• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV. O ENQUADRAMENTO INSTITUCIONAL DOS BALDIOS

2. Actores e interacções institucionais na gestão dos baldios

2.4. Mudanças e Factores de Variação na Gestão

Em termos práticos, pelo menos no que se reflecte nas actividades desenvolvidas e nos fundos de financiamento a que têm acesso, os baldios inseridos no PNPG encontram-se em situações idênticas entre si. A forma como se posicionam perante as possibilidades de gestão é que poderá diferir, o que parece não estar necessariamente ancorado na natureza da entidade que os gere, CD ou Junta de Freguesia. Neste ponto, o ambiente socioeconómico da comunidade ou o ambiente físico do baldio parecem ter a maior influência. As zonas rurais, principalmente no interior norte do país, encontram- se hoje numa situação vulnerável, com níveis de população decrescentes e um sector agrícola fragilizado e sustentado em pequenas propriedades de gestão familiar, que em

174

pouco contribui para a fixação da população. Neste contexto, além de ficarem reduzidas as alternativas de gestão, entregue a um reduzido leque de pessoas e interesses, a relação da comunidade com o baldio fica necessariamente afectada. Ao mesmo tempo, como já se referiu brevemente, são as próprias características ecológicas e geográficas do baldio que determinam limites à gestão, impondo-se sobre as possibilidades de uso e produção. Baldios com maior área de serra terão à partida maior actividade de pastagem do que outros de baixa altitude, com grande parte da área próxima da povoação. Por outro lado, baldios com maior área de floresta possibilitam a exploração de recursos comercializáveis associados, dificilmente acessíveis em baldios caracterizados por áreas de elevada altitude e de difícil acesso.

Esta questão é pertinente, se se tiver em conta a natureza dos recursos existentes em cada unidade de baldio. Por exemplo, se falarmos dos ganhos associados à pastagem, trata-se de ganhos individuais, do produtor. Já se considerarmos as receitas da floresta, estas têm significado ao nível do baldio, da comunidade. Ou seja, da mesma maneira que o pasto pode ser usado por todos os compartes, também a madeira das árvores não é de ninguém em particular. Contudo, o pasto é consumido por animais que têm dono, que não é a comunidade como um todo, mas sim o produtor. Conclui-se que os elementos da comunidade que não têm animais não tiram partido do recurso “pasto”. Já no caso da madeira todos ganham por igual, uma vez que se trata de um recurso gerido e explorado ao nível da comunidade e as receitas são aplicadas no baldio e na povoação. Esta questão coloca os baldios em situações muito diferentes no que respeita à maior ou menor capacidade de se autogerirem e dinamizarem.

Os montes com menos recursos ficam mais vulneráveis, reféns dos objectivos das medidas de apoio e das “migalhas” que o turismo explorado desde fora deixa às comunidades locais. Contudo, em tempos em que o número de pastores diminui, os animais escasseiam, e os turistas proliferam, é a própria paisagem que ganha valor. Neste contexto as medidas agroambientais vieram de alguma forma revolucionar aquela situação, ao alterarem a natureza do valor das áreas de pastagem transformando a extensão de área elegível para pastagem existente em cada baldio num critério para definir o nível de financiamento acessível a cada uma destas unidades territoriais. Um

175

bem até aí apropriado individualmente passou a assumir também32 um valor

comunitário, na medida em que é esperado que o valor gerado, ao ser investido na valorização dos bens comuns (e.g., monte, povoação, etc.), venha a beneficiar de igual forma cada comparte.

Referindo-nos à gestão pela Junta de Freguesia, põem-se duas situações em oposição focando dois baldios: o de Rio Caldo, gerido pela Junta de Freguesia, e o de Gondoriz, hoje gerido pelo CD, mas até recentemente e por largos anos pela Junta de Freguesia. Em Rio Caldo o baldio foi fortemente intervencionado pelos Serviços Florestais. Nesta área tem havido várias iniciativas de florestação no monte, com recurso a espécies autóctones. Em contrapartida, em Gondoriz não há qualquer intenção de vir a investir-se na floresta e, de acordo com o presidente do CD (também presidente da Junta de Freguesia), o baldio serve apenas para proporcionar o subsídio aos produtores de animais e para aceder às medidas agroambientais e pô-las em prática. Efectivamente, e também segundo o presidente do CD, este baldio, localizado em altitude e longe da zona urbana da freguesia, não tem floresta. Neste caso, as condições impostas pela geografia desmotivaram esse tipo de iniciativa.

Ao mesmo tempo, em Fafião o baldio é gerido pelo CD desde 1976, tendo-se destacado do baldio da Junta desde muito cedo. Aqui, verifica-se uma grande dinâmica local e os objectivos a que se propõe o CD não estão necessariamente alinhados com os da Junta de Freguesia, o que não implica que sejam contraditórios, mas sim que respondem a interesses locais da comunidade. Trata-se de uma área de baldio muito florestada, que garante um orçamento seguro, e com características paisagísticas atraentes para a prática do turismo de natureza. Completa o cenário desta aldeia uma população jovem dinâmica e interessada em contribuir para o desenvolvimento local, ainda que muitos vivam semanalmente fora da aldeia. Pincães, uma aldeia vizinha de Fafião, que constitui também um dos quatro CD mais antigos, partilha de algumas destas características, em particular da abundância da floresta. Embora se trate de uma comunidade com menor dimensão, também aqui se verifica que os interesses da gestão se circunscrevem ao baldio e à gestão dos seus recursos.

32 Diz-se também porque a área de pastagem não deixou de ter valor individual para os produtores. De

facto, como referido noutros capítulos, a área elegível para pastagem de cada baldio é o que permite que cada agricultor com animais se possa candidatar, a título individual e privado, aos subsídios à produção. E este benefício permanece, paralelamente às medidas agro- e silvoambientais associadas às ITI, cujo valor depende também da extensão da área elegível existente em cada baldio.

176

Já em Vilar da Veiga, onde o baldio também é gerido pelo CD desde os primórdios da lei, talvez por ser sede de freguesia e por se tratar de uma freguesia muito ligada à actividade turística das Caldas do Gerês e da albufeira da Caniçada, a ligação a esses interesses turísticos e ainda a memória da influência de outras instituições na gestão do monte parecem ter peso nas opções actuais de gestão. De acordo com o actual presidente do CD, quando os compartes se organizaram inicialmente, a partir de 1976, a gestão foi muito influenciada pelos desígnios da Igreja. Neste sentido, o dinheiro do baldio foi empregue durante muitos anos em obras e beneficências paroquiais, que pouco beneficiavam o monte e os seus recursos:

[...] foi muito as pessoas da altura, de idade que conheciam os montes e que sabiam disto tudo mas que… havia um problema com eles, é que eram pessoas de idade que tinham todas as influências, por exemplo da Igreja, tinham todas essas influências e aí é que se estragou muito dinheiro. Por exemplo, as assembleias, ainda hoje não conseguimos fazer nenhuma sem ser ao fim da missa, se quisermos marcar uma para a tarde ou para a noite não aparece ninguém, têm que ser todas no final da missa. [...] Portanto tudo foi gasto nos adros da igreja [...] fizeram coisas, um parque desportivo, por exemplo, aqui no meio do monte do baldio, gastou-se ali 30 000 contos num polidesportivo que hoje nem as cabras lá passam, enfim, tudo coisas assim muito mal-arranjadas (TV1).

Também na Ermida, outro baldio cujo CD foi formado ainda nos anos 1970, e é hoje gerido por uma equipa jovem e aparentemente comprometida com os recursos do baldio e com os interesses da aldeia, o actual CD veio substituir uma equipa que esteve décadas a cargo da gestão, de um grupo alegadamente pouco aberto à inovação (segundo o actual presidente do CD, corroborado pelo presidente do de Vilar da Veiga, baldios limítrofe e pertencente à mesma freguesia). Conta o actual presidente da direcção do baldio da Ermida:

Antes de mim foi muito complicado, antes de mim estiveram trinta anos as mesmas famílias… e falando assim um português um bocado mau, não faziam ponta de um corno, estás a perceber? Nem faziam nem tinham queda para fazer, tinham o dinheiro mas não tinham queda para fazer as coisas. Andavam sempre com o dinheiro de volta das obras da igreja e das festas e do caneco e portanto…

177

ardeu muita floresta e eles podiam ter comprado o carro já há muitos anos, nunca compraram. [...] Porque isto estava nas mãos de pessoas já idosas… esta gente idosa sabe as coisas do tempo deles, portanto desde o tempo deles para hoje já mudou muita coisa (TE1).

Actualmente, a gestão é centrada na floresta e na protecção dos recursos do baldio, motivada aparentemente por uma ligação forte à povoação e à cultura local. Avaliando pelo historial de conflitos entre a Ermida e as povoações vizinhas, em defesa do que os compartes da aldeia entendem ser seu património, aquela ligação parece vir de trás. Assim, a uma maior distância entre o órgão de gestão e aquilo que é a gestão administrativa da freguesia, parece estar associada uma dinâmica particular e mais centrada nos interesses da comunidade e do baldio.

178