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Aprendendo e ocupando: Cidade Educadora/Educativa

Capítulo III ― Análise dos Resultados

2. O MOEMA aos olhos e aos ouvidos de Verônica: no olhar e na fala de Leila, de

2.5 Aprendendo e ocupando: Cidade Educadora/Educativa

A cidade pode ser vista como educativa? A cidade educa? A educação há muito já não

é mais somente o espaço físico de uma sala de aula. A cidade é parte do processo tido como

educação não formal. Gohn (2014) comprova que a educação não formal é muitas vezes

tratada como uma não educação por estar fora dos muros das escolas, mas é por intermédio

dela que surgem

a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação

dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou

desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que

capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a

solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que

possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de

compreensão do que se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela

mídia, em especial a eletrônica etc. São processos de autoaprendizagem e

aprendizagem coletiva adquirida a partir da experiência em ações coletivas, podem ser

organizadas segundo eixos temáticos: questões étnico-raciais, gênero, geracionais e de

idade, etc. (pp. 40-41).

O Movimento social faz parte da cidade e é parte desta educação não formal, pois nele

são desenvolvidas muitas aprendizagens, trocas de conhecimentos, vivências e lutas:

“O MOEMA Educa e já educou muito e continua educando nossos filhos, nós

mesmas, fomos nos lapidando como seres humanos, como solidariedade, como amiga,

como companheira uma da outra porque, às vezes, a gente tem que corrigir certos

defeitos da gente para a gente poder participar de um grupo”. (Lindaura).

“A forma que a barraca tá arrumada as coisas que tem ali, as cores, elas falam da

cidade as pessoas aprendem através da disposição da forma como as coisas são

colocadas e isso e feito em ambiente fechado, mas também é feito pela cidade inteira

tem feiras que são ao ar livre então são feiras bonitas de se ver, tem vários grupos e

esses grupos estão ali para trocar ideias para mostrar o seu trabalho e para ensinar

também. Como eu falei eu acho que não é um grupo que tenha um cunho educacional,

eu acho que elas não têm noção de que são educadoras, mas são! Eu aprendi com

elas [emoção]. E eu estudei, tenho graduação e eu aprendi, eu aprendi com elas a

questão de como me portar melhor, como mediar melhor as coisas saber a minha

hora de falar e a hora do outro falar”. (Mazane ― grifo nosso)

Algumas entrevistadas enxergam a cidade enquanto educadora e acreditam, ainda, em

que o próprio MOEMA tem sua parcela de contribuição para a educação advinda da cidade, o

que mostra um olhar mais crítico diante do seu comportamento enquanto cidadão, enquanto

parte da cidade. Para mais, Fernandes (2009) complementa esse fato:

Os sujeitos são autores e responsáveis por suas ações e escolhas, com criticidade,

reflexão e autocrítica, exercendo seu papel político de sujeitos que participam e

intervêm na cidade. Para tanto, é preciso que as oportunidades de experimentação e

experienciação sejam ampliadas e reforçadas, pois elas fornecem a atribuição de

sentidos e significados para as vivências individuais e coletivas. A educação em

termos gerais, incluindo a formal e a não-formal, envolvendo a educação pela/na/da

cidade, incluindo tanto as práticas institucionalizadas e as que ocorrem fora das

instituições são a oportunidade para o questionamento do tradicionalmente instituído e

a construção e surgimento do novo, ousado, transgressor, que carrega consigo o

potencial para as mudanças e transformações (pp. 62-63).

O MOEMA é uma maneira de intervenção na cidade, de sorte que as reuniões, as

discursões acerca das feiras e o oferecimento de um curso para a comunidade é uma maneira

de se fazer parte da cidade, de achar que esta é algo de todos, logo não deve ser dividida entre

centro da cidade e periferia ― lugares para ricos e lugares para pobres. A cidade deve ser um

espaço para todos, como observamos nesta fala de uma das entrevistadas:

“Eu nunca tinha conhecido nada, tudo foi através do MOEMA nada nem HANGAR, UFPA,

nada tudo foi através do MOEMA. Eu jamais imaginaria um dia entrar no HANGAR, sabe?

Eu achava que o HANGAR [Centro de exposições e feiras da Amazônia] era coisa de gente

rica, gente que tinha dinheiro, que podia e tinha condições financeiras e eu participei várias

vezes no HANGAR” (Nazaré).

No depoimento acima, é possível ressaltar que a Nazaré, antes do MOEMA, nunca

pensou adentrar espaços da cidade, espaços estes públicos e de muita importância, que

deveriam ter acesso livre e democrático, pois o Hangar é o mais importante centro de

exposições e de eventos da Amazônia; e a UFPA (Universidade Federal do Pará) deve ser um

espaço público e de qualidade para todos e faz parte do imaginário jovem de toda uma região,

visto que muitos sonham em entrar nessa universidade. É muito importante se sentir parte da

cidade, e o MOEMA proporciona esse sentimento de pertencimento, sobretudo quando

adentra esses espaços para participar de uma feira ou de um evento e gera naquela Mulher o

sentimento de parte daquilo.

O pertencimento é valoroso sentimento vivenciado no movimento, pois nos torna

parte de algo que muitas vezes aparenta ser distante, mas que é de todos por direito ― como

é o caso dos espaços de uma cidade, das universidades públicas, de uma praça, de um teatro,

de um centro de convenções ou de uma reunião como representante de seu movimento.

Pertencimento gera representatividade diante da cidade e dos eventos e espaços que ela

proporciona.

Gadotti (2006) alega-nos que, “na cidade que educa, o cidadão caminha sem medo,

observando todos os espaços. Temos que aprender a nos locomover na cidade, caminhar

muito por nossas ruas” (p.136). Esse fato comunga com a opinião de algumas das

entrevistadas que associaram a cidade enquanto educadora à questão da segurança, pois a

falta de segurança pública é algo muito latente na cidade de Belém do Pará; e a questão da

violência na cidade levou a pensar na cidade como não educadora:

“Aí... eu acho que não... [pensativa] eu tenho um jeito de pensar um pouco diferente,

por exemplo, foi dada a oportunidade para o MOEMA expor lá por traz do Belém

Importados da Av. Pedro Alvares Cabral [uma das principais avenidas da cidade de

Belém] em uma pracinha, mas nenhuma de nós quis ir para lá, porque era uma praça

abandonada, escura, nós não tínhamos segurança, não ia haver segurança para nós

se nós quiséssemos iluminar tinha que ser da nossa parte, a limpeza ia ser da nossa

parte tudo era da nossa parte e o horário também era um risco...” (Nazaré).

Como referido anteriormente a respeito da cidade enquanto educadora e quanto ao

questionamento a respeito da pergunta ― Ao seu ver a cidade educa? ―, tivemos a ideia de

que sim; para a maioria, a cidade educa e o MOEMA é parte importante nesse processo

educativo que vem das ruas. Obtivemos também a ligação do processo educativo com a

violência muito latente nas ruas de Belém e com a questão da economia solidária e da

reciclagem, uma preocupação com o meio ambiente.

“A cidade? [pausa – silêncio] ah! Com certeza. Educa muito, por exemplo, quando

tem uma feira em praça que estava abandonada no bairro e o MOEMA foi, montou

suas barraquinhas e algumas Mulheres passaram a participar do grupo porque viram

aquilo, teve uma que chorou porque ela disse que nunca imaginou que pudesse ter um

grupo que se juntasse para fazer isso ela achava que existia só o individual ela não

conhecia o fato de poder participar o fazer coletivo então isso é uma forma de

ensinar. Quando vai para fazer uma atividade não só de feira mais de uma atividade

para colaboração. Quando acontecem feiras em ambientes fechados as pessoas vão

lá visitam e entendem o que é uma associação que tem estatuto, tudo isso enfim.

(Mazane ― grifo nosso)

“Educa sim! Por exemplo, o MOEMA ajuda nessa educação familiar da Mulher.

Quando a gente começou a gente ia atrás das feiras, hoje nós somos convidadas a

participar, o MOEMA é bem visto aonde chega. Muitas Mulheres procuram é um

trabalho muito bonito, muito embora a gente não tenha apoio de nenhum grupo, não

somos ligadas a nenhum grupo político tudo que a gente consegue é através de muito

trabalho e também através das nossas associadas” (Maria José ― grifo nosso).

“Sim. Educa, mas tu sabes é difícil, né? Eu acho que sim porque quando a gente

participa de uma feira, por exemplo, em algumas praças quando a gente foi a praça

era meio feia, suja e quando nós participamos a praça começou a ficar mais

bonitinha, mas arrumada porque a gente ia com nossos trabalhos, não deixava de

chamar atenção de outras pessoas então eu acho que isso é uma forma de educar. E

outra coisa tem associada que trabalha com reciclagem que também é uma forma de

educar, garrafa pet e até com roupas usadas a pessoa faz tapete, crochê com aquelas

roupas, só em tirar garrafas pets da rua já é tão bom. Então é uma forma de educar,

mas eu sei que muita coisa poderia melhorar, eu sei que poderia, mas a gente luta

para isso, já houve épocas que a gente tinha ajuda política, mas o MOEMA não faz

nem questão o MOEMA é uma associação que procura andar sozinha [falar

imponente ― orgulho] é melhor trabalhar assim, pois a gente não tá atrelado a

ninguém não estamos presas a ninguém. Acho que o nosso trabalho se torna mais

bonito ainda porque é um grupo pequeno que faz muito, se nós tivéssemos ajuda o

grupo era bem maior abrangeria mais pessoa, mas é assim... o MOEMA educa muito

sim” (Socorro ― grifo nosso).

“Infelizmente não, no nosso contexto atual que a gente vive em Belém não educa. Já

educou sim, lá atrás já educou sim, quando a gente podia fazer o artesanato através

da reciclagem, por exemplo, poderia ao invés de jogar uma garrafa pet poderia

transforma-la em um arranjo, em um brinquedo, em alguma coisa eu acredito que a

cidade urbana, assim, não educa nesse contexto, hoje. A cidade tem o poder de

educar basta querer com políticas públicas é possível sim, com certeza, é possível

usar os espaços públicos para fins de renda solidaria” (Leila ― grifo nosso).

Assim, para pensarmos a cidade e suas múltiplas relações com a educação, pode fazer

sentido a tentativa de associar a questão da violência e combatê-la é uma questão de luta que

deve andar junta à educação seja ela formal ou não formal. O aprender e o ensinar que a

cidade nos oferece requer um posicionamento cidadão cheios de atitudes, como a valorização

da cultura da região, envolver a população no processo e promover uma educação cidadã. A

leitura da cidade é feita de acordo com a realidade ali habitada.