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Apresentação do programa de Lipman: Filosofia para Crianças

CAPÍTULO I FILOSOFIA PARA CRIANÇAS:

1. Perspetivas Pedagógicas que se encontram na génese do programa

1.1 Apresentação do programa de Lipman: Filosofia para Crianças

O movimento educacional, conhecido por filosofia para crianças, surgiu nos Estados Unidos no início dos anos setenta. A sua emergência deveu-se à preocupação do professor e filósofo norte-

-americano Matthew Lipman com o fraco desempenho dos seus alunos. Para melhorá-lo, pensou que seria importante desenvolver as suas habilidades cognitivas, através da discussão de temas filosóficos. Trata-se de um programa com um currículo e com uma metodologia própria passível de ser adaptado a diferentes níveis etários e aplicado em contextos muito variados (Lipman, 2000).

Em colaboração com alguns colegas, Lipman funda em 1974 o Institute for the Advancement of

Philosophy for Children (IAPC), nos Estados Unidos da América (USA), desenvolvendo a

Filosofia para Crianças em conjunto com um programa de treino para professores (Rolla, 2004).

A Filosofia para Crianças é um programa educacional que pretende contribuir para o desenvolvimento e compreensão da linguagem e das capacidades críticas e criativas das crianças, promovendo o seu pensamento autónomo (Gadotti, 1999).

Para Lipman, o papel da Filosofia na escola não é o de informar as crianças sobre a existência de determinados filósofos, nem transmitir os seus pensamentos ou ideias, mas, antes, ensinar a pensar (Lipman, 1990). Parte-se do princípio de que as crianças têm uma capacidade natural para filosofar, que se expressa nas suas perguntas; esse questionamento da realidade incomoda muitas vezes os pais e os educadores que, quando não conseguem responder às suas perguntas, servem- -se da autoridade para os silenciar. Esta atitude diminui a capacidade para questionar que as crianças naturalmente possuem e que pode ser desenvolvida pela filosofia, nomeadamente através do diálogo (Bornstein, 1990).

Neste programa, a Filosofia tem uma importância fundamental e unificadora relativamente às outras disciplinas do currículo, ajudando a pensar, a transformar o mundo e a conferir sentido à educação como um todo (Cam, 1999; Reis & Formosinho, 2014). A preocupação é com a formação de cidadãos mais responsáveis, racionais e interventivos. No fundo, acredita-se que através do ensino da filosofia se opere uma transformação nas crianças e nos jovens para uma sociedade verdadeiramente democrática (Sofiste, 2010; Carvalho, 2014). De facto, o programa não contempla apenas o desenvolvimento das capacidades cognitivas, mas implica, também, a compreensão e a análise de problemas sociais e familiares numa perspetiva de enriquecimento cultural e conceptual (Bornstein, 1990). A proposta de Lipman contempla as dimensões da existência, da ética e da estética (Tenreiro-Vieira, 2014).

professores. As novelas reúnem ideias filosóficas presentes na história da filosofia ocidental, numa linguagem acessível às crianças (Santiago, 2000). Os personagens, que são também crianças, apresentam questões e problemas com as quais o grupo se identifica. Funcionam como modelo, dando origem ao diálogo. Cada novela explora temas específicos como: a verdade, o bem, a justiça, etc. que se vão recuperando e reforçando ao longo das sessões de acordo com o desenvolvimento das crianças (Santiago, 2000; Kohan, 2000).

É um programa desenhado especialmente para o ensino pré-escolar e para o 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico e secundário; propõe, ainda, a extensão da filosofia a todos os níveis do sistema educativo, através de um método que ensina a pensar bem, por si mesmo e em conjunto com os outros, raciocinando de forma correta e coerente, de acordo com os princípios da lógica, da ética e da moral (Bornstein, 1990).

O debate em torno das novelas permite, aos professores e aos alunos envolverem-se em “comunidades de investigação” (Murris, 2008). Entende-se aqui, por “comunidade” a pertença a um grupo, alicerçando-se no espírito de cooperação, de confiança, segurança e cuidado que todos os membros constroem entre si, tendo em vista um objetivo comum (Carvalho, 2014). O conceito de “investigação” é utilizado porque a comunidade parte de problemas para os quais não encontra imediatamente uma solução, necessitando, por isso, de transformar o que inquieta os seus membros, o que é confuso e aparentemente insolúvel, em algo que satisfaça os envolvidos (Splitter & Sharp, 1999). Nesta comunidade promove-se o desenvolvimento da escuta e a reconstrução das diferentes ideias em conjunto, numa atitude de tolerância e de respeito pelas diferenças.

Podemos, portanto, falar em «converter a sala de aula em uma comunidade de investigação» na qual os alunos dividem opiniões com respeito, desenvolvem questões a partir das ideias dos outros, desafiam-se entre si para fornecer razões a opiniões até então não apoiadas, auxiliam-se uns aos outros ao fazer inferências daquilo que foi afirmado, e buscam identificar as suposições de cada um (Lipman, 1995, p.31).

Assim, a comunidade de investigação é um processo dialógico que se estabelece entre os diferentes participantes. O diálogo é a principal ferramenta para conduzir as crianças e os jovens a novas descobertas, investigando a realidade. De acordo com Lipman (1995), esta terminologia foi

utilizada por Charles Peirce; cingia-se aos investigadores profissionais na área científica. A reunião destes investigadores era assim designada pelo facto de eles trabalharem em comunidade, com procedimentos e objetivos comuns. O termo foi-se ampliando, passando a incluir não apenas a investigação científica, mas todo o tipo de investigação partilhada. Neste contexto Lipman considera que é possível e desejável transformar a sala de aula numa comunidade de investigação, que partilha as mesmas regras de procedimento e princípios de investigação. Quanto às primeiras, devem ser discutidas, vivenciadas e reestruturadas ao longo de todo o processo e de acordo com cada grupo. Quanto aos princípios que orientam este trabalho, estes devem ter como base as regras da lógica formal e informal, pois são elas que permitem caminhar lentamente no questionamento e na investigação. Trata-se de uma experiência que se consolida numa forma de vida para quem nela participa. No sentido em que aquilo que é investigado e trabalhado pela comunidade, tem repercussões nas vivências de cada um e de todos. A procura e a descoberta em conjunto acontecem por meio do diálogo, concretizando-se numa experiência do pensar compartilhado. Trabalhar assim tende a fortalecer o sentido de solidariedade e de aceitação de todos os elementos do grupo. Portanto, participar nesta comunidade é aprender a dialogar com os outros, utilizando a investigação como o melhor caminho para lidar com os problemas. As respostas a que o grupo chega não são únicas nem definitivas, mas as mais prováveis ou verosímeis (UNESCO, 2007). Existe o reconhecimento de que para uma pergunta pode não existir apenas uma resposta. Aquilo que, num dado momento a comunidade aceita como verdadeiro, pode, noutras circunstâncias e de acordo com novos argumentos, contra-argumentos, inferências e analogias, tornar-se insatisfatório:

(…) A prática filosófica, entendida como diálogo coletivo sem fim, requer, além do desejo de saber (a philo-sophía) e o questionamento sem fim de todo o saber adquirido, a disposição dos co-investigadores a buscarem caminhos de pensamento coletivo regrados por uma comunidade dadora de sentido (Kohan, 2000, p. 105).

Podemos, então, concluir que se trata de um programa cuja metodologia é o diálogo e a investigação em cooperação. O conhecimento constrói-se na partilha de ideias e pensamentos, através de uma comunidade de pessoas que se envolvem pelo desejo de melhor conhecer o mundo, dividindo inquietações e aspirações, que possuem em comum na busca pelo conhecimento. Procura-se uma adequação entre o pensamento e a ação que se efetua por intermédio da comunicação; é necessário saber dialogar, estar disposto a escutar os outros numa atitude de respeito e liberdade, assumindo as responsabilidades que dai decorrerem (Bornstein, 1990).