• Nenhum resultado encontrado

Economia Solidária, Bem Viver e Educação

Capítulo I ― Enquadramento Teórico: O MOEMA – Movimento de Mulheres

3. Uma outra economia é possível

3.1 Economia Solidária, Bem Viver e Educação

“Gente quer comer

Gente quer ser feliz”.

A economia solidária “surgiu historicamente como reação contra as injustiças

perpetradas pelos que impulsionam o desenvolvimento capitalista. Foi assim desde a primeira

revolução industrial e continua sendo hoje” (Singer, 2004, p. 11). Tal economia vem como

uma maneira de desempenhar lutas históricas dos trabalhadores e teve início no século XIX,

em forma de cooperativas, sendo estas consideradas um modo de resistência frente ao

crescimento do capitalismo industrial.

É apresentado como origem histórica da economia solidária o seu surgimento pouco

antes do capitalismo industrial, uma vez que foi reflexo de um significativo empobrecimento

dos artesãos provocados pela propagação das máquinas e de um modelo de produção

organizado para funcionar de acordo com tais instrumentos. O primeiro Estado a se

transformar em um proletariado moderno foi a Grã-Bretanha, onde ocorreu uma expulsão em

massa de camponeses dos domínios senhoriais.

Ocorre que a exploração nas fábricas era desumana, sem limites legais; o que poderia

causar uma ameaça era “a reprodução biológica do proletariado”. O autor relata, ainda, que

“as crianças começavam a trabalhar tão logo podiam ficar de pé, e as jornadas de trabalho

eram tão longas que o debilitamento físico dos trabalhadores e sua morbidade e mortalidade

impediam que a produtividade do trabalho pudesse se elevar” (Singer, 2002, p. 24).

A economia solidária surge no Brasil, no término do século XX como revide por parte

dos trabalhadores frente às novas maneiras excludentes e exploratórias em relação à mão de

obra, acarretando um crescente número de pessoas desempregadas. Muitos desses

trabalhadores foram obrigados a aceitar precárias condições de trabalho para garantir seus

empregos e, naturalmente, com isso, ocorreu uma grande perda de direitos sociais.

No entanto, diante da crise, surgem novas formas de organização de trabalho e

consequentemente encontram alternativas para garantir seu sustento. Como acenam as autoras

Santos & Carneiro (s.d.), “a flexibilização e a precarização do trabalho vigente na sociedade

contemporânea tem sido novo impulso dado ao desenvolvimento de formas diversas de

sobrevivência econômica que se desdobram em formas associativas e cooperativas, como a

economia solidária” (p. 8).

máximo de lucro possível pensando no individual e nunca no coletivo. Smith (1983) expressa

bem essa máxima capitalista quando defende que o indivíduo vai sempre ao alcance de meios

de aplicações mais lucrativas para o capital que possui, prestigiando a vantagem própria e

nunca vantagem para toda a sociedade.

No Brasil, a Constituição Federal trouxe garantias adquiridas que, com o estado

democrático de direitos, “o cidadão, independente de sua camada social, tem direito de

participação na tomada de decisão, especialmente, voltada à gestão governamental. Um dos

componentes para o exercício desse direito é a liberdade de reunião e associação pacífica,

garantida constitucionalmente” (Pozzer, 2010, p. 33).

Após o período ditatorial e com a chegada da Carta Magna de 1988, o Brasil fica

estabelecido como um país Democrático de Direito, tendo como um dos seus princípios a

participação popular na sua gestão, seja na questão social, seja no direito a voto, seja na

questão econômica, seja no direito à liberdade de associação ou direito à propriedade.

O artigo 5.º da Constituição Federal do Brasil assegura o direito à liberdade das

associações:

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

[...]

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada à de caráter

paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de

autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas

atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em

julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade

para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente (Constituição da

República Federativa do Brasil, 2016).

brasileira versa acerca da liberdade constitucional de associação, um importante e

fundamental direito que vai permitir que o cidadão comum tenha a possibilidade de

associar-se em busca das mais diversas finalidades em conjunto com outras pessoas, uma maneira de

se tornar mais forte diante dos desafios de uma vida em comunidade.

A economia solidária compreende diferentes tipos de instituições, isto é, associações

voluntárias com o fim de proporcionar a seus associados benefícios econômicos. Estas

surgem como reações a carências que o sistema dominante se nega a resolver (Singer, 2001,

p. 105).

O capital motiva capital; e o proprietário de empreendimento pode até não o possuir

em espécie, mas ele tem crédito para obter mais dinheiro. No momento da concessão de um

crédito, algumas questões são levadas em consideração, como um diploma, os vínculos

familiares, o local de residência. Essas são maneiras de dizer que se faz parte de uma classe

considerada superior: “aos outsiders ficam abertas as portas em algumas competições, em

que o talento individual conta mais que o capital: o meio artístico, a ciência, o esporte, as

artes performativas e, sobretudo, algumas posições nos meios de comunicação de massa”

(Singer, 2001, p. 104).

A economia solidária, por sua vez, vem mostrar outro modo de produção, que tem

como princípios básicos a propriedade coletiva ou associada do capital, e garante também o

direito à liberdade individual (Singer, 2002, p. 10).

Ademais, Acosta (2016) nos dirige a um novo pensar, mostrando que ― frente a uma

“derrocada financeira internacional”, visto que essa derrota é tão somente um dos aspectos de

um colapso ainda maior para a civilização humana ― faz-se necessário edificar maneiras de

vida distintas da regida pelo capital que tem como centro a acumulação do capital. É nesse

contexto que o Bem Viver consolida-se sobre um novo olhar segundo o qual o lucro e o

acúmulo de capital não são o mais importante:

O Bem Viver é, essencialmente, um processo proveniente da matriz comunitária de

povos que vivem em harmonia com a Natureza. Os indígenas não são pré-modernos

nem atrasados. Seus valores, experiências e práticas sintetizam uma civilização viva,

que demonstrou capacidade para enfrentar a Modernidade colonial. Com suas

propostas, imaginam um futuro distinto que já alimenta os debates globais. O Bem

Viver faz um primeiro esforço para compilar os principais conceitos, algumas

experiências e, sobretudo, determinadas práticas existentes nos Andes e na Amazônia,

assim como em outros lugares do planeta (Acosta, 2016, p. 24).

Com as diversas e constantes crises econômicas que assolam não só países da

América Latina, mas o mundo como um todo, suscitam-se grandes choques em todas as

regiões, geradas, sobretudo, pelas várias mudanças nas organizações que, consequentemente,

afetam a economia local.

A ideia de desenvolvimento econômico neoliberal ― vendido como um conceito

positivo de bem-estar baseado no consumo desenfreado dos recursos naturais ― leva a

América Latina ao debate e à ideia de Bem Viver (Lacerda & Feitosa, 2015).

O Bem Viver, segundo Acosta (2016), concretiza-se como uma empreitada

descolonizadora e também deveria ser despatriarcalizadora, uma vez que, para cumpri-la,

será particularmente necessário um processo de descolonização intelectual nos âmbitos

político, social, econômico e, claro, cultural (p. 72).

Nessa perspectiva, afloram-se novas formas de organização social na presença de

recentes conjecturas acerca do colapso do capitalismo, o que gera novas proposições diante

de uma organização da sociedade. Consoante Brasil & Brasil (2013), “esse exercício tem sua

validade não pelo propósito de tentar antecipar o que virá, mas como estratégia para se

enxergar e compreender as propostas e experiências que já estão postas e que se orientam por

valores e práticas anticapitalistas” (p. 94). Ao ser entendida como uma “outra economia”, a

economia solidária possui muita semelhança com os mais diferentes movimentos sociais que

partilham das mesmas ideias ― tais como a luta pela igualdade, a busca pela democracia e a

questão ambiental (sustentabilidade), que são pontos muito importantes e, mesmo frente a

lutas em comum, mantêm suas próprias identidades.

Vale ressaltar a execução de políticas públicas voltadas a uma economia solidária pelo

Governo Federal nos recentes governos populares de Luís Inácio Lula da Silva (1.º de janeiro

de 2003 – 31 de dezembro de 2011) e de Dilma Vana Rousseff (1.º de janeiro de 2011 – 31

de agosto de 2016), que tiveram suas táticas voltadas para a geração de renda ou de

assistência social, porém não foi discorrida como uma tática apropriada para gerar o Bem

Viver no território brasileiro (Medeiros, 2018).

São muitas as semelhanças entre economia solidária e o Bem Viver, porém é mister

salientar que o Bem Viver se torna parte da constituição do Equador e da Bolívia a partir dos

anos de 2008 e 2009, respectivamente. No caso do Brasil, a economia solidária ainda luta por

um marco jurídico, pois, posto que alcance grandes parcerias com políticas públicas, essas

conquistas ainda são insuficientes e necessitam imperiosamente de um posicionamento da

administração no âmbito federal do governo brasileiro. Sobre isso, os autores Brasil & Brasil

(2013) declaram que “o debate conceitual sobre economia solidária e bem viver deve ser cada

vez mais aprofundado, tratado de forma sistemática em diferentes arenas e pautado nos

fóruns, empreendimentos e espaços de formações” (p. 99).

É na crise ― dentre as quais se destaca o grande número de desempregados e

consequentemente um considerável aumento de trabalhadores informais ― que as atividades

econômicas padecem de transformações. No entanto, tais variações no cenário econômico

não ficam limitadas ao modo de produção; elas influenciam diretamente na questão social, o

que leva a sociedade para uma variação de conduta resultando em uma certa competitividade

entre trabalhadores e em uma tendência para o trabalho individual, assim como em um

enfraquecimento nas políticas sociais, dado que, no Brasil, foi imposta à grande parte da

população a errônea ideia de que políticas sociais e políticas afirmativas (cotas para

afrodescendentes ou o Bolsa Família, por exemplo) são tidas como privilégios, e não como

um direito legítimo para os mais necessitados.

Trata-se, pois, de uma questão política e não de uma questão meramente técnica. É

necessário olhar o mundo por um prisma mais comunitário, pelo qual podemos sonhar e,

sobretudo, realizar um mundo melhor para todos (Acosta, 2016).

É de grande valia ter em foco o que aponta Gadotti (2009), quando se remete à

economia solidária como algo que não se sintetiza a um artigo (um produto). Tal economia é

um preceito, mais que um empreendimento solidário; é uma ideia, um conceito, uma

economia que se preocupa com a questão ambiental, contrária ao trabalho infantil;

valorizadora da cultura local sempre em busca da cidadania, da igualdade social e do

equilíbrio na demanda do gênero, tudo através de relações comerciais justas.

Gadotti (2009) complementa com a ideia de que “a economia solidária envolve

pessoas comprometidas com um mundo mais solidário, ético e sustentável. Por isso a

economia solidária está estreitamente ligada à educação transformadora e à democracia

econômica” (p. 24).

É sabido que a Pedagogia, importante instrumento da educação, é encarregada de

analisar a educação como um fenômeno social, partindo-se desta premissa: “o que se ensina,

como, para que e para quem se ensina”. A Pedagogia é composta por momentos, isto é, por

processos históricos educacionais de um povo, uma justificativa fundamental que vai fazer

uma análise educacional dentro e fora da escola, “a contextualização social, econômica e

cultural, os valores e/ou princípios dos sujeitos da ação educativa, isto é, tudo que se estuda e

se aprende tem repercussão na vida social, econômica e política de uma dada sociedade”

(Medeiros, Lilaça & Dubeux, 2018, p. 64).

Logo, o exercício de uma economia solidária está ligado a uma modificação no

âmbito cultural, algo que só a educação pode fazer. Há uma ligação entre a economia

solidária e a formação cultural, já que “a eficiência econômica está ligada não só a valores

econômicos, mas também a valores culturais das práticas solidárias” (Gadotti, 2009, p. 33).

Em tempos difíceis, como o que se vive hoje no Brasil, é notória a importância de

movimentos sociais, de associações, de cooperativas atinentes ao bem comum e à luta por

direitos. O referido artigo 5.º da Constituição brasileira e seus incisos dão legitimidade à

construção de uma associação de Mulheres como o MOEMA, que debate pautas como

economia solidária ― o que nos remete ao assunto como algo utópico, no sentido de que uma

nova economia é possível. Assim, a consolidação do projeto leva como importância os

valores e práticas, nada comuns, no espaço em que as Mulheres habitam, fazendo a diferença

naquele ambiente, pois Elas atuam socialmente com o fito de gerarem uma economia

solidária organizada enquanto associação na comunidade local.

O Bem Viver vem mostrar que “a utopia andina e amazônica se manifesta no discurso

indígena, em seus projetos políticos e em suas práticas sociais e culturais, inclusive

econômicas” (Acosta, 2016, p. 65).

Como cultura, o Bem Viver aparece com diversos nomes e multiplicidades e tem sido

experimentado e vivido em vários lugares e em diferentes momentos e regiões do mundo

(Mãe Terra) ― como o ubuntu, na África do Sul; e svadeshi, swaraj e apargrama, na Índia

(Acosta, 2016).

O tema economia solidária vem recebendo grande atenção por parte dos estudiosos,

salientando-nos a importância deste trabalho: Brasil & Brasil (2013) em “Economia

Solidária, bem viver e decrescimento: primeiras aproximações”; Reis, Nascimento, Felizardo,

& Santos (2015) em “Agricultura Familiar e Economia Solidária: a experiência da

Associação MUTIRÃO, na região do Baixo Tocantins, Amazônia Paraense”; Souza (2009)

em “Empreendimentos de economia solidária e desenvolvimento local sustentável na

Amazônia paraense: fatores que influenciam para o desempenho de cooperativas de

produção”; e Brasil (2007) em “Mulheres, desenvolvimento local e sucesso: As feirantes em

Belém (PA) e as políticas públicas de geração de renda”.

Os autores e trabalhos citados serviram para conhecer e para apreciar aquilo que vem

sendo desenvolvido em termos de pesquisas e de seus resultados na região em que a presente

dissertação foi constituída, Belém do Pará. Esta é uma maneira de ver como a economia

solidária está sendo tratada e sendo desenvolvida na Região de estudos da pesquisa.

conceitos de economia solidária, de bem viver e de decrescimento; bem como explanar e

discutir suas semelhanças e suas especificidades; além de investigar como é possível

encaminhar-se para uma sociedade melhor.

Reis et al. (2015) exibem a experiência de agricultores familiares que se articularam a

partir do momento de implementação do Projeto MUTIRÃO, na região do Baixo Tocantins,

estado do Pará, o qual, por meio de sua organização, visa a melhorar a qualidade de vida das

pessoas na localidade.

Os apontamentos de Souza (2009) mostram uma pesquisa que analisa o

cooperativismo sob a ótica da economia solidária e do desenvolvimento sustentável local, um

estudo de caso dentro das cooperativas de produção no estado do Pará.

Brasil (2007) propôs analisar as políticas públicas de geração de renda para mulheres

feirantes de Belém e sua forma de produção, através de um estudo de caso do projeto Fundo

Ver-o-Sol, baseado na observação da realidade com ênfase nas contradições e nas mudanças

da sociedade. Em suma, a pesquisa trabalhou a relação mulher, gênero e desenvolvimento.

O Fundo Ver-o-sol foi criado pela Lei Complementar N.º 1/97, de 20 de outubro de

1997, que “institui o fundo municipal de solidariedade para geração de emprego e renda

ver-o-sol, cria o conselho municipal do trabalho e desenvolvimento econômico social e dá outras

providências” (Lei complementar nº 1/97, de 20 de outubro de 1997).

Diante de tudo, é também da crença em que uma nova economia é possível que o

MOEMA busca se desenvolver. O pensamento de Singer (2004) corrobora esse preceito

assinalando que “a economia solidária não pretende opor-se ao desenvolvimento, que mesmo

sendo capitalista, faz a humanidade progredir. O seu propósito é tornar o desenvolvimento

mais justo, repartindo seus benefícios e prejuízos de forma mais igual e menos casual” (p.

11).

A economia solidária exibe a importância da solidariedade quando percebemos que,

no sistema capitalista, a arma das pessoas pobres, carentes de capital, é a solidariedade

(Singer, 2001).

Acosta (2016) dirige que “outro mundo será possível se for pensado e organizado

comunitariamente a partir dos Direitos Humanos – políticos, econômicos, sociais, culturais e

ambientais dos indivíduos, das famílias e dos povos – e dos Direitos da Natureza” (p. 26). E,

como sustenta Freire (1997), “não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo

existencial e histórico” (p. 10).