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CAPÍTULO III MÉTODO

1.2. Aprofundamento do estudo: o caso de Fafião

A segunda fase do trabalho de recolha desenvolveu-se ao longo de um período de estadia de dois meses e meio numa das comunidades utilizadoras de baldio. Ao longo deste período pretendeu-se aprofundar o conhecimento sobre o papel do baldio na dinâmica da comunidade e das famílias e sobre a forma como a gestão é desenvolvida, procurando-se conhecer as perspectivas e percepções de outros compartes para além daqueles integrados na actual entidade gestora. Por outro lado, procurou-se ter acesso ao percurso evolutivo do baldio na comunidade e da sua gestão pela comunidade, tendo como foco os matizes das relações entre os compartes, e entre os compartes e o baldio. No fundo, procurou-se aceder tanto quanto possível à “imagem completa” da situação sob análise, evitando a simplificação dos fenómenos observados.

O trabalho foi desenvolvido na aldeia de Fafião, concelho de Montalegre, distrito de Vila Real. A escolha da aldeia atendeu à localização particular que assume Fafião, na fronteira entre dois municípios, Montalegre e Terras do Bouro, entre dois distritos, Braga e Vila Real, e ainda entre duas regiões, Trás-os-Montes e Minho, sendo que formalmente pertence a Trás-os-Montes. Vindo do litoral, Fafião é a primeira aldeia do concelho de Montalegre, do distrito de Vila Real e da região de Trás-os-Montes, sendo que a Ermida, sua aldeia limítrofe para Oeste, se encontra ainda integrada no concelho de Terras do Bouro, distrito de Braga e região do Minho. Fafião pertence à freguesia de Cabril,

[…] mosaico de pequeninas povoações ao longo das encostas abrigadas que descem sobre os rios: Xertelo, que fica acima dos 700 metros, Lapela e Pincães, acima dos 600 metros, São Lourenço, Chelo, Fafião e Azevedo, acima dos 500 metros, Bustochão e Vila Boa, acima dos 400 metros, e todas as restantes, Cabril (que já se chamou a Vila ou a Baixa), Cavalos, Chãos, Fontaínho, São Ane e Chã do Moinho, não sobem para lá dos 300 metros de altitude (Câmara Municipal de Montalegre, 2018).

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Trata-se da segunda freguesia mais extensa do concelho, com 76,6 km2. Nas

localidades mais baixas e húmidas do Barroso, particularmente da freguesia de Cabril, ao contrário do que se passa no ambiente circundante, as condições climáticas, topográficas e pedológicas permitem produzir fruta (designadamente, laranja), vinha e olival (Câmara Municipal de Montalegre, 2018). Fafião encontra-se localizada mais perto da sede do concelho vizinho (Braga), do que da sua própria sede de concelho. De facto, percebe-se na aldeia uma dualidade entre o orgulho de ser transmontano e a facilidade de acesso aos benefícios que uma cidade como Braga oferece e que Montalegre, sofrendo os efeitos da interioridade, não consegue. Esta situação reflecte-se ao nível do emprego, da formação universitária, bem como dos transportes e comunicações para o resto do país, dado o acesso à linha ferroviária e a uma boa rede de transportes rodoviários.

A dinâmica demonstrada pela comunidade de Fafião foi outra das razões para a selecção da aldeia. Ao contrário de outras aldeias, verifica-se aqui uma maior heterogeneidade etária, sendo que os jovens, ainda que muitos ali não vivam diariamente, fazem questão de manter semanal a sua presença e participação nas actividades e preocupações da aldeia. A proximidade de Braga e a existência de mega- empreendimentos da EDP na região, fonte importante de emprego local noutros tempos, garantiram que aqueles que se viram obrigados ou impelidos a procurar outras condições de trabalho, pudessem ficar por perto.

A forma como Fafião parece destacar-se de outras aldeias poria em causa a generalização dos resultados ali conseguidos. Contudo, com este estudo de caso pretende-se sobretudo perceber a forma como as diferentes entidades interagem e o peso dessa interacção e da sobreposição de instituições sobre a gestão dos baldios. Estas questões põem-se em qualquer baldio, e com este estudo de caso pretendemos perceber até que ponto aquelas interacções podem lesar ou favorecer a gestão comunitária sem com isso poder ou querer afirmar que o nível de influência será igual para todos os baldios. Nem a quantidade e a qualidade de factores que influenciam a gestão destes baldios o permitiria.

O trabalho de campo decorreu entre Agosto e Outubro de 2015. Ao longo deste período, conseguiu-se um progressivo envolvimento e integração nas dinâmicas da aldeia, que permitiu perceber melhor a estrutura daquela comunidade. Foi assim sendo

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possível aceder ao estado actual da comunidade,23 do ponto de vista das relações, laços,

familiares e afectivos, histórias de conflitos e colaborações. No fundo, informação que iria contextualizar e completar o lado observável das relações interpessoais, inter- familiares, institucionais e inter-institucionais.

Ao longo do trabalho de campo, estabeleceram-se conversas informais com habitantes e visitantes da aldeia e efectuaram-se entrevistas semiestruturadas e livres com os habitantes. Ao todo, foram realizadas 20 entrevistas, das quais 14 em Fafião. Ao mesmo tempo, o envolvimento na vida da aldeia, das pessoas e famílias, a participação em trabalhos agrícolas, nas festas da terra, e nos eventos socialmente importantes, criou uma situação de proximidade que permitiu captar o papel do baldio e dos seus recursos, o tipo de uso desenvolvido e a maneira como se encontra organizado. À medida que nos inseríamos, foi ficando facilitada a identificação dos indivíduos cuja acção foi determinante na história do baldio e no funcionamento recente e actual da sua gestão. No conjunto das pessoas que foram sendo contactadas, formal ou informalmente, encontravam-se diferentes tipos de relação com o baldio, desde produtores de animais que usavam e usam o baldio para pastagem e recolha de matos; pessoas a quem noutros tempos foi cedida a posse de parte do baldio, sendo-lhes retirada aquando da devolução aos povos, tal como fora previsto na lei; antigos e actuais membros dos órgãos de gestão do baldio; compartes sem qualquer relação directa, de uso ou de outra natureza, com o monte baldio; o presidente da Junta de Freguesia (Cabril), comparte do baldio de Cabril, limítrofe ao de Fafião, e presidente do Conselho Directivo; jovens sem qualquer relação “produtiva” com o baldio, para além da ajuda dada pontualmente às gerações anteriores, mas com uma relação emocional, de tradição, muito forte; membros da comunidade envolvidos em conflitos com grande parte da população, alegadamente devido a comportamentos e actos de abuso dos direitos de propriedade sobre os bens comunitários (abuso por uns ou por outros, dependendo da perspectiva); compartes habitantes na grande cidade (Braga, por exemplo), mas que mantêm casa e campos na povoação e uma relação semanal a quinzenal com a aldeia, encontrando-se inclusivamente integrados nos órgãos de gestão do baldio.

23 Sendo que aqui se entende por comunidade o conjunto de relações estabelecidas entre os membros,

cujo conhecimento permite de alguma forma construir expectativas relativamente ao comportamento dos vários elementos da mesma, e concertar forças para a acção, ou seja, para a acção colectiva. O estado da comunidade justifica em certa medida a forma como funcionam as instituições desenvolvidas com base nessa comunidade.

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Regra geral, as entrevistas foram combinadas com antecedência, havendo um primeiro contacto, pessoal ou telefónico, para determinar disponibilidades. As entrevistas tiveram lugar em diferentes cenários, sendo o mais comum a casa das pessoas entrevistadas. Outros cenários foram o campo agrícola enquanto era feita a rega; o café da aldeia; o próprio baldio; uma viagem de carro a Chaves, o ponto de vigia próximo à aldeia, acompanhando o serviço da equipa de sapadores florestais. As entrevistas não tiveram uma duração padrão, dependendo da vontade e disponibilidade do entrevistado. Enquanto na maioria a conversa se estendeu durante horas, extravasando as expectativas do entrevistador, noutras, poucas, o tom de “questionário” liderou o decurso da conversa, mantendo-se esta estruturada sobretudo na dinâmica pergunta-resposta. Nestes casos, a entrevista terminou quando o entrevistador deu por terminadas as questões ou os temas a abordar.

De modo mais descontínuo, ao longo dos três anos que decorreram desde que o projecto começou a entrar no terreno, foi recorrente a participação em eventos organizados por e para os compartes, ou sobre assuntos relacionados indirectamente com a questão dos baldios. Estes eventos permitiram a troca de ideias e o estabelecimento de uma rede de contactos relevante dentro da teia institucional, formal e informal, tecida em torno da gestão dos baldios. Assim, o contacto com a realidade de outros baldios, com grupos que trabalham de diferentes formas com a propriedade e gestão comunitária (e.g. universidades, cooperativas culturais), com associações e federações de associações directamente envolvidas na gestão dos baldios e na defesa da propriedade comunitária, permitiu captar a abrangência da questão, ou das questões, que directa ou indirectamente a influenciam.