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CAPÍTULO III MÉTODO

1.1. Caracterização dos Baldios do PNPG

A primeira fase decorreu entre os meses de Maio e Outubro de 2015. Ao longo desse período, foram efectuadas entrevistas semiestruturadas em cada uma das 3019

unidades de baldio. Em regra, foi feita uma entrevista por baldio. Contudo, em baldios cujo Conselho Directivo no activo ainda detinha pouca experiência e conhecimento do cargo, tentou-se entrevistar, além do representante daquele, também outros compartes com maior experiência na gestão do baldio. Esta situação aconteceu em Castro Laboreiro (Melgaço), e em Cabana Maior (Arcos de Valdevez) (sobretudo por falta de disponibilidade do actual presidente do CD, que acumulava vários outros papéis, entre os quais, a presidência da JF, mas também por estar há poucos meses a gerir o CD). A situação verificou-se também em Lamas de Mouro (Melgaço), neste caso não foi possível contactar a anterior equipa de gestão. Assim, foram realizadas, ao todo, 30 destas entrevistas.

Tratando-se de um número considerável de casos e existindo limitação temporal, nesta primeira fase privilegiou-se o contacto com membros dos corpos de gestão. Esta opção prendeu-se no facto de muitos dos contactos terem sido conseguidos junto de associações que trabalham com os baldios, cujos interlocutores são os membros dos órgãos de gestão, designadamente os presidentes dos conselhos directivos, sendo esses, em regra, os contactos que nos foram facilitados. Por outro lado, partiu-se do princípio de que os compartes que participam activamente na gestão do baldio estariam mais inteirados da forma como a instituição funciona, os resultados dessa gestão, etc., pelo

19 Duas destas unidades partilham o presidente do órgão gestor - CD do baldio de Entre-Ambos-os-Rios e

Associação Foral que gere o monte aforado de Ermida, Froufe e Lourido - pelo que uma entrevista será referente a ambos os casos. Assim, apesar de se terem realizado duas entrevistas em Castro Laboreiro, o número total de entrevistas permanece igual ao número de unidades-baldio, ou seja, 30.

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que se optou por manter este como o primeiro contacto. Em casos em que, por exemplo, a instituição tinha sido criada recentemente, procurou-se contactar igualmente os anteriores dirigentes ou elementos da anterior equipa de gestão. Não obstante, o primeiro contacto foi em regra estabelecido com o presidente do Conselho Directivo ou com o presidente da Junta de Freguesia (quando era esta a instituição gestora), sendo que por vezes os dois cargos coincidiam na mesma pessoa.

Em algumas situações (falta de disponibilidade do primeiro contactado, ou preferência por entrevista de grupo, juntando-se outros membros dos órgãos de gestão à entrevista), o contacto inicial foi feito com um destes actores, mas a entrevista veio a ser efectuada com outros compartes que detinham algum papel actual ou anterior na gestão (e.g., o presidente da Mesa da Assembleia, um vogal). Concretamente, em Travassos do Rio (Montalegre), o presidente do Conselho Directivo veio acompanhado do presidente da Mesa da Assembleia (também presidente da Junta de Freguesia). Em Lamas de Mouro (Melgaço), talvez pela falta de experiência da actual equipa na gestão do baldio, composta em grande parte por emigrantes retornados e recentemente reintegrados na vida da comunidade, o presidente do conselho directivo optou por uma entrevista de grupo, em que participaram três elementos da actual entidade gestora, designadamente o próprio, o presidente da Mesa da Assembleia, e um vogal.

Após a recolha dos contactos das associações que trabalham com os baldios do norte do país, foram enviados e-mails para as várias entidades, no sentido de obter junto das mesmas o contacto dos conselhos directivos de baldios inseridos no Parque Nacional que fossem seus associados. Contudo, não houve resposta. O mesmo contacto foi feito para o ICNF, que, não detendo os contactos desejados, nos direccionou para o Secretariado dos Baldios de Trás os Montes e Alto Douro e para a Associação dos Baldios do Parque Nacional da Peneda-Gerês, fornecendo-nos os contactos. A resposta de ambas foi construtiva, conseguindo-se assim os primeiros contactos. Ainda assim, uma vez que estas associações até aquele momento trabalhavam sobretudo com os baldios do concelho de Montalegre, conseguiu-se apenas parte dos necessários. Daqui fomos direccionados para uma outra associação que trabalha com os baldios do concelho de Arcos de Valdevez e Ponte da Barca, a Atlântica. Esta entidade facultou- nos mais um conjunto razoável de contactos. Os restantes ainda em falta, ou com os quais houve dificuldade inicial de contacto, foram conseguidos através dos próprios compartes, dado que muitos se conhecem entre si.

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O contacto com os compartes foi feito inicialmente através de e-mail, nos casos em que detinham endereço electrónico, e por carta, com o mesmo conteúdo do e-mail (Anexo III), para os que não o detinham. Pretendeu-se desta forma realizar uma primeira aproximação, deixando desde logo claro o objectivo do contacto. O texto descrevia de forma sintética os propósitos do projecto e o que se esperaria com aquele contacto. Cinco responderam por e-mail, e um por carta. Em todos estes, a resposta foi positiva e incentivadora. Nos casos em que a confirmação da colaboração no projecto não foi feita de forma directa ao escrito enviado, o próximo passo foi via contacto telefónico. A reacção geral foi sempre de total abertura e disponibilidade.

Uma vez que os primeiros contactos conseguidos foram dos baldios do concelho de Montalegre, as primeiras entrevistas foram realizadas nas aldeias deste município (11 conselhos directivos). Em seguida passou-se para os concelhos de Arcos de Valdevez e Ponte da Barca. Os últimos contactos a serem conseguidos foram os do concelho de Terras do Bouro, pelo facto de nem a Atlântica, nem a Associação dos Baldios do PNPG terem trabalhado directamente com comunidades deste concelho até àquela data. De facto, em Terras do Bouro verifica-se uma situação algo diferente dos restantes, que se relaciona com o maior número de casos de baldios que aí foram aforados no tempo da florestação, como estratégia de defesa contra a acção do Estado no final do século XIX. Se o Estado pretendia a florestação dos baldios, então houve que transformar os baldios, então considerados bens de propriedade pública ainda sob a posse da Junta de Freguesia, em propriedades privadas das comunidades, através de cartas de foral então passadas pelas juntas de Freguesia. A grande incidência de tais aforamentos neste concelho poderá explicar, até certo ponto, o menor envolvimento das comunidades com as associações que trabalham com a propriedade e gestão comunitárias.

O outro dos últimos concelhos a serem contactados foi o de Melgaço. Neste caso, o atraso no contacto deveu-se às alterações que estavam a acontecer àquele tempo no seio das entidades gestoras dos baldios. Tanto em Castro Laboreiro como em Lamas de Mouro tinha havido eleições recentemente, pelo que o contacto com os novos órgãos não foi imediato. Por outro lado, em Castro decorria um conflito interno resultante do processo eleitoral, que, em última análise, se pode atribuir à aplicação da nova legislação sobre os baldios (DL nº72/2014, entretanto revogada). A questão central do conflito revolveu em torno do conceito de comparte, por o referido Decreto-Lei ter tornado possível o voto de pessoas que até aí não eram consideradas compartes. Este

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facto alterou por completo o resultado das eleições, relativamente ao que era esperado pelos “habituais” compartes que se encontravam no cargo há muitos anos. Não obstante, uma vez conseguido o contacto dos novos órgãos gestores, a abordagem foi mais uma vez recebida com total abertura, tendo-se inclusivamente contactado (e entrevistado) também o antigo presidente do Conselho Directivo do baldio de Castro (além do actual).

O trabalho de recolha foi desenvolvido através da realização de entrevistas semiestruturadas20. Com esta abordagem pretendeu-se caracterizar a situação do baldio no respeitante a: a) entidade gestora; b) sistema de recursos; c) meio político e institucional envolvente; d) utilizadores. É em torno destes tópicos que, de acordo com muita da literatura sobre as questões relacionadas com a gestão de recursos comuns, se encontram os princípios delineadores de instituições de gestão comum, preponderantes no sucesso ou insucesso destas instituições. Assim, optou-se por segui-los como linhas de análise, esperando assim obter a informação relevante para uma análise adequada da situação dos baldios do PNPG. Paralelamente, pretendeu-se caracterizar a gestão propriamente dita do baldio, tendo em atenção vários aspectos, como o tipo de usos, as receitas e gastos da gestão, os actores envolvidos, o controlo dos acessos e as actividades desenvolvidas e/ou permitidas, as iniciativas relativas ao uso do espaço, as parcerias e colaborações, o investimento na fiscalização, etc. Pretendeu-se assim recolher informação que permitisse posteriormente relacionar a gestão concreta de cada baldio com a instituição, entretanto caracterizada relativamente àqueles quatro pontos (o guião das entrevistas encontra-se em anexo – Anexo VI). Tal confrontação permitiria perceber as relações existentes (se as houvesse) entre o carácter das instituições e o sucesso (ou insucesso) na gestão do baldio.

Se as primeiras entrevistas foram efectuadas tendo como base sobretudo as ideias recolhidas na literatura, à medida que o trabalho foi decorrendo foi-se tendo cada vez maior noção da realidade dos baldios, e em particular dos baldios do PNPG. Desta maneira, inevitavelmente, o guião da entrevista veio a sofrer alterações, ainda que mantendo a estrutura original, baseada naqueles quatro conjuntos de factores e no tipo de gestão efectuada. O guião que se apresenta em anexo corresponde ao inicial cuja utilização possibilitou obter informação que permitiu adequá-lo à realidade destes baldios. De facto, logo desde as primeiras entrevistas passou a ter-se que lidar com

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conceitos novos, relacionados com a realidade concreta do Parque Nacional. Se até ali o nosso conhecimento versava leituras que efectuavam uma apreciação algo generalizada dos baldios em Portugal, no Parque a situação dos baldios veio a verificar-se ser muito diferente. Assim o reajustamento do guião foi constante nas primeiras entrevistas, vindo a estabilizar uma vez integrados na abordagem os contornos da realidade dos baldios do Parque. Daí em diante, a interacção no decurso das entrevistas realizou-se de forma mais direccionada e mais facilmente recorrendo ao quadro de referência do entrevistado. Complementarmente às entrevistas, recorreu-se igualmente a outro tipo de fontes de informação. Desde logo, por ocasião das deslocações às aldeias, estabeleceram-se conversas informais com outros dos seus habitantes. Em três ocasiões, participou-se em reuniões de compartes de dois baldios diferentes. Uma, foi por convite do presidente do Conselho Directivo; uma segunda por iniciativa própria, após ter tido conhecimento de que determinado assunto de interesse iria ser discutido na assembleia de compartes, no baldio mais afectado pelo desfecho dessa discussão. Concretamente, a reunião referia-se à discussão do projecto-piloto de gestão florestal preventiva, a vir a ser desenvolvido pelo ICNF no baldio do Soajo, a qual veio a ser realizada em plena assembleia de compartes do Soajo. É de ressalvar que as reuniões de compartes, pelo menos no entender dos compartes aqui contactados, são públicas, não tendo em nenhuma situação havido qualquer sinal de desconforto ou descontentamento da sua parte perante a ideia de participação de alguém externo à comunidade.

A participação numa terceira reunião de compartes, novamente no Soajo, deu-se numa situação um pouco diferente, resultante de um evento organizado por uma associação do Porto em parceria com alguns compartes, pretendendo aprofundar o diagnóstico das dificuldades, ou dos obstáculos, da gestão comunitária. A discussão desenvolveu-se no centro social da aldeia, apelando à presença dos compartes. Esta sessão integrou a mostra de um documentário sobre os baldios, realizado por uma cooperativa galega (Trespés), focando sobretudo a realidade dos baldios da aldeia de Vilarinho, na Lousã, e os montes vecinales na Galiza. A discussão envolveu um membro dessa mesma cooperativa, dois membros da associação do Porto, os compartes da comunidade local, e outros interessados que se juntaram ao evento.21

21 A diferente título, participou-se igualmente numa outra apresentação deste documentário numa aldeia

do nordeste transmontano integrada no Parque Natural do Douro Internacional, no âmbito de um evento organizado pelo Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA) e pela Associação para o Desenvolvimento Integrado de Picote (FRAUGA). Não obstante situar-se fora dos limites do Parque

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Para se obter uma ideia mais completa da questão, foram igualmente entrevistados membros do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, recorrendo mais uma vez ao método da entrevista semi-estruturada. Neste âmbito, foi abordado um técnico, representante do ICNF na Estrutura Local de Apoio (criada para apoiar a implementação das medidas agroambientais nos baldios do PNPG) e um técnico responsável pelo acompanhamento das equipas de sapadores florestais, ele próprio também comparte num baldio.

Com o mesmo objectivo de obter uma perspectiva alargada da situação dos baldios no Parque, entrevistou-se um antigo director do PNPG22 e o presidente da Federação Nacional de Baldios. Em ambas as abordagens, pretendeu-se sobretudo aceder à sua experiência nos cargos que desempenha(ra)m, tentando perceber os contornos da sua função, uma vez que lida(ra)m com um número considerável de instituições, na obrigação de defender ideias e posições institucionais perante pontos de vista muitas vezes divergentes. Por outro lado, a estreita relação que ambos necessariamente estabelecem com os órgãos de gestão dos baldios, e as suas (por inerência de funções) diferentes perspectivas, tornaram estas duas abordagens obrigatórias para se atingir um entendimento alargado do lugar do baldio, não só no Parque Nacional, mas também no país.

Numa outra perspectiva, foram entrevistados funcionários de duas associações que trabalham com os baldios, colaborando na sua gestão. A principal função deste tipo de entidades é a de apoiar a elaboração de candidaturas a financiamento, tanto dos compartes produtores como do baldio propriamente dito. Com esta abordagem, pretendeu-se sobretudo contextualizar o trabalho destas associações na realidade do baldio e das zonas rurais, ao mesmo tempo que constituiria uma oportunidade para aprofundar o conhecimento sobre os processos burocráticos a que estão hoje sujeitos os actores em meio rural. Neste âmbito, foram contactados o Secretariado dos Baldios de Trás-os-Montes e Alto-Douro, sedeado em Montalegre, e a associação Atlântica, com sede em Arcos de Valdevez.

Nacional, e por isso não se situar no âmbito da recolha de dados sobre o caso em estudo, a discussão sobre a propriedade comunitária, com a contribuição de participantes de diferentes áreas, desde a literatura à antropologia, permitiu obter e aprofundar conhecimentos e ideias de modo complementar às leituras.

22 Esta entrevista não consta dos anexos por não ter sido registada em áudio. Assim, o registo foi feito

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Assumindo que o turismo é a actividade económica com maior desenvolvimento no Parque Nacional, e que tem vindo a ganhar importância cada vez mais decisiva no território, e, necessariamente, nos montes baldios, pretendeu-se integrar a perspectiva destes utilizadores. Assim, entrevistaram-se alguns dos actores por detrás das actividades turísticas ali desenvolvidas, nomeadamente: a entidade que gere grande parte do que se passa de turismo na área do Parque Nacional, a ADERE, na pessoa da sua administradora delegada; os gestores do parque de campismo de Cabril, o qual entre outras coisas organiza actividades recreativas no território do Parque Nacional, e particularmente no do baldio da comunidade onde o parque de campismo está instalado; uma pequena empresa promotora de turismo sustentável e ligado à terra, tanto do ponto de vista do solo como no sentido cultural, e instalada no seio de uma das comunidades de onde é natural a promotora do projecto, retornada recentemente; uma empresa turística sedeada no Porto, mas com o seu foco de actividade numa das aldeias do Parque Nacional e no respectivo baldio; uma empresa turística sedeada na vila do Gerês, organizadora de passeios, com trajectos assumidos na área do baldio local, com recurso a veículos variados, desde cavalos a motoquatro. Tentou-se ainda contactar a associação responsável pela gestão de uma das portas do Parque Nacional – a Porta do Mezio – a ARDAL, mas sem sucesso, não tendo sido possível até à data a marcação de qualquer entrevista.

Noutra área da rentabilização económica do território, entrevistou-se o presidente de uma empresa de projectos florestais sedeada em Ponte de Lima, que mantém uma colaboração muito estreita com uma das aldeias do Parque Nacional e, mais especificamente, com a associação local, promovendo projectos e estabelecendo numerosas parcerias. Neste caso, a abordagem procurou perceber de que forma surgem e como funcionam estas parcerias que, dão, ou poderão dar, dimensão ao trabalho de uma associação com acção sobretudo local, ao alargar o leque de possibilidades, de recursos acessíveis e de expectativas.

Além dos objectivos descritos para esta abordagem, todas elas possibilitaram também o contacto com as perspectivas de agentes externos às comunidades, dando-nos acesso às suas percepções dos baldios. Este tipo de informação contribui para situar o baldio, e a gestão comunitária, na sociedade actual. Sobretudo naquela sociedade actual que não vive nos, nem dos, meios rurais, a não ser indirectamente, através da paisagem e da memória cultural. Porque no fundo é essa sociedade, a que vive cá mas que gosta

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de ir lá, que acede directa ou indirectamente a recursos lá residentes, que procura valorizá-los e/ou preservá-los…, que tem promovido as principais mudanças no mundo rural e, mais especificamente, no baldio, pelo que a sua perspectiva importa, quando se pretende pensar o futuro da propriedade comunitária.