviventes, entendidos como os alunos das classes populares que se sobressaíram sobre a taxa de eliminação escolar, ou seja, “em razão do aumento da taxa de escolarização de todas as classes sociais, o efeito corretor da superseleção exerce-se cada vez menos sobre o nível de recepção das categorias dotadas de mais fraca herança linguística” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 102-103).

O ensino superior uniu “os graus de competência linguística às características do passado escolar” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 91) e a população de estudantes que resistiram ao monopólio da exclusão romperam, em certa medida, com esse ciclo de encadeamento de escolhas hereditárias.

Segue-se primeiramente que a estrutura da população de sobrevivente se modifica continuamente em razão do critério que comanda a eliminação; isto tem por efeito enfraquecer pouco a pouco a relação direta entre a origem social e a competência linguística (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 91).

Essa questão é contraditória e ambivalente, pois a seleção com êxito para determinado curso é, na maioria das vezes, efetuada pelos alunos mais adaptados às exigências escolares. A

escola possui um arranjo pedagógico na equipe que conduz os estudantes, sobretudo das camadas populares, “a se contentar em rebaixar seu nível de exigências em matéria de compreensão” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 125). Há, pois, uma responsabilização dos educandos pela não compreensão da linguagem do educador, nisto “a instituição confere ao discurso professoral uma autoridade estatutária que tende a excluir a questão do rendimento informativo da comunicação” (1982, p. 122) – tal questão impõe um valor simbólico à desenvoltura linguística.

O valor social dos diferentes códigos linguísticos disponíveis numa sociedade dada e num momento dado (isto é, sua rentabilidade econômica e simbólica), depende sempre da distância que os separa da norma linguística que a escola consegue impor na definição dos critérios socialmente reconhecidos de “correção” linguística (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 128).

A comunicação ou linguajar universitário “está afastada das línguas faladas pelas diferentes classes sociais” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 128), o que também ocorre com as escritas literária e acadêmica que, ao considerarem a linguagem das classes privilegiadas, “são levadas a fazer da linguagem utilizada e da maneira de utilizá-la o instrumento de uma exclusão do vulgar em que se afirma sua distinção” (1982, p. 130). Sendo assim, “as denominações dos diferentes graus universitários são a prova de que se está cada vez mais legitimado a falar a língua legitimada na instituição, na medida em que se eleva na hierarquia” (1982, p. 132-133). Nesses termos, a transmissão oral no meio acadêmico está estreitamente imbricada pelas regras da escrita.

Esse primado da transmissão oral não esconde que a comunicação se realiza através de uma fala dominada pela língua escrita como se prova pelo valor eminente conferido às regras da expressão escrita e da estilística letrada que tendem a se impor a todo discurso regrado e sancionado pela instituição universitária (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 132).

Bourdieu e Passeron (1982), ao refletirem sobre o processo de exclusão perpetuado pelo sistema escolar, na medida em que relacionaram a origem social dos alunos aos êxitos escolares e à norma linguística imposta pela escola, salientaram que a dinâmica acadêmica na França foi e é infiltrada por essa problemática, uma vez que:

Não se poderia compreender o estilo próprio da vida universitária e intelectual na França ignorando-se um modo de inculcação que tende a reduzir a ação pedagógica a um encantamento verbal ou a uma exibição típica que está particularmente conforme aos interesses de um corpo de professores diretamente submissos, aos modelos do campo intelectual e fortemente intimados a se afirmar como intelectuais em sua própria prática pedagógica (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 133-134).

Por parte da instituição escolar existe uma supervalorização do desembaraço linguístico e corporal, em se tratando da postura e da familiaridade com os conteúdos nela ministrados. Para tanto, “o professor deve ser dotado pela instituição dos atributos simbólicos da autoridade ligada a seu cargo” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 136), e a ação pedagógica deve sempre transmitir, “além do conteúdo, a afirmação do valor desse conteúdo [..], uma vez que a escola tende a “exigir uniformemente de todos aqueles que acolhe que tenham o que ela não dá, isto é, a relação com a linguagem e com a cultura que produz o modo de inculcação particular e somente esse” (1982, p. 137-139).

O funcionamento de um sistema de ensino possui características internas (função burocrática própria) e externas (relação com a sociedade de conservação social). Para os autores, é preciso relacionar essas propriedades, a fim de averiguar “as disposições socialmente condicionadas que os agentes (emissores ou receptores) devem à sua origem e às suas condições de classe” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 211-212). É preciso considerar que tal sistema possui relações circulares mediadas pelo habitus e que este campo (ensino) apresenta posições e oposições concorrenciais e simbólicas.

Nesse aspecto, embora o ensino “consiga dar a ilusão de que sua ação de inculcação é inteiramente responsável pela produção do habitus cultivado, nada mais faça do que confirmar e reforçar um habitus de classe” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 213), perpetuando as relações asseguradas pela pequena burguesia.

A classe média (ou pequena burguesia) opera uma dupla oposição às classes populares e à grande burguesia, sendo, por excelência, “guardiã da ordem moral, cultural e política e, portanto, daqueles que servem essa ordem” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 211). Neste caso, há uma relação de subordinação e complementariedade nas ações laboriosas da pequena burguesia, a qual “consegue marcar profundamente as práticas escolares e os julgamentos sobre essa prática, porque ela reencontra e reativa uma tendência à justificação ética pelo mérito” (1982, p. 211). E para compreender o sincretismo da moral universitária é necessário:

Ver a relação de subordinação e de complementariedade que se estabelece entre as ideologias pequena-burguesa e grande burguesa e re-produz (no duplo sentido do termo), na lógica relativamente autônoma da instituição escolar, uma relação de aliança antagônica, que se observa em outros domínios e em particular na vida política (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 211).

Então, como processo seletivo para eliminação ou consagração de alguns alunos, o julgamento por meio do exame possui a condição de “se apartar numa segunda ruptura da ilusão da neutralidade e independência do sistema escolar em relação à estrutura das relações de

classe” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 153). Mas a relação do exame com o sistema de inclusão é polêmica, pois, muitas vezes, “a interrogação sobre o exame contribui ainda para ocultar ao desviar-se da interrogação sobre a eliminação sem exame” (1982, p. 153).

Para os autores, o exame, enquanto processo de seleção, consagração e legitimação de determinado conteúdo ou disciplina, dominou a vida universitária na França, “constituindo não apenas as representações e práticas dos agentes, mas também a organização e o funcionamento da instituição” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 153).

Nisso o exame impõe como dignos da sanção universitária os valores e as escolhas implícitas no ensino operacional por meio de sua autoridade, a qual oferece:

Uma definição social do conhecimento e da maneira de manifestá-lo, oferecendo um de seus instrumentos mais eficazes ao empreendimento de inculcação da cultura dominante e do valor dessa cultura - a autoridade pedagógica da instituição (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 153-154). A aquisição da cultura legitimada na seleção é resguardada pela legislação por meio de programas que procuram assegurar essa coerção regulada pelo Estado. “O exame exprime, inculca, sanciona e consagra os valores solidários com uma certa estrutura do campo intelectual e através dessas mediações com a cultura dominante” (BOURDIEU; PASSERON. 1982, p. 155) que, por sua vez, dissemina a igualdade de oportunidades de acesso à profissão aos agentes dotados de títulos idênticos. Porém, existe uma “tendência das sociedades modernas a multiplicação dos exames, a extensão de sua importância social e o acréscimo de seu peso funcional no seio do sistema de ensino” (1982, p. 156), aspecto que acirra ainda mais a concorrência e a exclusão justificadas pela permanência dos mais dotados das qualificações profissionais que esses cursos (sobretudo superiores) produzem, sancionam, controlam e consagram de forma metódica. Tal situação requer questionamentos sobre como:

Situar a cultura escolar no universo social em que ela foi formada, isto é, nesse microcosmo protegido e fechado em si mesmo onde, através de uma organização metódica e envolvente da competição e através da instauração de hierarquias escolares tão presentes no jogo como no trabalho, os jesuítas cultivavam um homo hierarchicus, transpondo para a ordem do sucesso mundano, da façanha literária e da gloríola escolar o culto aristocrático da glória (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 159).

Na maioria das vezes, a educação superior conta com estudantes procedentes da burguesia ou classe média que, além de falarem a língua acadêmica, possuem um sistema de valores e interesses correlacionados à escola. Enquanto isso, a classe popular que sobrevive nesse sistema é cooptada em acreditar na aptidão das classificações de tal nível de ensino: