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ANÁLISE E DISCUSSÃO

4.3 ENCENANDO A PEÇA

O psicodrama seguido da entrevista grupo focal foi realizado na escola Municipal; para tanto, foi adaptado um texto do livro adolescer (Apêndice C). Nele é abordado o início de um namoro que culminou em uma possível relação sexual.

Este é um procedimento dramático específico que estuda as condutas humanas entendidas como desenvolvimento de papéis. Deste modo, efetuamos a investigação e, para isso, utilizamos os instrumentos: o protagonista, plateia, os egos auxiliares, o cenário e o diretor. (MENEGAZZO, 1995)

Explicitando o protagonista é o ator principal; a platéia é formada no momento do aquecimento; o ego auxiliar apoia o diretor; o cenário é o espaço real e virtual; e o diretor é um facilitador do processo, no caso, a pesquisadora. (MENEGAZZO, 1995).

As etapas são as seguintes: aquecimento ( inicia-se com o primeiro contato do diretor com o grupo até a hora do jogo dramático e apresentação de suas regras); dramatização (o desenvolvimento da cena); e comentários ( feitos pelos participantes).

Ressaltamos que a utilização do psicodrama em questão não se aprofundou em problemas pessoais, tampouco explicações psicodiagnósticas, mas utilizamos como uma técnica de investigação para exploração do tema proposto. Neste caso, o início de um namoro, apontando as atitudes perante situações adversas. Neste sentido a encenação funcionou como uma técnica projetiva onde os adolescentes relatam valores e atitudes diante da história encenada.

Dessa forma, utilizamos a estratégia do grupo focal o qual possibilita a identificação do modus operandi e modus vivendi dos adolescentes, e ainda, apreender o comportamento e o funcionamento do grupo, redirecionando-o para uma perspectiva das orientações e o autocuidado da saúde sexual. Dessa forma, é possível intervir adequadamente, respeitadas todas as dificuldades e limitações que o tema encerra. Essa troca de experiência

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baseia-se na perspectiva do grupo terapêutico favorecendo a compreensão de como os próprios adolescentes masculinos e femininos se percebem e aqueles outros, com relação à sexualidade e às habilidades de vida.

Quanto à composição do grupo, este foi formado por alunos das duas escolas, totalizando nove participantes, sendo três meninos e seis meninas. Da escola municipal só estavam presentes dois adolescentes. Esclarecemos que os resultados dessa dinâmica constituem um momento ímpar, subdividido em dois atos. O primeiro, a encenação da história de Camila. O segundo, o grupo focal em si, tomando como base os elementos e conteúdos emanados da encenação pelos próprios adolescentes. Ambos constituem um único momento de coleta de dados, didaticamente explicitados para dar maior visibilidade ao leitor. Ressaltamos que a entrevista grupo focal foi gravada em MP4 para posterior transcrição.

4.3.1 Primeiro ato: conhecendo a paixão

Na etapa de aquecimento, procuramos a interação do grupo com uma música ambiente, sendo realizada uma dinâmica de entrosamento, onde cada um disse seu nome, ao mesmo tempo em que fazia um gesto de livre escolha; os demais teriam que repetir o gesto e o nome do colega e depois dizer seu próprio nome com um novo gesto. Após muitos sorrisos e descontração explicamos as regras da técnica e solicitamos voluntários para encenação da peça. Na fase de dramatização, os atores apresentaram a história de Camila. Terminada a encenação, os adolescentes teceram comentários. Neste momento, iniciamos a primeira parte da entrevista grupo focal.

Ficou marcante a ideia da mulher como responsável por pensar em usar métodos contraceptivos, vejamos:

“Quando o caba ta lá, não tem que pensar em nada não.” (Adonis) “...Homens nunca pensam”. (Hebe)

“Os homens só agem, quem vai engravidar é a mulher, é a mulher que vai cuidar dos filhos”. (Demeter)

“Quem vai ficar a gravidez inteira é a mulher, quem vai dá conta dos problemas é a mulher.” (Hebe)

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“... sempre diziam tomem remédio... eu fui e comprei.” (Hestia)

Para Arillha (1998), se de um lado, os homens foram afastados da cultura do autocuidado, seja pelas fantasias de poder e onipotência, seja pelas práticas culturais que relegaram as mulheres para a atenção as crianças e idosos. Assim, o padrão de comportamento sexual predominante na população masculina continua sendo de afirmação da posse sexual sobre a mulher, imposição de seu estilo e vontade. Por outro, o homem que não consegue satisfazer as expectativas impostas não encontra respaldo para sua masculinidade no imaginário cultural e sua identidade fica ameaçada. Os comportamentos violentos dos homens têm sua referência no contexto normativo de construção da masculinidade. Sentimentos pessoais de insegurança e impotência, relativos a qualquer área de desempenho, podem ser negados e liberados através da violência.

Na América Latina e no Caribe, em 80% dos casos, toda a responsabilidade e os riscos das práticas contraceptivas são assumidos pelas mulheres (RIOS, 1993), traduzidos pela predominância de métodos contraceptivos de uso feminino, que prescindem da participação masculina, como a pílula anticoncepcional e a esterilização feminina.

De acordo com a BENFAM (1997), os métodos contraceptivos usados no Brasil foram distribuídos em dois grupos: "independentes" ou "dependentes" de participação masculina.

No grupo novamente os métodos citados foram a camisinha, pílula e injeção. Aproveitamos a discussão dos métodos para perguntar se a mulher pode portar camisinha, vejamos as discurssões.

“Pode não.” (Adonis)

“É o certo, mas se for andar...porque é muito...as pessoas falam mal, mas eu acho que sim.” (Hebe)

“Para mim é normal.” (Hera)

“Eu acho assim, que é um pouco de preconceito, principalmente dos pais. Se o pai ou a mãe encontrar camisinha na bolsa da menina, já tem confusão. Com o rapaz não, para eles é normal o rapaz tem que fazer isso mesmo, é diferente.” (Atena)

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Mandú (2001 p. 64) revela

valores incorporados em torno do masculino e feminino, bem como sua hierarquização, resultam em riscos e problemas para homens e mulheres, sobretudo a partir da adolescência, com o início das atividades sexuais. O modo cultural dos adolescentes lidarem com o próprio corpo, com o de outros, com afetos, com o sexo, com desejos, frustrações, fantasias e idealizações; como veem e enfrentam o mundo e o que nele acontece; o que identificam ou não como risco à sua saúde, leva-os a se exporem ou não a problemas variados da sexualidade e reprodução.

Ainda sobre gênero, Oliveira (2007) afirma que através das gerações são transmitidos valores bem como as normas sociais diferenciando a mulher do homem. As relações de poder neste sentido são apreendidas desde a infância e reproduzidas na sociedade

Concordamos com Miranda et al (2008) quando inferem que em uma relação heterossexual não é a mulher que “veste a camisinha”, mas sim o homem. E se essa iniciativa partir da mulher, principalmente no modelo monogâmico, esta terá que pedir consentimento ao parceiro que, de modo geral, é contrário ao uso (além de pôr em questão a monogamia e confiança da relação)

Com relação à iniciação sexual antes do casamento, o grupo ficou dividido: dos nove participantes, quatro disseram que era correto ter relação antes de casar-se, vejamos:

“Não é negócio mas é coisa que acontece.” (Atena) “O cara tem que esperar muito! “ (Adonis) “Daqui que case.” (Hermes)

“ Hoje em dia os jovens já começam desde pequeno, já começam a amar aí já tá com certa idade, não vai esperar, já tá dando certo na balada, vai esperar para se apaixonar? “(Hebe)

De acordo com Taquette (1997), em estudo realizado com adolescentes puerperas demonstrou que essas emitiram, em sua maioria, opinião contrária à iniciação sexual antes do casamento. O julgamento do certo e errado, quanto à relação sexual antes do casamento são reflexos das opiniões emitidas e da sociedade.

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Quanto à virgindade, perguntamos no contexto entre homens e mulheres:

“Se o homem casar e não for virgem a sociedade nem vai ligar, ele é homem, se a mulher não e mais virgem a sociedade diz: para que casar? Se não é mais virgem. Já perdeu tudo, o valor da mulher, ela perde o valor quando perde a virgindade. (Hebe)

Novamente emergiu no diálogo a questão de gênero e os tabus da sociedade quanto à vivência da sexualidade entre homens e mulheres.

Concordamos com Taquette, Vilhena e Paula (2004) quando dizem

que o ser homem e/ou ser mulher tem suscitado inúmeras interpretações em diversos campos do saber. A atitude dos homens e das mulheres está intimamente ligada às representações simbólicas de masculinidade e feminilidade que se constroem historicamente, são mutáveis e relacionais.

4.3.2 Segundo Ato: tomada de posição

No segundo ato, os personagens Camila e Thiago iniciaram um diálogo quanto à possibilidade de uma relação sexual. Após a encenação, continuamos as discussões, onde indagamos sobre a possibilidade da ocorrência de uma gravidez na primeira relação sexual. No momento, todos responderam que sim e afirmaram a importância da pílula e a camisinha para evitar uma possível gravidez. Quanto ao protagonista querer ter relação sexual desprotegida, uma adolescente explanou:

“ Ele foi sem vergonha, ele devia pensar até nele também, porque ela podia dizer que era virgem, mas se não fosse? Se acontecesse dela ter alguma doença sexualmente transmissível? (Hebe)

Indagamos também se homem gosta de usar camisinha, e encontramos a seguinte fala:

“Alguns gostam e outros não. Tem uns que não gostam, acham que é diferente.” (Hestia)

Nesse momento aproveitamos para tentar identificar se a aids na representação dos adolescentes estava associada ao homossexualismo e drogas. Nenhum dos adolescentes relacionou a homossexualidade e o uso de drogas com a aids.

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Essa constatação apresenta dois polos um positivo, no sentido da desmistificação da aids quanto doença proveniente da opção sexual, e um negativo, tendo em vista o desconhecimento quanto ao risco da contaminação de aids através do uso de drogas. Oportunizamos essa investigação pela ocasião da fala do protagonista exposta no apêndice C.