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REPRESENTAÇÃO SOCIAL, SEXUALIDADE E ADOLESCÊNCIA

ANÁLISE E DISCUSSÃO

4.4 REPRESENTAÇÃO SOCIAL, SEXUALIDADE E ADOLESCÊNCIA

Moscovici (1978p.123-4), através do estudo da psicanálise na sociedade parisiente, afirma que esta se liga a toda série de fenômenos ligados à sexualidade, suscitando uma conscientização do seu caráter “tabu” e de suas repercussões sobre a personalidade; ela está associada, portanto, em seu conjunto, ao comportamento sexual do indivíduo. Dessa forma, após o aparecimento da psicanálise acentuaram-se as interdições concernentes à vida sexual.

Tradicionalmente, na psicologia social, de acordo com Alferes (2004 p.141), a sexualidade constitui um modo particular das interações humanas

pelo que sua compreensão nos remete diretamente para os mecanismos gerais que regulam tais interações. Além disso, o estudo dos padrões de comportamento sexual é indissociável das representações sociais da sexualidade que orientam e dão significado à ação.

Neste sentido, os comportamentos sexuais, como outros, são conceptualizados como produto de um processo de construção social e não como a manifestação de uma motivação ou instinto especial interiores ao organismo (ALFERES, 2004).

Deste modo, Jodelet (2001, p.36) considera uma representação social como uma forma de saber prático que liga um sujeito a um objeto:

Com relação ao objeto, que pode ser de natureza social, material ou ideal, a representação se encontra em uma relação de simbolização (está no lugar) e de interpretação (confere-lhe significados). A representação é, por outro lado, uma construção e uma expressão do sujeito, que pode ser considerado do ponto de vista epistêmico ou pscodinâmico, mas também social ou coletivo, na medida em que sempre se há de integrar na análise daqueles processos pertencimento e a participação sociais e culturais do sujeito.

Concordamos com Moscovici (1978) quando questiona como se forma a representação de um objeto social ao destacar a ameaça que ele representa para restaurar a

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identidade que ele refuta. Uma representação social elabora-se de acordo com dois processos fundamentais: a objetivação e a ancoragem.

Para Moscovici (1978), a objetivação e ancoragem são processos sociocognitivos no sentido em que são processos cognitivos socialmente regulados, e referindo-se a regulações normativas que verificam as operações cognitivas. Desta forma, estão intrinsicamente ligados e não são sequenciais, embora frequentemente destacado em separado para simples compreensão didática. (VALA, 2004).

A objetivação, como se sabe, faz com que se torne real um esquema conceptual, com que se dê a imagem uma contrapartida material, resultado que tem, em primeiro lugar, flexibilidade cognitiva. Objetivar é reabsorver um excesso de significações materializando-as e adotando assim certa distância a seu respeito. É também transplantar para o nível de observação o que era apenas inferência ou símbolo. (MOSCOVICI, 1978.p.111).

Discorrendo sobre o processo de ancoragem, Vala (2004, p.472) afirma:

Enquanto processo que precede a objetivação, a ancoragem refere-se ao fato de qualquer construção ou tratamento de informação exigir pontos de referência: quando um sujeito pensa um objeto, o seu universo mental não é, por definição, tábua rasa. Pelo contrário é por referência a experiências e esquemas de pensamento já estabelecidos que um objeto novo pode ser pensado.

A ancoragem permite que a sociedade converta o objeto social num instrumento de que ela pode dispor, e esse objeto é colocado numa escala de preferência nas relações sociais existentes. Assim, transforma a ciência em quadro de referência, portanto transforma a ciência num saber útil a todos, a qual fica delimitada ao domínio do fazer a fim de contornar o interdito da comunicação. (MOSCOVICI, 1978. p.174).

No universo apresentado, anteriormente, apreendemos como os adolescentes articulam os conteúdos e as informações que dão compreensão da sexualidade e, ancoram a sexualidade como o ato sexual em si, enfatizando-a como um ato sexual entre pessoas do sexo oposto, descartando qualquer outro tipo de comportamento referente às manifestações da sexualidade. Infere-se que para este grupo de adolescentes ocorre um não dito, ocultamento ou silenciamento sobre a homossexualidade. Em ambas perspectivas, ancoram posições contrárias na dimensão do que é dito e do não dito decorrentes de traços culturais, revelando a funcionalidade da ancoragem que permite compreender a forma como eles contribuem para

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exprimir e constituir as relações sociais através da comunicação verbal e não verbal. (MOSCOVICI, 1976).

No que concerne à objetivação, Vala (2004, p.465) discorre:

A objetivação diz respeito à forma como se organizam os elementos constituintes da representação e ao percurso através do qual tais elementos adquirem materialidade e se tornam expressões de uma realidade pensada como natural.

Deduzimos que a objetivação dos adolescentes sobre as habilidades de vida pertinentes à sexualidade assenta-se no modo como a sociedade estabelece as informações e o posicionamento dos sujeitos psicossociais, independente de gênero, idade, etnia, classe social através do estatuto social. Entendido como papéis sociais e sexuais sempre desempenhados, quer no espaço público, quer privado, sobre quais condições e situações são permitidas falar e manifestar a sexualidade. Nesse sentido, optamos pelo constructo do script social e sexual.

Para Gagnon e Simon (1973); Simon e Gagnon, 1986, 1987) apud Alferes (2004),

o conceito de script é essencialmente uma metáfora para conceptualizar a produção de comportamentos no interior da vida social, enquanto os scripts sexuais são esquemas (socialmente construídos) de atribuição de significação de orientação (direção) da ação. Esses scripts sexuais constituem um caso particular dos scripts sociais.

Do ponto de vista das suas funções, o conceito de scripts aproxima-se do conceito de representação social. (Moscovoci, 1976). Observando as semelhanças com as representações sociais, os scripts referem-se a modalidades de conhecimento prático, socialmente elaboradas e partilhadas, constituindo, simultaneamente sistemas de interpretação e de categorização do real e modelos ou guias de ação.

Abelson (1981, p.717) apud Alferes (2004) descreve os scripts como estruturas cognitivas que “organizam a compreensão das situações baseadas em acontecimentos”, incluindo expectativas sobre a respectiva ordem de ocorrência.

Em cada cultura, os scripts sexuais especificam: quem são os possíveis parceiros sexuais; em que circunstâncias (onde e quando) é apropriado comportarmo-nos sexualmente e que tipo de atividades ( o quê e como nos é permitido); quais os motivos ou razões (porquê) que nos levam a comportar de modo sexual. Sendo assim, os scripts sexuais organizam os

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comportamentos sexuais, definindo as situações de interação, gerando expectativas relacionais e sinalizando as respostas incongruentes. (ALFERES, 2004).

Observando as falas advindas das entrevistas, verificamos a presença clara dos

scripts onde se seguem regras sociais, sobre o que é permitido ao homem no âmbito da sexualidade e o permitido às mulheres. Neste contexto, o homem tem a permissão social de ter relações sexuais antes do casamento e deste modo é possível adquirir métodos contraceptivos sem constrangimentos. No entanto, esse homem não se sente responsável quanto à prevenção de doenças ou quanto ao planejamento frente a uma situação de contracepção. Dicotomicamente, a mulher enquanto ser sexual não tem o status de iniciar, antes do matrimônio, uma relação sexual e por isso a mesma não está apta socialmente para adquirir qualquer método contraceptivo ou de prevenção de doenças, haja vista o julgamento da comunidade. Por outro lado, a mulher sente-se responsável pela decisão de ter ou não filho, de usar ou não a camisinha.

Devemos frisar que existe, de certa forma, uma dificuldade em compreender e estabelecer as representações sociais e as habilidades de vida dos adolescentes no que concerne à sexualidade, uma vez que a representação dos mesmos sobre o objeto não pode ser dissociada das suas falas ou processos discursivos. O esquema figurativo a partir da ancoragem captada pelas falas e a análise de edição, enquanto a objetivação pela interpretação dada após exaustivas leituras, dessa forma define e assume a estruturação do mesmo.

Estudar representações sociais no grupo investigado, se de um lado existe uma dificuldade na sua apreensão pela limitação do conhecimento teórico do assunto, do outro, o pensamento ingênuo sobre o mesmo se coloca como uma possibilidade capaz de sua apreensão, pois é no manejo da vida cotidiana que os sujeitos psicossociais dão sentido e orientação aos objetos de compartilhamento social.

Neste sentido, as representações sociais dos adolescentes sobre as habilidades de vida frente à sexualidade pode ser apreendida na medida em que os mesmo ancoram a sexualidade como ato sexual, objetivado através dos scripts sexuais, definidos para o gênero masculino e o feminino.

Assim, os adolescentes representam a sexualidade ancorada no ato sexual e que a objetivação dá-se pelos scripts sociais, desta forma a maneira como o individuo vivencia sua sexualidade está norteada pelo gênero, sendo esse fator o gerador de atitudes. Vejamos, a adolescente do gênero feminino é a responsável socialmente pela tomada de posição quando da utilização do método contraceptivo; no entanto, esta não tem a permissão social para adquiri-lo livremente, como percebemos nas falas a seguir:

80 “Quando o caba ta lá, não tem que pensar em nada não.” (Adonis)

“Eu acho assim, que é um pouco de preconceito, principalmente dos pais. Se o pai ou a mãe encontrar camisinha na bolsa da menina, já tem confusão. Com o rapaz não, para eles é normal o rapaz tem que fazer isso mesmo, é diferente.” (Atena)

Por fim, as representações dos adolescentes quanto à sexualidade denunciam uma dicotomia social geradora de possíveis consequências tais como: gravidez na adolescência, contaminação de DSTs e aids, déficit de autocuidado.

Essa dicotomia reflete nas habilidades como observamos no quadro sinóptico a seguir: HABILIDADES HABILIDADE COGNITIVA HABILIDADE SOCIAL HABILIDADE DE CONTROLE DAS EMOÇÕES Descrição da habilidade no contexto dos adolescentes entrevistados É demonstrada através da compressão da importância dos métodos tanto para prevenção de doenças quanto para evitar uma possível gravidez; no entanto, também percebemos que o conhecimento não garante uma tomada de decisão com vistas ao risco.

Prejudicada, tendo em vista os valores culturais que podam as adolescentes de exercerem sua sexualidade com responsabilidade, bem como a influência de amigos. Denunciam uma lacuna para situações de vulnerabilidade para contaminação por DSTs e aids e gravidez na adolescência.

Falas que exemplificam as habilidades

“Sei, tem que usar sempre camisinha e a mulher tem que tomar remédio para evitar”. (Hércules).

“Usando camisinha e a mulher tomando remédio”. (Adonis)

“Eu acho assim, que é um pouco de preconceito, principalmente dos pais. Se o pai ou a mãe encontrar camisinha na bolsa da menina, já tem confusão. Com o rapaz não, para eles é normal o rapaz tem que fazer isso mesmo, é diferente.” (Atena)

“Quando o caba ta lá, não tem que pensar em nada não.” (Adonis) “Porque não quis... na hora eu não pensei...agie pelo coração.” (Afrodite)

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