Capítulo II ― Metodologia de Investigação
1. Enquadramento metodológico
1.3 Pesquisa Biográfica
O presente trabalho foi desenvolvido com Mulheres integrantes do Movimento de
Mulheres Empreendedoras da Amazônia, com a finalidade de conhecer e de demostrar qual o
percurso de vida das Mulheres do MOEMA e em que medida as suas experiências
influenciaram sua forma de ver o mundo.
A investigação foi realizada por meio de uma pesquisa biográfica, uma vez que fazer
uso da abordagem biográfica requer uma determinada atitude. Cavaco (2002) informa que tal
postura deve ser do “investigador face ao seu objeto de estudo, aos objetivos da investigação
e à problemática em questão e é em função destes elementos que tem de optar entre a
diversidade de possibilidades que o recurso à abordagem biográfica possibilita” (p. 43).
Trabalhar uma temática que envolva Mulher requer um olhar mais sensível. Quando
esta é amazônida, torna-se necessário ainda mais empatia, haja vista que essa Mulher é de
uma região peculiar, com acentuados problemas sociais e um alto índice de pobreza, onde
políticas econômica e social fazem-se necessárias. Silva & Bacha (2014) nos assinalam que
o crescimento econômico e populacional da Região Norte não tem ocorrido de
forma equilibrada e sustentável. Isso pode ser atribuído, em parte, à falta de acesso
de boa parte de sua população a serviços de saneamento básico e educação, por
exemplo. Apesar disso, há também outras variáveis que influenciam esses
resultados. Entre elas, está o acesso às cidades com melhor infraestrutura, que, na
maior parte da região, é li-mitado ao modal fluvial. A carência de infraestrutura de
transporte é uma constante para quase todos os Estados da Região Norte, onde
existem várias cidades quase que completamente isoladas, cujas populações
crescem pouco ou mesmo decrescem (p.171).
Diante disso, podemos perceber a peculiaridade da região estudada e a dificuldade em
garantir um desenvolvimento justo no meio em que vivem. Boa parte da população não tem
acesso a serviços básicos de saneamento, educação, saúde, transporte público de qualidade
etc. Dessa maneira, a pesquisa biográfica vai explorar os indivíduos em seus espaços naturais
de habitação.
Com o intuito de complementar tal escolha, Ferrarotti (1991) nos expõe a ideia de ir
além do clássico, apontando que “a especificidade de método biográfico implica ultrapassar o
trabalho lógico-formal e o modelo mecanicista que caracteriza a epistemologia científica
estabelecida” (p. 172).
Delory-Momberger (2012) certifica que a finalidade da pesquisa biográfica é
“explorar os processos de gênese e de devir dos indivíduos no seio do espaço social, de
mostrar como eles dão forma a suas experiências, como fazem significar as situações e os
acontecimentos de sua existência” (p. 524).
A pesquisa foi desenvolvida por intermédio de um contato direto da investigadora
com as Mulheres, por meio de entrevista biográfica; e, dentro desse contexto,
Delory-Momberger (2012) defende ser a pesquisa biográfica uma das questões mais importantes da
antropologia social, aquilo que a autora chama de “Constituição Individual”, e questiona
como os indivíduos se tornam indivíduos. Logo, esta motiva novas relações não somente
entre indivíduos ou a sua interação com o outro, mas entre o meio em que está inserido e seus
contextos históricos, sociais, culturais, políticos etc.
Portanto, a pesquisa biográfica se apresenta perfeitamente oportuna no trabalho a ser
desenvolvido, pois trata-se de um grupo de Mulheres que se uniram com o propósito de
serem mais forte juntas, embora cada uma seja detentora de sua história com a qual chegou ao
MOEMA. É de notar as relações desenvolvidas junto ao movimento de Mulheres e, a partir
daí, analisar como está essa história: seus “novos capítulos”, seus novos caminhos e novas
perspectivas.
Delory-Momberger (2012) legitima a questão da inquirição escolhida quando diz que
“a finalidade da entrevista de pesquisa biográfica: apreender a singularidade de uma fala e de
uma experiência” (p. 526). É atraente a maneira como nos demonstra que a pessoa
entrevistada relata sua experiência, sua história, suas crenças, seu contexto (histórico-político)
atual ou vivido. E isso é a sua construção enquanto indivíduo, o que a autora chamou de
“dimensão constitutiva da individualidade”.
Nesse sentido, a pessoa do investigador deve ter um conhecimento prévio e o mais
real possível do local e do contexto; a entrevista não tem o intuito de saber separar o discurso
exterior do interior, mas perceber as histórias individuais. A relação com o discurso é também
designada por “configuração singular de fatos, de situações, de relacionamentos, de
significações, de interpretações que cada um dá à sua própria existência e que funda o
sentimento que tem de si próprio como ser singular” (p. 526).
O movimento social é um espaço onde podemos ouvir relatos, histórias, vivências. É
uma construção de histórias de vidas, uma luta constante por espaço e por direitos, um debate
acerca dos acontecimentos que afetam as vidas das pessoas. E uma das coisas presentes nos
movimentos sociais é a educação, mesmo que esta passe muitas vezes despercebida em
muitos debates.
Amado (2015) defende a definição de educação como
uma caminhada de aperfeiçoamento que os membros de uma comunidade humana
realizam com a ajuda e o apoio de outros membros; o aperfeiçoamento e
enriquecimento não são, desse modo, somente individuais mas coletivos, devendo
produzir mudanças desejáveis da sociedade e na cultura ― muito especialmente na
concretização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, bem como na
intensificação de valores essenciais para a convivência, como a compreensão, a
tolerância e a amizade entre cidadãos e cidadãs, povos e civilizações (p. 21).
O conhecimento difundido dentro de um movimento social é não somente o
individual, mas principalmente o coletivo, e pode levar a mudanças essenciais para uma vida
em comunidade ― inclusive nos âmbitos sociais e culturais de um povo ―, uma maneira de
aprender a conviver da melhor maneira possível e entender o seu espaço e o espaço do outro.
Nessa lógica, o espaço da cidade precisa ser visto e vivido com responsabilidade
enquanto parte importante de um contexto que envolve pessoas como partes, conforme
assinala Fernandes (2009): “Os sujeitos são autores e responsáveis por suas ações e escolhas,
com criticidade, reflexão e autocrítica, exercendo seu papel político de sujeitos que
participam e intervêm na cidade” (p. 62).
Outra maneira de demonstrar e de justificar a pesquisa biográfica no presente trabalho
é o fato de os currículos escolares não estarem adequados à realidade de determinadas regiões
do Brasil. O currículo amazônico deve ter suas peculiaridades, uma vez que essa localidade
requer uma educação voltada às suas especificidades, enquanto Região Norte e enquanto
Amazônia brasileira. Arroyo (2015) nos mostra que são os movimentos sociais que garantem
isso e aponta “para a construção de outros currículos, na medida em que defendem ocupar o
latifúndio do saber, as escolas, as universidades, os currículos para plantar e afirmar outros
conhecimentos. Para afirmarem-se produtores de outras culturas e valores” (p. 67).
Costa & Oliveira (2017) defende um currículo voltado para a região e para suas
peculiaridades: sua fala, alimentação, danças e expressões artísticas.
A ênfase dada à questão cultural nesse processo educacional é muito importante,
porque a partir dele o educando estará percebendo que faz parte de um processo
social, histórico, cultural. Evidenciar ainda mais o enredo cultural no ensino das
escolas públicas seria uma alternativa para estreitar a relação do educando com o
aprendizado, ou seja, além dos temas gerais como etnia, religião, movimento artístico
etc., tentar situar estes universos diversificados em um contexto regional. Desse modo
estaria dando mais fundamentos ao objeto de estudo, no caso a cultura situada em uma
dada realidade, em um determinado contexto (p.143).
Um currículo nacional que ignora ou cala as diferenças que coexistem em um país com
as dimensões territoriais e culturais que tem o Brasil não abrange as peculiaridades que
compõem as realidades amazônicas ― por exemplo, sua sabedoria cultural e sua realidade
territorial. Logo, é imperioso reconhecer e oferecer políticas voltadas para a realidade e a
vivência dos estudantes amazônicos dos campos, dos centros urbanos, das pequenas cidades,
das periferias, das comunidades ribeirinhas, dos quilombos e dos territórios indígenas; o
currículo não pode estar ligado, somente, a um documento formal, isto é, uma legislação
pautada para os ditos centros econômicos do Brasil.
No documento
UNIVERSIDADE DE LISBOA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
(páginas 59-62)