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Capítulo III ― Análise dos Resultados

2. O MOEMA aos olhos e aos ouvidos de Verônica: no olhar e na fala de Leila, de

2.1 Percursos

A infância de algumas Mulheres que fazem o MOEMA não foi algo muito fácil;

algumas delas tiveram dificuldades em relatar essa fase de sua vida. A maioria começou a

trabalhar ainda crianças e teve seu direito de brincar negado. É muito forte, em seus relatos, a

presença feminina da mãe ou de uma avó, Mulheres que inspiraram suas histórias de vida até

hoje.

Pensando na questão referente à infância difícil, é importante perceber que, acerca da

psicologia do desenvolvimento,

podem-se distinguir, dentro de um processo geral de desenvolvimento, duas linhas

qualitativamente diferentes de desenvolvimento, diferindo quanto a sua origem: de um

lado, os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções

psicológicas superiores, de origem sociocultural. A história do comportamento da

criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas. A história do desenvolvimento

das funções psicológicas superiores seria impossível sem um estudo de sua

pré-história, de suas raízes biológicas, e de seu arranjo orgânico. As raízes do

desenvolvimento de duas formas fundamentais, culturais de comportamento, surge

durante a infância: o uso de instrumentos e a fala humana. Isso, por si só, coloca a

infância no centro da pré-história do desenvolvimento cultural (Vygotky, 2003, p. 61).

A construção da identidade é composta de acordo com a história de cada um, com

todas as suas influências biológicas, familiares e sociais, o que torna clara a ideia de que é

necessário levar em consideração tais influências na construção da criança que será um adulto

mais tarde; assim como a questão do trabalho infantil ― muito presente nos seus

depoimentos, sendo que algumas tiveram dificuldades em relatar essas experiências, o que foi

perceptível no embargar de voz, no frequente silêncio. A Constituição Federal, lei maior do

país, proíbe o trabalho infantil em seu artigo 7:

XXXIII ― proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito

e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a

partir de quatorze anos (Constituição da República Federativa do Brasil, 2016).

No Brasil, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, assim

como as Convenções 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho apresentaram o

direito da criança e do adolescente a um desenvolvimento digno para sua idade e delimitaram

limites de idade para ingressarem no mercado de trabalho, como corrobora o artigo 7,

XXXIII ― o qual assinala a possibilidade de trabalho a partir de 16 anos, exceto na condição

de aprendiz, a partir dos 14 anos.

Porém, é importante pensar nas causas que levam a criança e o adolescente para o

trabalho antes estipulado por lei. Alguns dos motivos são a pobreza, a falta de informação dos

pais ou até a ausência deles e a necessidade de ter seu próprio sustento muito cedo. O

trabalho de uma criança e de um adolescente ocasiona profundas consequências na vida,

como o abalo psicológico, na saúde física, na evasão escolar e nos riscos de trabalho.

Além do fato de ter que trabalhar muito cedo, outro ponto forte foi à influência

patriarcal na criação das Mulheres que fazem o MOEMA: em uma lembrança, em uma fala

ou em uma declaração consciente:

“Quando eu nasci meu pai por ter muita filha mulher e só dois filhos homens e um

deles tinha morrido... Meu pai disse que não queria mais filha Mulher e que se eu

fosse Mulher ia me dar em adoção, sabe? [emoção] aí a minha mãe fez uma

promessa para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro por isso que meu nome é Maria

do Socorro, por causa da promessa que a mamãe fez para o papai me aceitar para

ele não me dar porque ele disse [alteração de voz] que se fosse uma mulher

novamente ‘eu vou dar em adoção’ porque eu não quero mais saber de filha Mulher

[sorriso nervoso]. E aí a minha mãe sofria, ela era daquelas pessoas que obedeciam

ao marido e fez a promessa” (Socorro).

“Eu me lembro muito que meu pai batia muito em nós, não só em mim como nos meus

irmãos... Somos 6 irmãos, quatro mulheres e dois homens. Meu pai batia muito... Ele

era militar daquele tempo antigo, então era tudo rígido tudo ali como ele queria,

sempre foi como ele queria então eu me lembro muito pouco por que com 10 anos eu

sai de lá para ir trabalhar na casa dos outros [empregada doméstica] para tentar

sobreviver só para um prato de comida e para ganhar roupas já usadas e assim eu fui

vivendo a minha vida e depois muito cedo, aos 14 anos, arranjei logo um marido para

mim poder sair da casa dos outros [empregada doméstica] pensando que eu não ia

sofrer e sofri o triplo...” (Nazaré).

Todas as Mulheres entrevistadas são paraenses e a maioria delas nasceu em casa por

meio de parteiras. As que não nasceram em Belém mudaram em busca de uma vida melhor e

têm idade entre 42 e 65 anos. Elas são todas alfabetizadas e possuem, no mínimo, o ensino

médio. As Mulheres que voltaram a estudar após conhecerem o MOEMA fizeram cursos

como Enfermagem e Pedagogia, cursos que, no Brasil, são majoritariamente ocupados por

Mulheres. A maioria das Mulheres entrevistadas tem ou teve uma ligação com os grupos

atrelados à Igreja Católica, algo muito comum na região amazônica.

A renda principal da maioria das entrevistadas vem ou já veio do artesanato:

“A minha renda é o artesanato” (Lindaura).

“Os trabalhos no MOEMA é a minha principal ocupação porque eu aprendi a

costurar, a fazer trabalhos manuais, crochê, costura a Maria José me ensinou me deu

o maior incentivo e para me incentivar ela comprou meus primeiros tecidos, as

linhas, me ensinou como fazia e eu comecei a fazer e fui tomando gosto, aquela

vontade, porque a gente faz um trabalho, vende ganha um dinheiro, a gente fica

motivada, meu trabalho tá sendo vendido. Hoje o meu trabalho, o dinheiro que entra

para ajudar na minha casa para ajudar na renda familiar é através das coisas que eu

faço de artesanato” (Socorro).

“Eu estava no segundo semestre da faculdade (...) nessa época eu trabalhava somente

com as coisas do MOEMA fazia meus biscoitos e minhas coisas e ia para o Bosque, a

minha renda era única e exclusivamente das minhas vendas no Bosque” (Leila).

Apenas uma das entrevistadas não é casada e não possui filhos. E é perceptível como

a educação é tratada com respeito pelas Mulheres que fazem o MOEMA; a maioria das

entrevistadas tem seus filhos formados, e são incentivadoras da educação:

“eu tenho dois filhos o Diego, hoje com 33 anos, hoje meu filho é formado em

Oceanografia e tem doutorado em oceanografia e é pesquisador no Museu Emilio

Goeld aqui em Belém, doutor mana, meu filho é doutor [alegria] eu consegui! Eu não

consegui chegar doutora, mas meus filhos conseguiram. E tenho a Larissa tem 31

anos é formada em Química e Engenharia de alimentos e tá fazendo doutorado em

engenharia de produção, tá terminando. Dois doutores, graças a Deus, eu me orgulho

muito eu acho que eu cheguei muito longe e eles foram mais longe do que eu”

(Lindaura).

“tenho dois filhos homens, Breno tem 27 anos e tá na terceira engenharia porque ele

foi experimentando, até chegar à engenharia que ele mais se identificou [risos] ele

faz engenharia elétrica no último ano. E Brian tem 25 anos, ontem defendeu o TCC

[tese de conclusão de curso] dele tirou 9,5, engenheiro mecânico [sorriso] todos

estudantes bolsistas do PROUNI, tudo proveniente do governo de esquerda do

Brasil” (Leila).

Leila, em seu relato supra-apresentado, ressalva os programas sociais dos governos

populares que o Brasil teve (Lula e Dilma), um deles é o PROUNI (Programa Universidade

para Todos), o qual, correlacionado ao Ministério da Educação, oferece bolsas de estudo,

integrais e parciais, em instituições particulares de educação superior. O programa é voltado

para alunos das escolas públicas e com renda familiar bruta mensal não superior a 3 (três)

salários mínimos. Leila se mostra muito consciente da importância dos programas sociais

voltados às famílias pobres, de modo especial, àqueles ligados à educação, uma vez que ela

foi beneficiária, como seus dois filhos também o foram, do referido programa.

A maioria das entrevistadas tem mais de 10 anos de MOEMA. É possível perceber que

as pessoas que passaram pelo movimento acabam por manter vínculo e relações duradouras

com este.