• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II ENSINO DA FILOSOFIA PRÁTICA

2. Dimensões do ensino da filosofia prática

2.1 Ensino Crítico-Pensamento Crítico

Com “pensar crítico” refiro-me ao pensar que é autocorretivo, sensível ao contexto, orientado por critérios e que conduz ao julgamento. Os pilares gêmeos do pensar crítico são o raciocínio e o julgamento (Lipman, 1990, p.100).

O Ensino crítico, ou o ensino na descoberta, tem por base a crença de que é possível e desejável ensinar os alunos a pensar; ou seja, as competências e os processos de pensamento são ensináveis através do debate e da discussão em sala de aula. É um ensino que parte da curiosidade natural dos alunos, promovendo a investigação para que cada um construa o seu próprio conhecimento. Assim, as estratégias de ensino e as dinâmicas de sala de aula, implicam o conhecimento e a aplicação de um conjunto de regras e técnicas de discussão, onde se fomenta a troca de ideias e a escuta atenta do outro. A prática de sala de aula inspira-se na maiêutica socrática, dando-se enfase ao raciocínio indutivo e ao diálogo (Arends, 1995).

É um ensino de pendor essencialmente prático que tem, como finalidade, ajudar os alunos a aprender. O professor tem como tarefa facilitar as aprendizagens, satisfazendo a curiosidade dos seus alunos, indo, assim, ao encontro dos seus interesses e necessidades. Os alunos são confrontados com questões, problemas, cujo objetivo é promover a sua curiosidade e, com ela, o desejo de conhecer. É um modelo onde se procura desenvolver o pensamento crítico, o que implica questionamento, interrogação e fundamentação ou justificação para o que afirmamos (Castro, 2014). O movimento de aprendizagem, ocorre à semelhança do método científico; o que move as crianças é a existência de um problema, de algo que não conseguem resolver, ou para a qual não têm respostas e que é necessário investigar. Investigar implica recolher dados e experimentar. Neste âmbito, o professor guia os alunos no processo de construção do conhecimento através da formulação de hipóteses com vista à explicação fundamentada e justificada de um determinado fenómeno ou acontecimento (Arends, 1995). O que se procura é tornar os alunos aprendentes autónomos, capazes de pensar por si mesmos e com os outros (Cai & Sankaran, 2015). O processo de ensino/aprendizagem exige do aluno uma atitude ativa, num clima de liberdade de pensamento e expressão. Apesar de o conhecimento derivar de uma construção conjunta, que se edifica em sala de aula com o contributo de todos, isso não quer dizer que o professor não tenha de planificar as suas aulas. É importante definir previamente os objetivos e as finalidades que se pretendem atingir numa aula baseada na pesquisa, esclarecendo

os alunos quanto às regras e aos procedimentos que vão ser adotados (Arends, 1995; Tenreiro- -Vieira, 2014; Castro, 2014; Vieira & Tenreiro-Vieira, 2014).

Neste modelo de ensino, a eficácia do professor passa pelo domínio de conhecimentos, que lhe permitiram a adequação dos conteúdos à prática de forma criativa e inovadora. Outro aspeto importante, é a necessidade de o professor conhecer técnicas e estratégias de forma a desenvolver dinâmicas de sala de aula, propícias ao desabrochar do pensamento crítico.

O pensamento crítico é aqui entendido como um pensamento dotado de clareza, rigor, precisão e relevância: “possuir o pensamento treinado criticamente é possuir uma competência extra na racionalidade capaz de validar o credível do incrível” (Castro, 2014, p. 27).

Apesar da longa história do pensamento crítico, que remonta ao século IV/V a.C. na Grécia, introduzido por Sócrates, não existe uma definição única e estanque do conceito. Este tem vindo progressiva e exponencialmente a ganhar relevância na nossa sociedade. Dewey (1910) impulsionador do pensamento crítico, considera que, pensar é um processo através do qual os indivíduos encontram sentido e significado para o mundo em que vivem. Define o pensamento crítico como uma consideração cuidadosa, persistente e ativa de uma crença ou forma de conhecimento alicerçada em fundamentos e nas novas conclusões para que tende.

Se em termos de definição, o conceito é passível de múltiplas interpretações, o mesmo não acontece quanto à importância de ser trabalhado e explorado na escola. Vários autores (Mall-Amiri & Sheikhy 2014; Cai & Sankaran 2015; Temel 2014; Zangenehvandi, Farahian & Gholami 2014; Nargundkar, Samaddar & Mukhopadhyay 2014; Oyler & Romanelli 2014; Wei, 2014) partilham a ideia de que o pensamento crítico é fundamental enquanto finalidade educativa.

O movimento ligado ao pensamento crítico na educação, teve um grande impulso na década de oitenta. A investigação, nesta área, contribuiu para a didática das ciências e das humanidades. A justificação para a sua pertinência e desenvolvimento, prende-se com a necessidade de pensarmos de forma crítica nas nossas vidas. Surge, assim, como uma exigência atual; numa sociedade de orientação científica e tecnológica é primordial formar cidadãos responsáveis e autónomos com capacidade de tomar decisões esclarecidas e racionais (Cai & Sankaran, 2015; Mall-Amiri & Sheikhy, 2014). Fundamentação com contornos éticos, intelectuais e pragmáticos (Tenreiro-Vieira, 2014). Pensar criticamente ajuda em várias situações: na resolução dos próprios

problemas, no delinear das metas a atingir, nos objetivos que traçamos para nós, na convivência com os outros, na tomada de decisões racionais e esclarecidas e na contribuição para uma sociedade mais justa e igualitária (Mall-Amiri & Sheikhy, 2014).

Para que os alunos possam aprender a agir de forma crítica, informada e responsável, é necessário repensar a formação de professores tendo em vista este objetivo. Assim, estabelecem-se na referida década de oitenta e vão-se aperfeiçoando nas posteriores, referenciais, conteúdos, técnicas e estratégias, de forma a orientar a formação de professores neste sentido. Esta preocupação com o pensamento crítico também surge de forma implícita ou explicita nos currículos escolares de diferentes países, inclusive em Portugal (Tenreiro-Vieira, 2014).

A investigação sobre o pensamento crítico, tem incidido sobre duas grandes áreas: a procura por uma definição clara, rigorosa e precisa do conceito e a análise e problematização das abordagens pedagógicas que se utilizam para o seu desenvolvimento. Considera-se, quase de forma consensual, que o pensamento crítico possui três componentes: o conhecimento, as atitudes e as habilidades ou capacidades; neste âmbito, é um pensamento que permite uma compreensão global, implica competências sociais e culturais e desenvolvimento intelectual (Cai & Sankaran, 2015).

O pensamento crítico não se aplica de forma particular de acordo com diferentes áreas do conhecimento, mas, pelo contrário, unifica e transcende essa especificidade. Subjacentes a este tipo de pensamento encontram-se as outras virtudes, como a integridade, a humildade, a empatia e a perseverança (Tenreiro-Vieira, 2014).

Na realidade americana, a preocupação com o desenvolvimento do pensamento crítico nos estudantes dá origem a vários programas suplementares ao currículo, que partilham o mesmo princípio. Existe um conjunto de capacidades específicas do pensamento crítico, que podem ser desenvolvidas através da prática e da sua aplicação em diferentes áreas ou domínios do saber; apresentam, no entanto, diferenças no modo como a prática é pensada, orientada e programada. Alguns partem de histórias ou novelas filosóficas, como é o caso da FpC; outros centram-se na resolução de problemas, nos grupos de discussão, etc. (Willingham, 2007; Oyler & Romanelli, 2014).

Os estudos realizados sobre estes programas apresentam, de acordo com Willingham (2007), problemas metodológicos, nomeadamente no que concerne à FpC. As dificuldades prendem-se com a falta de rigor e de clareza na avaliação do programa. Algumas pesquisas relatam efeitos positivos

do programa nos alunos e nos professores. No entanto, de acordo com o autor citado, o sucesso do programa depende exclusivamente das capacidades dos professores, designadamente na orientação das sessões e na forma como conseguem articular os conhecimentos teóricos com a prática. Também Oyler e Romanelli (2014) referem que as investigações realizadas, mostram que os programas são pouco eficazes e os resultados obtidos no terreno são inconsistentes, pelo que afirmam ser necessário mais pesquisas que avaliem a eficácia dos diferentes programas e modalidades de ensino.

Willingham (2007) defende que pensamento crítico não é uma habilidade ou capacidade que se desenvolve através de técnicas ou estratégias específicas criadas para esse efeito. O que a investigação na área do desenvolvimento cognitivo nos mostra, é que a aquisição de determinadas competências facilita e torna possível o pensamento crítico. Várias investigações (Cai & Sankaran, 2015; Mall-Amiri & Sheikhy, 2014; Temel, 2014; Nargundkar, Samaddar & Mukhopadhyay, 2014; Oyler & Romanelli, 2014; Wei, 2014) revelam que muitas vezes, efetuamos julgamentos, tomamos decisões ou resolvemos problemas (atividades mentais que tipicamente se atribuem ao pensamento crítico), sem estarmos a pensar de forma crítica. O pensamento crítico exige tempo, conhecimentos sobre os assuntos em debate e prática dos mesmos, o que deve acontecer em sala de aula, no tratamento de todos os conteúdos que se vão lecionar.

Ainda segundo Willingham (2007) o desenvolvimento do pensamento crítico deve ser uma finalidade do currículo escolar e não de um programa paralelo e exterior ao currículo. Os programas que procuram desenvolver o pensamento crítico, apenas exercitam alguns aspetos do pensar criticamente; não atingem o aprofundamento que interliga e relaciona os diferentes saberes. Assim, importa não só pensar nos diferentes pontos de vista, mas também encontrar várias soluções e caminhos possíveis na busca da resolução de uma problemática. Pensar criticamente exige conhecer previamente os problemas, pois, só assim, é possível encontrar as soluções que eles exigem. As estratégias do pensamento crítico são abstratas e, neste sentido, é necessário torná-las explícitas de forma a desenvolver um trabalho neste campo. Necessidade de repensar o ensino de forma a incorporar este objetivo, o que implica motivar os estudantes através de estratégias ativas e participadas que se têm mostrado mais eficazes do que o ensino tradicional (Willingham, 2007; Nargundkar, Samaddar & Mukhopadhyay, 2014).

O professor tem, neste tipo de ensino, um papel central e determinante para o desenvolvimento dos seus alunos, pelo que necessita de desenvolver um perfil crítico e reflexivo para com o seu

desempenho docente, agindo de acordo com princípios democráticos e com uma atitude de curiosidade e de busca incessante pelo conhecimento. Aprender a ensinar, é um processo sistemático e contínuo que exige uma atitude de empenho e envolvimento, com vista a uma melhoria do próprio desempenho docente e das escolas onde se trabalha (Arends, 1995; Tenreiro- -Vieira, 2014). A finalidade da educação é a responsabilidade social não só pela atual geração, mas, também, pela geração futura - desenvolvimento sustentável.

De acordo com vários autores (Vieira & Tenreiro-Vieira, 2014; Cai & Sankaran, 2015; Mall- -Amiri & Sheikhy, 2014; Temel, 2014), educar para o pensamento crítico implica orientar o currículo, os conteúdos programáticos, os recursos pedagógicos e educativos, os manuais escolares e a formação de professores para esta finalidade. Neste tipo de ensino, as práticas pedagógicas também têm de se adequar ao pretendido; no fundo, diversificar, planear e criar ambientes onde se desenvolva o pensamento crítico, exige que se aja de forma explícita e deliberada, de acordo com esta finalidade. O objetivo é não só desenvolver nos estudantes a capacidade de pensar criticamente, mas também, dotar os professores desta capacidade (Zangenehvandi, Farahian & Gholami, 2014).

Vários estudos (Cai & Sankaran, 2015; Mall-Amiri & Sheikhy, 2014; Temel, 2014 e Zangenehvandi, Farahian & Gholami, 2014) referem que o pensamento crítico tem impacto nas estratégias dos professores e nas dinâmicas de sala de aula. O estudo realizado por Zangenehvandi, Farahian e Gholami (2014) relata que a autoeficácia e o pensamento crítico têm um papel determinante no desempenho dos professores em sala de aula e que, quando os professores utilizam a capacidade de pensar criticamente, estão mais ativos e motivados. Sugere- -se, de acordo com estes resultados, que é importante familiarizar os professores com as vantagens do pensamento crítico.

Também neste modelo ou movimento, se encontram alguns perigos que advêm do facto de os professores estarem, por vezes, prisioneiros de determinadas crenças e valores que consideram como verdades inquestionáveis. Analogia com a ideia de Kuhn (2003), que defende, que no momento da ciência normal, os cientistas, enquanto comunidade, partilham determinadas crenças e valores que, por vezes, não lhes permitem evoluir no conhecimento. O pensamento crítico aplica-se a problemas reais e concretos, que impulsionam os membros de uma determinada comunidade de investigação, comunidade essa que partilha valores, normas, crenças e tradições,

o que influencia e determina, muitas vezes, aquilo que é dado ou assumido como verdadeiro ou falso (Castro, 2014; Carvalho, 2014; Willingham, 2007).

Pensar criticamente é uma forma superior do pensar que confere sustentabilidade e inteligibilidade ao real, tornando-o mais compreensível e enriquecendo a nossa condição humana. Neste campo do pensamento crítico, a filosofia pode ter um papel preponderante não só como metodologia ou técnica de raciocínio, mas como forma de estar na vida, enquanto atitude (Lipman, 1995; Brenifier, 2005; France & Gagnon, 2012; Castro, 2014; Carvalho, 2014; Costa, Fernandes, Soares, Pereira, Amado, Couto, Castro & Teixeira., 2014).