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ANÁLISE E DISCUSSÃO

4.1 APREENDENDO O CONTEXTO DOS PESQUISADOS

Como estabelecido metodologicamente na coleta de dados, utilizou-se a entrevista semi-estruturada individual, diário de campo e entrevista grupo focal. Nesse sentido, Jodelet (2007) chama a atenção para a abordagem de diferentes pontos quando se trabalha com representações sociais e intervenções, ou seja, a sua imbricação, sendo necessário contar experiências vivenciadas na entrada do campo de coleta de dados, as quais dão subsídios para estudos posteriores.

Das razões apontadas pela autora para o uso de metodologias qualitativas, consideram-se dois aspectos neste estudo, ambos identificados. O primeiro diz respeito às questões éticas do pesquisador em dar um retorno ao grupo estudado, frente à evidência do sistema simbólico elaborado para preservar a identidade e a integridade do grupo, melhorar a integração de pertencimento e a existência social mais humana. O segundo, o desvendamento dos segredos existentes no grupo, além do abandono intelectual do grupo.(JODELET, 2007).

Concordamos com Jodelet (2007) que a entrada no campo de pesquisa não supõe uma relação fácil e harmônica com o grupo e o contexto psicossocial. Um grupo pode perfeitamente estabelecer condutas e processos que permitem defender e proteger os segredos que os une. Nesse caso, não podemos falar de conscientizar, tampouco de dar evidência ao sentido inconsciente dos sujeitos e suas relações práticas, exigindo do pesquisador habilidade e conhecimento para readequar os percalços na trajetória da coleta de dados.

Nesta perspectiva, primeiramente nos dirigimos às duas escolas para identificar e classificar os potenciais participantes da pesquisa. Conversamos com os professores sobre o tema da pesquisa reservadamente. Posteriormente, em sala de aula, explicamos aos adolescentes sobre a pesquisa, cujo tema diz respeito à sexualidade, e formulamos o convite, e que, embora ocorressem risos, alguns cuidados mereciam destaque, como forma de minimizar as dificuldades de suas participações como sujeitos da pesquisa. Percebemos, de imediato, dois fatores que interferem na coleta de dados.

O primeiro fator interveniente foi explicarmos que seria necessária a autorização dos responsáveis para a participação na pesquisa. Alguns adolescentes verbalizaram comentários, exemplificados nas seguintes falas: “Por quê? Minha mãe não tem nada a ver

com minha vida.” “Se for para ir a minha casa eu não participo”. Destacamos a explicação

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aceitaram participar da pesquisa devido à necessidade da autorização dos responsáveis. Essas atitudes, aliadas aos depoimentos dos professores nos fizeram entender sobre a necessidade de uma reunião com os pais para esclarecermos os objetivos e a finalidade da pesquisa e obtermos as autorizações. Todavia, essa possibilidade foi descartada por ser ineficaz, devido a dois fatores: dificuldade no relacionamento dos pais com os filhos e ausência destes no ambiente escolar, como referido pelos professores. Desse modo, a melhor conduta a ser adotada foi a de buscar as assinaturas de casa em casa, gerando assim um maior desprendimento de tempo, por parte da coleta de dados.

O segundo fator interveniente adveio da evasão escolar, por ser uma característica também presente no EJA, com grande número de alunos evadidos, além daqueles que frequentam a sala esporadicamente ou ainda aqueles que passam pela escola e se dirigem para a rua sem permanecer em sala de aula. Essa realidade fez com que o número de alunos ficasse bem abaixo do esperado. A principio, captamos 17 adolescentes desejosos de participar da pesquisa, mas, devido a diversoscontratempos, apenas 13 foram sujeitos da pesquisa. Esses contratempos serão explicitados por ocasião da análise e de acordo com as inserções discursivas sobre os achados.

Sobre essa questão, Madeira (2005) diz que a definição dos sujeitos, neste caso em particular, foi feita pela constituição de um grupo metodologicamente representativo do universo considerado ideal, contrastado pelos fatores intervenientes que determinam o tamanho do mesmo.

Da mesma forma, prossegue Madeira (2005.p.465) que a delimitação do número de participantes prende-se à caracterização consistente do universo e de como se articula o objeto teoricamente. Nesta ótica, a quantidade de sujeitos, a duração das observações ou das entrevistas, as formas que estas assumem ou a periodicidade são consequências de posicionamentos teóricos preliminares que sustentam estas definições, justificando-as.

4.1.1 Em busca da autorização dos pais

Tradicionalmente, a Enfermagem brasileira desenvolve atividades domiciliares através da visita às residencias. A visita domiciliária (VD) é um instrumento de intervenção fundamental da ESF, utilizado pelos integrantes das equipes de saúde para conhecer as condições de vida e saúde das famílias sob sua responsabilidade. Para isso, devem utilizar

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suas habilidades e competências não apenas para o cadastramento dessas famílias, mas, também, principalmente, para a identificação de suas características sociais (condições de vida e trabalho) e epidemiológicas, seus problemas de saúde e vulnerabilidade aos agravos de saúde. Possibilita ao profissional conhecer o contexto de vida do usuário do serviço de saúde e a constatação in loco das reais condições de habitação, bem como a identificação das relações familiares. Além disso, facilita o planejamento da assistência por permitir o reconhecimento dos recursos que a família dispõe. Pode ainda contribuir para a melhoria do vínculo entre o profissional e o usuário, pois a VD é interpretada, frequentemente como uma atenção diferenciada advinda do Serviço de Saúde.

Deste modo demos início à visita domiciliar aos responsáveis pelos adolescentes que aceitaram participar da pesquisa. Por integrar a ESF daquele município noutra área de abrangência, o planejamento da VD seguiu as recomendações desse instrumento de intervenção. Esse momento poderia ser mais uma etapa de coleta de dados, frente ao redirecionamento da obtenção do consentimento dos pais, transformando-se num momento especial, explicando-se o porquê. Nas visitas tornaram-se evidentes as condições socioeconômicas desses adolescentes. A primeira casa era de taipa, a mãe com baixa escolaridade e situação miserável de vida. Em outra, uma avô muito amorosa, mas que não sabia escrever o seu próprio nome, algumas mães meio desconfiadas, mas devido ao vínculo profissional com o município, a compreensão e aceitação da pesquisa foram facilitadas. Alguns comentários foram feitos nessa busca a exemplificar: “é melhor participar e ficar

sabendo o certo, de qualquer maneira vai saber, então que fique sabendo do jeito certo”. “Sei não... ele pode participar, mas acho difícil ele falar alguma coisa, ele é muito na dele para essas coisas”.

Inferimos que as falas demonstram que os pais reconhecem a importância de atender à solicitação do profissional de saúde por ser usuária do mesmo, assim, como credita a pesquisa como um momento para aquisição do conhecimento e ao mesmo tempo dificuldade em tratar sobre sexualidade em casa com os adolescentes. De todas as 17 visitas, apenas uma mãe se mostrou hostil. Na primeira visita disse que a filha não morava mais com ela, havia casado e que não estava sabendo sobre nada disso e pediu que fôssemos à casa dela um outro dia. Assim o fizemos; ao retornar, a mãe disse que não permitia; explicamos sobre a pesquisa, mas ela apenas retrucou dizendo que não aceitava. Soubemos tempo depois que um filho daquela mulher estava com sérios problemas na cidade, apresentando comportamento agressivo. Imaginamos que a assinatura a havia intimidado devido a essa outra situação,

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enfim, ela exerceu o direito de mãe em não consentir a participação da filha, seja qual for o motivo.

4.1.2 Conhecendo os atores

O estudo das RS de um objeto, segundo Madeira (2005.p.462), supõe e exige, preliminarmente, uma caracterização dos sujeitos, pois é deles a linguagem a ser estudada, o que faz e torna possível a exploração e a análise da formação e emergência destas representações, em articulação com as condições sociais, históricas, culturais dentre outras esferas de pertencimento e inclusão social. Da mesma forma, as RS que a linguagem articula não podem ser apreendidas se retirarmos a palavra, um tema, um assunto do processo discursivo que os sustenta, dando-lhes sentidos.

Aos entrevistados foram dados nomes da mitologia grega por entendermos que esses adolescentes estão ora vivendo o lirismo da vida, ora rodeados de dramas. Além disso, utilizamos neste estudo o psicodrama.

Visualizamos que a maioria dos adolescentes encontrava-se com 16 anos de idade e apenas um adolescente estava com 19 anos.

Em relação à escolaridade, os alunos da escola municipal encontravam-se nos níveis 01 e 02 do EJA. Entrevistamos cinco alunos, todos do gênero masculino. Quanto aos alunos da escola estadual, entrevistamos oito adolescentes, sendo um do gênero masculino e sete do feminino, estes cursando os níveis 03 e 04 do EJA. Sem a pretensão comparativa entre os dois grupos das duas escolas, tornou-se evidente que o primeiro apresentou uma maior dificuldade na elaboração das respostas, evidenciada por falas curtas com demonstração de pouco conhecimento sobre sexualidade.

No que tange à situação civil, apenas uma adolescente relatou que tinha uma relação estável, morando com sua sogra, marido e um filho de 4 meses.

Com relação ao total de pessoas domiciliadas com os adolescentes, a maioria relatou que residia com mais quatro pessoas. Observa-se que a mãe está presente em 11 domicílios, seguido de irmão em nove, com a irmã em oito e o pai em apenas em seis dominílios. Esse dado é reflexo do momento que vivenciamos na contemporaneidade, onde a família brasileira tem passado por muitas transformações, acompanhando os acontecimentos

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históricos, econômicos, sociais e demográficos, ao longo do tempo. (DINIZ;FADEL;YARID, 2008).

Nas últimas décadas, as mudanças observadas na sociedade, como a diminuição da fecundidade e mortalidade; os padrões de relacionamento entre os membros da família; e o papel da mulher dentro e fora do espaço doméstico geraram alterações significativas na constituição familiar que refletem profundamente no cuidado com a saúde. (DINIZ;FADEL;YARID, 2008).

Atualmente as famílias são formadas por diversas estruturas. Isso é demonstrado através de dados oficiais divulgado pelo IBGE, 2008. O núcleo tradicional, constituído por um casal e filhos, não é mais a única forma estrutural da família na sociedade brasileira, apesar de ainda ser a principal, embora a maior parcela das famílias ainda seja composta por casais com filhos (53,3%).

A proporção de casais com filhos e com parentes também registrou um declínio acentuado. Em compensação, cresceu expressivamente o número de famílias compostas por chefes mulheres e filhos sem a presença do cônjuge, fato esse gerado principalmente pela emancipação da mulher e seu ingresso no mercado de trabalho. As famílias monoparentais femininas já são a segunda constituição familiar mais comum (17,8%). (IBGE, 2008).

Ressaltamos que a família, enquanto espaço de viver conjunto, tem se sobressaído nas novas abordagens em saúde coletiva, tendo em vista que é a principal detentora da maioria das construções e representações sociais. É ela que propicia os vínculos e aportes afetivos e, principalmente, os subsídios necessários ao desenvolvimento e ao bem-estar de seus componentes. Destaca-se que ela desempenha primordial papel na educação formal e informal e, em seu ambiente, são absorvidos os valores culturais, éticos, morais e humanitários que aprofundam os comportamentos sociais e os laços de solidariedade humana. (DINIZ; MOIMAZ; FADEL; YARID, 2008).

Os domicílios dos adolescentes em sua grande maioria, em número de oito, são compostos por cinco cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Esse tipo de habitação é a mais comum no município por ser construída pelo poder público, apresentando essas características.

Um fator social bastante evidenciado nas entrevistas foi o valor da renda familiar. Oito adolescentes referiram uma renda familiar menor que um salário mínimo. Quando indagados sobre quem trabalhava em casa, outra surpresa, pois três entrevistados referiram trabalhar para sustentar a família, sendo dois irmãos em caieira e um outro menino na padaria

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Infelizmente, isto reflete na dificuldade que esses jovens têm de dar continuidade aos estudos. Todos três ainda estavam nos níveis 01 e 02 do EJA.

Com relação aos membros familiares que trabalham e compõem a renda familiar, parcial ou totalmente, quatro informaram que era o irmão, três disseram ser o pai, o padrasto e ele próprio como provedor do domicílio, seguido de dois em que a mãe trabalha e somente um afirmou depender financeiramente do trabalho do marido, sogra e dos benefícios da aposentadoria .

No decorrer da coleta de dados dois fatos marcaram a inserção no campo referente a dois adolescentes, irmãos, integrantes da pesquisa. Ambos adolescentes faltaram ao grupo focal. Na VD detectou-se que um deles estava trabalhando em lugares mais afastados e íngremes, na coleta de lenha para as caieiras. Posteriormente, a mãe e o professor do EJA explicaram que ele iria permanecer ausente por alguns dias e noites fora de casa. O outro havia sofrido um comprometedor acidente de trabalho. Extensas queimaduras nos pés e panturrilhas nos dois membros inferiores. Apesar de toda a gravidade, quando realizada visita domiciliar foi constado que o menino estava sem nenhum tipo de assistência à saúde.

Na residência dos sujeitos, o adolescente com as queimaduras encontrava-se deitado sobre um colchão sujo com odor de urina. Perguntamos à mãe quais os cuidados com as queimaduras, a mesma afirmou que estava passando água de ameixa e que não poderia levá-lo ao posto devido à dificuldade dele em andar. Diante de tal situação, solicitamos a ambulância para levá-lo ao posto, tendo em vista a necessidade da consulta médica, cuidados de enfermagem e alimentação.

Destacamos que esses dois adolescentes eram os que apresentavam maior dificuldade financeira. Quando solicitadas as assinaturas dos responsáveis, percebi na visita domiciliar as condições insalubres, casa de taipa, os irmãos menores e sobrinhos brincando sujos, sem roupa, na rua; um retrato da exclusão social, algo próximo da linha da miséria.

O adolescente acidentado apresentava-se tímido na sala de aula, falando pouco, mas na entrevista surpreendeu na forma como respondeu. Em conversa com a professora, a mesma disse que ele sempre surpreendia quando da realização de apresentações de trabalho. Esse fato permite pensar qual seria o futuro desse jovem e de tantos outros, se não fosse a necessidade de trabalhar para sobreviver? Certamente esse adolescente clama por uma oportunidade de estudar e exercer sua cidadania.

Fonseca (2003) afirma que a utilização de adolescentes nos diversos setores produtivos não é de origem brasileira. Ao contrário, o sistema produtivo brasileiro (isso inclui o trabalho do adolescente) vem sendo influenciado por fatores internacionais. No Brasil,

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alguns mecanismos foram constituídos para regulamentar o trabalho de crianças e adolescentes nas fábricas, dentre eles o Decreto 1.113/1881 que estabeleceu a menoridade para ambos os gêneros com relação ao trabalho; o feminino de 12 a 15 anos e masculino de 12 a 14 anos durante sete horas por dia, não consecutivas, de modo que o trabalho contínuo nunca excedesse a quatro horas.

A legislação brasileira proíbe o trabalho noturno perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo nas condições de aprendiz, a partir de 14 anos (Brasil, 1999).

Alguns autores, segundo Oliveira, Fisher, Amaral, Teixeira, Sá (2005.p.125) argumentam sobre os aspectos positivos e benéficos da entrada precoce na força de trabalho, no sentido de contribuir para o crescimento como pessoa ou cidadão, incorporando sentimentos de autoestima e satisfação à sua personalidade, desde que compatível e equilibrado com seu potencial energético. No entanto, o trabalho pode tornar-se uma atividade com consequências negativas para o jovem quando não pode ser conciliado com outras atividades tão importantes para o adolescente como, por exemplo, o estudo, o lazer e o próprio convívio familiar. Entre os múltiplos efeitos negativos do trabalho infanto-juvenil, com destaque o cansaço, a pouca remuneração salarial e os problemas de saúde, entre outros.

Na atualidade a preocupação com o tema evidencia-se com a publicação da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, mais conhecida como ECA, em que o direito da criança e do adolescente à profissionalização e à proteção no trabalho mereceu todo um capitulo. (FONSECA, 2003).

Informações obtidas em pesquisas de 15 países mostram que os jovens (15 a 24 anos) que estudam e trabalham representam entre 12 a 40% dos lugares pobres. O futuro para esses jovens desconectados do sistema educativo, sem benefícios de seguro social e outras oportunidades para obtenção de habilidades para o desenvolvimento de capacidades é muito incerto. (OPAS, 2001, p.10)

Essa realidade ocorre ainda no município onde residem os entrevistados, pois o trabalho em caieira é extremamente árduo e perigoso, evidenciado por diversos casos de acidentes de trabalho e até morte. Outro agravante diz respeito à forma de pagamento dos funcionários, onde a maioria recebe através de vales que são aceitos em determinados pontos comerciais da cidade. Além disso, os trabalhadores não têm nenhum tipo de vínculo ou garantia trabalhista. Dessa forma, o trabalho exercido pelos adolescentes insinua-se como trabalho escravo, ou trabalho infantil na melhor das hipóteses. Dos adolescentes, dois trabalham em caieiras, um na padaria; os demais sem ocupação.

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No que concerne à profissão da fé, ou a escolha da religião, a maioria afirma não ter religião, cinco afirmaram positivamente, sendo quatro católicos e um evangélico.